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ENTREVISTA com o sociólogo Francisco de Oliveira, para ele a exploração segue sem ameaça no país


Lydia Medeiros - Agência O Globo RIO - O sociólogo pernambucano Francisco de Oliveira está inquieto. Em entrevista concedida ao jornal O Globo, publicada na edição deste domingo, o marxista de 73 anos, professor titular aposentado do Departamento de Sociologia da USP, avalia que a vitória do ex-metalúrgico Lula criou no país uma espécie de acordo: a classe dominante aceitou ceder aos dominados o discurso político, desde que os fundamentos da dominação que exerce não sejam questionados. Chico de Oliveira deixou o PT em 2003, filiou-se ao Psol, mas acabou votando em Lula no segundo turno. Admite que se equivocou, e afirma que este governo não mudará o país porque Lula se transformou num mito, acima da política, dos conflitos e das classes sociais. Leia a íntegra da entrevista: No segundo turno da eleição presidencial, depois de ter votado em Heloísa Helena, o senhor afirmou que votaria em Lula porque acreditava que haveria espaço para a esquerda no segundo governo dele. Recentemente, num artigo, mostrou-se desiludido com essa perspectiva. Arrependeu-se do voto? FRANCISCO DE OLIVEIRA: Não me arrependi de nada. Sou um herege sem arrependimento. Achei que como ele (Lula) dependia de votos - porque todo o PT estava de salto alto, achando que levaria de lavada e teve de ir para o segundo turno e foi obrigado a tentar recuperar os votos que havia perdido - pensei que numa conjuntura como essa talvez a esquerda - a esquerda que eu considero - pudesse pressionar (não impor condições) para ampliar uma brecha possível. Mas aí ele ganhou o segundo turno muito folgadamente, com a colaboração do senhor Geraldo Alckmin, que perdeu dois milhões de votos - o que e inconcebível. É um feito alguém ganhar e perder depois votos que não mudaram de classe, não mudaram de lugar. E o salto alto voltou ao PT e a Lula e as primeiras declarações dele já foram não contra a esquerda, mas contra Tarso Genro e Dilma Rousseff, de que não ia haver modificação nenhuma. Minha posição mais recente tem a ver com o reconhecimento de que eu me equivoquei. Mas não estou arrependido de nada porque a tentativa era exatamente abrir um espaço maior para a esquerda que reivindica mudanças e tirar o salto alto do PT. Arrependimento, só no amor. Em política não cabe, cabe análise. Qual o espaço de atuação da esquerda hoje, então? OLIVEIRA: Nenhum. A esquerda foi massacrada. Não tem nenhum espaço. Nem a que está fora do PT. O próprio PSOL, com o qual tentei contribuir, não existe praticamente, está reduzido a uma representação parlamentar de três deputados e um senador, e fora do Parlamento também não existe. E nem outras frações da esquerda, inclusive as que permanecem no PT. Não sou sectário de achar que só existe esquerda fora do PT. Até penso o contrário: sem a esquerda que ficou no PT não há mudança possível no Brasil. Mas essa também está acuada. Essa vitória retumbante de Lula no segundo turno tirou qualquer perspectiva de esquerda, dentro ou fora do PT. Por que? OLIVEIRA: Porque Lula converteu-se num mito, e o mito é antipolítico por excelência. Ele se coloca acima das classes, dos conflitos. Com o mito você não faz política. E Lula converteu-se num mito. As urnas legitimaram esse mito? OLIVEIRA: Sem dúvida nenhuma as urnas, por caminhos que são quase impossíveis de decifrar completamente, legitimaram. São 60 milhões de votos. E este programa do Bolsa Família é extremamente perigoso, deste ponto de vista. Cria o que chamei de hegemonia às avessas. O que significa isso? OLIVEIRA: O Bolsa Família é a base dessa hegemonia torta. É bem pelo avesso, não é o contrário da hegemonia. Quando a gente bota uma roupa do avesso, ela não é o contrário da roupa, é outra roupa. A hegemonia às avessas é esse processo. A ficha me caiu quando eu vi um filme sobre a África do Sul, que nem trata de política. O título em português é "Infância roubada". É uma coisa meio piegas e nem sei se era a intenção do diretor. Sugere que na África do Sul as crianças pobres não têm infância porque são obrigadas a entrar em gangues e fazer tráfico. Mas certamente o que você no filme é outra coisa. Os africanos do Sul derrotaram um dos regimes mais nefandos do século XX - século em que houve nazismo, facismo, stalinismo e, conforme esse livro que estou lendo (aponta para "Mao", livro de Jung Chang e Jon Halliday, Cia das Letras, 2006), o maoísmo, que é uma coisa terrível, qualquer coisa fora da escala humana. O apartheid era tão nefando quanto esses regimes, embora não tenha tido o genocídio que tiveram. Pois bem, a África do Sul, exatamente através de um mito, que é Mandela, derrotou o apartheid. Para que? Para as enormes favelas da África do Sul (pausa). Joannesburgo é um horror. Adota a política neoliberal mais ortodoxa possível, foi derrotado pelo neoliberalismo. É a hegemonia às avessas. Você derrota o apartheid para servir aos senhores do apartheid. O senhor vê um paralelo dessa situação no Brasil com a vitória de Lula? OLIVEIRA: Vejo. Talvez não tenha as mesmas cores dramáticas da África do Sul. Esses processos de comparação são perigosos em qualquer terreno. Mas vejo no governo do Lula algo parecido. Você derrota a poderosa discriminação social brasileira, derrota o preconceito de classe absurdamente alto num país com tradição racista, para que? Para governar para os ricos. E os ricos consentem, desde que os fundamentos da exploração não sejam postos em xeque. É o que o PT faz. É o que o governo do Lula faz. É ao avesso, portanto. A hegemonia é um conceito trabalhado por Antonio Gramsci que mostra que a dominação de calsses, ou qualquer dominação, se dá sempre por uma mistura de consentimento e violência. Como sou do Nordeste, tenho muita experiência nisso. Você percebe que há um consentimento do dominado e o dominante tem obrigações que decorrem desse consentimento. É o coronel que provê. OLIVEIRA: É o coronel que se sente obrigado a socorrer seu morador quando ele fica doente. É uma reciprocidade. Você tem consentimento do dominado, o reconhecimento do dominante de que ele deve obrigações a seu meeiro, seu posseiro, seu pequeno agricultor, e isso é devolvido pelo dominado sem questionar a dominação. Saldo, evidentemente, em períodos de tensão e em períodos, que são mais raros do que a gente pensa, revolucionários. Algo disso passa-se no caso brasileiro e na África do Sul, sendo pelo avesso: os dominantes aceitam ser conduzidos politicamente pelos dominados. Desde que não sejam contestados. Olavo Setúbal (banqueiro) no ano passado, na "Folha de S. Paulo", deu-se ao luxo de dizer que Lula e Alckmin eram mais conservadores do que ele. Na campanha Lula se apresentou, e se apresenta ainda hoje, como o presidente dos pobres. Criou-se inclusive uma dicotomia de um Brasil de ricos e de um Brasil de pobres. Eleito, ele reclamou por que não era o presidente dos ricos, já que lucraram tanto em seu governo. Existe essa dicotomia ou isso foi também o exercício do mito? OLIVEIRA: É o exercício do mito. Ele mesmo não entende. Segundo a lógica do Lula, que é elementar - todo mundo acha que ele é um gênio político; não é gênio de coisa nenhuma - como você favoreceu certas capas da sociedade, elas deviam retribuir com o voto nele. Isso é uma coisa elementar. Ele se sente injustiçado. É mais além da compreensão dele. Mas é o mito em ação. Ele anula ou simula uma anulação dos conflitos sociais, ele suspende o efeito dos conflitos. Hoje no Brasil se vê o maior consenso. Todo mundo achando que "bom, o governo não é nenhma maravilha, mas tem o Bolsa Família". Isso é um desastre. E é por isso que esquerda não tem espaço nenhum. Vá convencer algum elemento popular de que o Bolsa Família é um seqüestro da sua capacidade democrática de optar! Na eleição, ninguém ousou fazer essa abordagem. Nem Heloísa Helena. Há saída? OLIVEIRA: Não tem. A curto prazo não tem saída. Como num país com essa desigualdade você vai se pôr contra um programa que é para dar alimentação básica aos extratos mais pobres? É preciso ser muito cara de pau. Seria massacrado. Há um ciclo histórico que está marcado por isso. E não tem força humana capaz de desfazer. Num prazo maior, que conseqüências o senhor prevê que essa política produza? OLIVEIRA: As conseqüências são sérias. A exploração predatória que é feita no Brasil está legitimada. Claro que olhando outros exemplos a gente acha que no Brasil é até moderado. Joannesburgo é igual a qualquer frade cidade brasileira. O décor são as enormes favelas. Uma miséria absoluta, como qualquer favela de São Paulo ou do Rio ou do Recife. Já vi isso em muitas partes. Cidades da Colômbia, por exemplo, são um desastre. Nada mais parecido com o Rio do que Medelín. São favelas subindo o morro. A legitimação da exploração é de tal ordem que em Medelín eles renunciaram a eliminar as favelas. Não passando o trator, mas através de uma ascensão de renda. Os morros são verticais. Fizeram um metrô de favela, que é uma coisa do Doutro Silvana, o gênio do mal. É uma espécie de bondinho do Pão de Açúcar que vai subindo o morro e a cada intervalo pára. Não é o caso do Rio? OLIVEIRA: O Rio caminha para isso, foi o que pensei. Quando visitei Medelín - Brizola, o velho caudilho gaúcho não tinha morrido - pensei que o político carioca que descobrisse aquilo se reelege para o resto da vida. É uma solução moderna que funcionaliza a coisa mais miserável. É isso que esse tipo de mito consolida, a desigualdade fica legitimada, há uma capitulação, uma renúncia a combater as causas estruturais dessa desigualdade. O senhor não vê nesse governo nenhuma chance de atacar essas causas? OLIVEIRA: Nenhuma, nem nesse nem nos próximos. Isso é muito poderoso e é afincado nas bases da sociedade brasileira. Essa hegemonia às avessas não é uma situação antiga, como na frase de Lampedusa, em "O Leopardo": "Vamos mudar para que tudo fique como está"? OLIVEIRA: Não é igual ao passado. No passado, sem nenhum romantismo, a política passava pelo conflito de classes. A característica da hegemonia às avessas é que a política não passa por esse conflito. Ela desviou-se. Por que a classe dominada acredita que está no poder com Lula? OLIVEIRA: Acha. Por que Lula está tão perdido no segundo mandato, mesmo com uma votação contundente? Porque perdeu o inimigo de classe. Do mesmo jeito que Fernando Henrique. Por que Fernando Henrique, esse luminar das Ciências Sociais, está, como se dizia na minha terra, mais perdido que cachorro em procissão? A imagem popular é engraçada. Numa procissão, você só vê as canelas das pessoas. Não dá para ver quem é. O cachorro não ataca porque não sabe quem é o inimigo. É assim na política brasileira. Lula perdeu a noção de quem é o adversário nessa luta, para não dizer de inimigo. Do mesmo jeito que Fernando Henrique perdeu. Por que o mais eminente sociólogo brasileiro não acerta uma? Porque pedeu a noção de adversário. Esse processo começou há 30 anos, são mudanças radicais, que nenhum partido levou a sério. Fernando Henrique, se tivesse juízo, trataria de construir a imagem dele no futuro como alguém que mudou o Brasil. Ele mudou de fato. Não ele, mas os processos que ele acelerou depois do Collor. Mas ele fica insistindo no velho viés da política, e aí erra todas. Um pouco porque uma política que não passa pelo conflito é inútil Não é política. OLIVEIRA: Não é. E é o que ocorre com Lula, de uma forma grave, porque é governo, e com os outros. Quem acreditaria que um dos candidatos fortes à presidência da Cãmara era um comunista? Só no Brasil. Comunismo não quer dizer absolutamente nada. É assim nos outros países? Não. No Brasil, é o presidente da República que se apresenta pelo partido Comunista do Brasil, que aliás era o mais radical de todos. Aquele que apagou a luz quando a luz da esquerda escureceu. Foram todos perdidos. Fernando Henrique a fazer declarações que erram o alvo todo o tempo, e o Lula a atentar uma coalizão de todo mundo com todo mundo. Isso não é política. E com essa coalizão ele não será forte no segundo mandato? OLIVEIRA: Será fraco. Basicamente porque perdeu a noção de quem é o adversário. Não é porque dá ministérios. É porque perdeu a noção de quem trabalha contra o desenvolvimento do país. A gente antes sabia disso. Hoje, não. Hoje há o consenso. Está todo mundo a favor do crescimento e ele se faz a 2,5% ao ano. Qual é o mistério? O mistério é que a política perdeu a capacidade de processar o conflito de classes. Há alguma saída fora da política? OLIVEIRA: Não, não há, porque a política é uma invenção grega pela qual você intervém nos negócios do Estado. Aqueles que não têm propriedade podem intervir nos negócios do estado. É a criação mais inventiva da História humana. O sistema capitalista não é, como a esquerda sempre pensou, a coisa mais descarada. Não. Ele não domina sem consentimento do dominante. A democracia é uma forma de consentimento. Você aceita que pelas regras do jogo você pode mudar a sociedade, pode mudar uma diretriz do estado. Não é para dizer que a democracia serve só aos ricos. pelo contrário. Ela devia servir muito mais exatamente aos dominados. Quando ela perde essa capacidade, fica isso que está aí. O senhor quer dizer então que Lula, ex-metalúrgico, líder siondical, que se fez com discurso de esquerda, ao chegar ao poder minou a esquerda brasileira, no sentido de sua capacidade de mudança? OLIVEIRA: Não é ele ao chegar ao poder. O Lula sempre foi de direita. Isso é uma ilusão. Nâo quero me colocar como vidente, mas dei uma entrevista ao jornal Em tempo, nos anos 80, em que digo exatamente isso. Lula não passa o horizonte de uma classe média relativamente reacionária. Nunca foi de esquerda. O PT era de esquerda. E num processo muito complicado, era a liderança principal do partido. Vestia uma camisa da qual ele não gostava. É o mesmo que um palmeirense ser obrigado a jogar pelo Corinthians. No caso dele, o contrário (Lula é corintiano). Ou de um flamenguista jogar pelo Vasco. Só mesmo Romário é capaz dessa malandragem. Lula foi empurrado por uma série de conjunturas para a esquerda. A fração de esquerda que existe no PT, e existiu mais fortemente no passado, soube aproveitar essa conjuntura e deu ao PT a cara que ganhou para a História. Esse processo vem sendo erosionado há muito tempo. Por processos estruturais de mudança da economia, da sociedade, entre os quais está o enfraquecimento da classe operária, uma restruturação produtiva poderosa, que enxugou os quadros do operariado. Os bancários, por exemplo, que foram a segunda categoria mais importante na criação do PT, não são nada, porque todos os bancos são informatizados. Cada máquina em que se tira dinheiro ou extrato rouba 20 postos de trabalho, senão mais. E nenhum de nós quer voltar atrás. Processos desse tipo tiraram a força do movimento sindical. Do outro lado, e contraditoriamente, o sindicalismo ganhou centralidade no mundo das finanças. Fez-se o que nenhum capitalista conseguiu fazer, tornar os trabalhadores sócios do êxito do capital financeiro. O senhor já chamou os dirigentes dos fundos financeiros estatais de uma nova classe social. É um fenômeno brasileiro? CHICO DE OLIVEIRA: São uma nova classe social. E este é um fenômeno especificamente brasileiro. Evidentemente os processos da social-democracia e do welfare state mudaram muito a cara dos trabalhadores no mundo todo. Porque esses processos, ao contrário do que a crítica da esquerda dizia, foram exitosos em mudar o capitalismo. Imagine na Alemanha demitir uma pá de empregados. É fora de questão. Com esses processos, o capital necessitava desses fundos, os partidos políticos e os sindicatos ganharam poder de veto sobre decisões dos capitalistas. Esse é um processo universal, sobretudo nos países do ocidente capitalista. Esses processos foram lesionados pelo que a gente chama de neoliberalismo quando as luzes vermelhas se acenderam. Mas de fato o estado de bem estar punha em xeque o controle do capital sobre os fundos do Estado. Quando se tem uma economia comoa a da Holanda, em que 50% do PIB passa pelo estado, isso se torna decisivo. Então, o inimigo era real. Mas essa classe de dirigentes no Brasil, é um fenômeno típicamente nacional? CHICO DE OLIVEIRA: Da forma que se apresenta, é brasileiro. A própria Constituição criou o FAT, que é o Fundo de Amparo ao Trabalhador, gerido pela classe trabalhadora. Na verdade é gerido pelo Bndes, mas tem lá um membro das centrais sindicais no conselho de adminsitarção do FAT, que é maior fonte de recursos do BNDES. Então há uma hegemonia às avessas. A ascensão dessa classe de sindicalistas à gestão, ao controle dos fundos financeiros, além desses processos sociais e econômicos, levou ao fim do sindicalismo que produziu Lula? CHICO DE OLIVEIRA: Levou. É isto que eu chamo de perder a noção de quem é o adversário. Porque com esse capitalismo em que a dominância financeira determina a direção dos processos de crescimento econômico e de acumulação de capital, você tornou-se aliado do êxito do capitalismo. Imagine um dirigente sindical no conselho do FAT. Chega um projeto, pelo BNDES, para restruturação de determinada fábrica. Essa reestruturação bota para fora, de um contingente de 5 mil trabalhadores, mil. Qual é sua escolha? É entre o projeto que vai dar uma taxa de retorno para o capital do FAT ou manter mil empregos. É um dilema real. Não levo minhas análises quase nunca para o lado moral. As forças em ação sçao tão mais poderosa que o caráter dos homens conta pouco. O que você faz: essa taxa de retorno é a garantia da aposentadoria futura dos membros desse sindicato; ou você diz, não, vou manter os empregos e dane-se a taxa. É essa decisão que está na frente deles todos os dias. E isso, como o velho Marx dizia, muda sua forma de pensar. É infame isso, porque é pelo estômago que o pensamento passa. sem nenhuma condenação. O processo é muito forte. Não é contraditório que Lula antes de várias decisões chame as centrais sindicais, consulte sua burocracia, quando os sindicatos representam cada vez menos trabalhadores? CHICO DE OLIVEIRA: É puro ritual. Até porque como a origem dele é operária, faz esse jogo de cena. Não tem importância nenhuma. Nenhuma não digo. O ritual tem importância. Não é à toa que a Igreja Católica sempre cercou suas cerimônias da maior pompa. Política é feita de rituais. CHICO DE OLIVEIRA: Política é um jogo de aparências, que é importante. Você nunca pode ver a realidade. Ela só pode ser vista através de conceitos. Aquilo é o real depois que aprendi certos conceitos. Parte da esquerda do PT migrou para o PSOL. O discurso da representante do partido na eleição, Heloísa Helena, tinha muito de socialismo cristão e programas como a ampliação de presídios . Há crise de identidade na esquerda? OLIVEIRA: Há, uma forte crise. Essa crise, todo mundo sabe e isso é lugar comum, o baque da URSS foi decisivo. E a esquerda não se levantou ainda? OLIVEIRA: Não, e é muito difícil se levantar.em prazos que sirvam à nossa previsão da política; A eternidade não adianta. Não é plausível que forças contrárias ao esquema que está aí tenham alguma chance real de de mudança nos próximos 20 anos. Sua antIga base social foi fortemente afetada; as novas formas de capitalismo confundem interesses que antes eram antagônicos. Tudo isso retirou a base social de mudança. O que resta é uma situação social de miséria muito grande. Se miséria fizesse socialismo, a Índia já era socialista. E qual é uma plataforma plausível para a esquerda hoje? OLIVEIRA: É investir poderosamente em mecanismos de distribuição de renda, tais como a Previdência Social. Fiquei até feliz que o discurso do Lula sobre Previdência mudou. Não sei qual foi o Santo Antônio que baixou junto dele. Porque esses cretinos vivem pensando que Previdência Social é custo. Agora apareceu um discurso diferente, dizendo que o déficit é a forma de justiça social que o país escoheu. Está correto isso. Todos os estudos no mundo mostram que a Previdência foi o mecanismo mais efetivo de redistribuição de renda. E no Brasil também. A aposentadoria rural, os benefícios de auxílio-maternidade, de auxilio-doença; é preciso investir nisso. Fazer um esforço enorme de inclusão social. E o Bolsa Familia mnão se inclui entre esses mecanismos? OLIVEIRA: Não. Você tem que transformar algo como o Bolsa Família em numa coisa ligada e administrada pela Previdência, que venha a fazer parte da renda dos extratos mais pobres. Por aí há perspectivas de mudança. Incorporar o Bolsa Família? OLIVEIRA: E ampliar também muito mais. Você tem um enorme exército informal de reserva que não vai ter emprego estável. Temos que incluí-los. Como? Pela Previdência. O programa que a esquerda deve ter é de inventar uma Previdência para quem não é empregado e não vai ser. Quem banca esse custo? OLIVEIRA: O Estado, através da punção dos lucros escandalosos do capitalismo no Brasil. E isto não é revolucionário. Isto ajuda ao capitalismo mais que qualquer coisa. Só que em outro nível. Não podemos reduzir tudo ao mínimo denominador comum. Você tem de se livrar do estigma da Africa do Sul. Sem isso, não anda. Ou pode andar com uma concentração de renda que é uma ... (pausa). Isso construirá um sistema cada vez mais concentrador do que já é. O próprio fato de precisar do Bolsa Família é um estigma. Isto é uma vergonha. Você capitulou frente a um sistema concentrador, dominador. O desafio do socialismo às antigas era vencer a miséria. O socialismo do Lula e de outros é conviver com ela. É inteiramente diferente. Não são apenas os partidos ditos de esquerda que estão em crise. Vê-se que todos estão divididos , sem rumo, e falam em "restabelecer ligações com a sociedade". No entanto, para um quatro dos eleitores, as eleições não interessaram. Eles faltaram ou anularam o voto. Acabou a política partidária? OLIVEIRA: Está no finzinho. Essa política partidária pela qual o conflito de classes não passa não diz nada. Essa crise atinge todos. Com esse quadro de desinteresse, o que esperar do novo Congresso? OLIVEIRA: Não espero muita coisa. Ninguém menos que Tancredo Neves, que era um grandissíssimo conservador, disse certa vez, numa mudança de legislatura, que não foi aquela que o elegeu presidente, que nunca havia visto um Congresso tão conservador. Imagine Tancredo falando de conservadorismo! É o que está aí. Não imagino que esse Congresso tenha capacidade de articular qualquer esratégia diferente. O Congresso é uma instituição decrépita em todos os países. Salvo algumas tradições nacionais em que é muito forte, a experiência ocidental está a dizer que o Congresso é uma instituição decrépita. A democracia representativa faliu? OLIVEIRA: Ainda não faliu inteiramente, mas vive uma crise profunda. A sociedade é mais complexa do que o Congresso tem capacidade de representar. Quais as clivagens reais no Congresso? Correspondem ao título dos partidos? De jeito nenhum. São evangélicos pentecostalistas, ruralistas, é por aí que o Congresso se divide. Aí você pega as siglas partidárias e seus programas e vê que têm pouco a ver com a clivagem real da representação. Tal como acontece com os trabalhadores e seus fundos de pensão, acontece com os representantes do Congresso. Não é novo. Durante mais de um século o divórcio não avançou no Brasil porque a Igreja Católica vetava. O divórcio só passou não quando o peso da Igreja deixou de ser decisivo, mas quando as orientações da Igreja não encontraram mais respaldo social. Então, qual o Congresso real? O das siglas e programas ou o das clivagens reais que cortam a sociedade? Por isso a política partidária é anacrônica. A chamada democracia direta é alternativa para aumentar a representatividade? O ministro Tarso Genro é um defensor desses instrumentos. OLIVEIRA: Não. Democracia direta é muito difícil. Tarso Genro é um tolo que diz coisas banais com uma retórica formidável. Foi prefeito de Porto Alegre e diz-se que ele ampliou o orçamento participativo. Estudei o orçamento participativo em São Paulo. Aqui foi uma fraude, apesar dos esforços das pessoas interessadas. Ele é incapaz de ser aplicado numa sociedade complexa. Ele é territorial e não pretensamente por classes sociais. Em Porto Alegre, ganhou certa representatividade, mas não pode ser aplicado numa sociedade complexa. Que orçamento representativo ou democracia direta se pode fazer com 180 milhões de habitantes? Teria de haver pelo menos um milhão de representantes. E com isso você reintroduziu a clivagem e a não participação direta automaticamente. Em outras palavras, você vai ter que ter partidos. Quem pensa mais lucidamente sobre democracia participativa é Fábio Comparato, advogado brilhante. Ele não pensa em eleger representantes, mas em convocar a sociedade para decidir sobre questões que são o que ele chama de cláusulas pétreas. Estão acima do mandato que eu e você demos a nosso representante. Por exemplo? OLIVEIRA: Por exemplo, as privatizações. Você não podia ter deixado ao Congresso e ao presidente da República a decisão sobre certas empresas, porque está acima do mandato que dei a meu deputado. A Vale do Rio Doce, tipicamente. Foi um esforço colossal, de meio século. Aquilo não podia ser decidido por voto dos senadores e deputados. Eu tinha de ser chamado para dizer se estou de acordo com a privatização e em que condições. E isso não é utópico. Um estado americano como a Califórnia usa isso. Os plebiscitos ajudariam a aumentar a representatividade das decisões? OLIVEIRA: Sim, e a introduzir as clivagens reais da sociedaee. A eleição mostrou. A privatização parecia resolvida e adormecida. No segundo turno, Lula jogou na cara do Alckmin e aquilo rendeu votos a ele. Rendeu pelo discurso de Lula ou pela incompetência de Alckmin e do PSDB em defender as privatizações? OLIVEIRA: Pelo discurso de Lula. As pessoas se perguntaram o que estavam fazendo. Vai ser possível privatizar a Petrobras? A Petrobras interfere em cada ato da sua vida cotidiana. Não pode ser tratada como uma empresa comum. O Banco do Brasil também, assim como a Vale, que não interferia em cada ato da minha vida, mas era muito importante para uma enorme soma de brasileiros. Mas com a privatização a Vale não se tornou uma empresa muito maior e o Estado certamente não teria condições de chegar esse resultado? OLIVEIRA: É uma ilusão. Qual a mágica da privatização? Um aritmético comum decifra em um minuto. Você tem o numerador e o denominador de uma equação. No numerador está o resultado da sua atividade produtiva. No denominador está o passivo que representa seu capital. Com a vale antiga, a conta dava que ela era deficitária. Qual a mágica da privatização? Abaixar o denominador pelo qual as empresas foram vendidas. Isso transformou a Vale na empresa mais lucrativa. Mas é mentira, ela já era lucrativa. Só que pelos livros da contabilidade, o passivo da Vale era enorme. Veio a privatização, vendeu-se a Vale por uma bagatela e a contabilidade reformulou os termos da equação. O que a Vale já vendia, que era uma enormidade, ficou lá no numerador. E o denominador, que era o passivo, ficou reduzido a um terço. De um dia para o outro, a Vale apereceu como uma enorme empresa lucrativa. E, evidentemente, isso tem efeitos sobre o futuro. A Vale detém o monopólio real sobre a vida de porções importantes do território brasileiro. Você não faz nada no estado do Maranhão, sobretudo da rota de Itaqui; em parte do estado do Pará, em Carajás; no Espírito Santo e numa parte considerável de Minas sem a Vale do Rio Doce. Ela tem poder de veto real sobre a sua vida. E no caso da telefonia. O cidadão hoje tem celular, trabalha com ele. Não faltou convencimento do PSDB em mostrar que isso era bom para vida das pessoas? OLIVEIRA: Faltou. Aliás, esses tucanos são ruins demais. Nem no que acertaram eles conseguem transmitir à população. Usam um tremendo de um salto alto. Quem melhor definiu Fernando Henrique foi José Simão: "Maria Antonieta do Planalto" - "Se não tem pão, comam brioches". É exatamente no que Fernando Henrique converteu-se como político. Ele não era assim. Fui amigo dele por 15 anos. No Cebrap, éramos colegas de gabinete, viajamos juntos. Ele não tinha nada do que transformou-se na Presidência. Pelo contrário. Era um sujeito bem humorado e brincalhão. Desaprendeu tudo. Ficou rancoroso, chamando os outros de jurássicos. Mas eles (do PSDB) consideram que estão acima do povão de uma forma tão desigual que não se sentem na obrigação de dar satisfação a ninguém. Podia ser uma empresa privada (para a telefonia). Não há nenhum dogma que tudo tem de ser estatal. Quando tudo vira estatal a ineficiência vai junto. Não por causa da competição - isso é um dogma liberal idiota. O que se perde é a capacidade do poder público regular os conflitos entre as empresas. As agências (reguladoras) são uma brincadeira. É uma brindadeira de mau gosto a Agência Nacional do Petróleo regular a Petrobras. O problema era lograr de fato uma regulação dos conflitos para que você tenha direitos. E os tucanos nunca souberam dizer isso. Os tucanos erraram na escolha do candidato na eleição? OLIVEIRA: Erraram feio. Esse Alckmin é um picolé de chuchu. José Serra seria diferente? OLIVEIRA: Não gosto dele, mas seria diferente. Ele morde. Mas o mito Lula já não estava acima da discussão, não importando quem fosse o candidato? OLIVEIRA: Não estava ainda. Foi no segundo turno. Esse mito é muito perigoso em política. Miguel Arraes foi um mito em Pernambuco. Na segunda eleição dele, não na primeira, em que venceu a classe dos usineiros com a ajuda dos latifundiários do sertão. Na segunda, quando voltou do exterior, estava elevado à categoria de mito, acima do bem e do mal. Nas eleições, as pessoas usavam o santinho dele como remédio; faziam chá com a figura dele e davam a quem estava com gripe, com calo seco. E foi um desastre o segundo mandato de Arraes. O Lula mito colocará esse segundo mandato em risco? Que marca o senhor imagina que terá esse governo? OLIVEIRA: Não vai deixar marca nenhuma. A marca vai ser a ampliação do Bolsa Família. É a consolidação do mito e dessa política sem conflito de classes. Como, mais uma vez, na África do Sul. Mandela se elegeria quantas vezes quisesse. Ele não quis, porque como havia passado 27 anos na prisão, quis conhecer um pouco o mundo. É justo. O senhor acredita que Lula, como disse o professor Leôncio Martins Rodrigues à Folha, pode tentar o terceiro mandato? OLIVEIRA: Está na cabeça dele, mas não vai. Porque aí, de fato, exigiria que fosse capaz de mobilizar e não é capaz. Lula, para usar uma metáfora de futebol, não entra em bola dividida. Quer ser consagrado como pai dos pobres e estar acima da política. Coisa que ele já conseguiu. Para entrar nessa (um novo mandato) teria de reentrar na política. E aí o mito se esboroa. Que o seduz muito, seduz. Seduz sobretudo ao lulismo. Aí você teria um domínio de 30 anos sem contestação, mas isso exige reentrar na divisão da política e Lula não fará isso. Ele tem mandado recados aos amigos da América do Sul contra isso. OLIVEIRA: Tem mandado recados. Lula já acha que está acima do bem e do mal e não tem mais que entrar nisso. Acha que ele pode voltar aos portões da Volkswagen vestindo os ternos que veste? Tem de manter-se fora da politica para manter-se como mito. A política não suporta mitos. 2010 será a primeira eleição pós-redemocratização sem Lula. Como imagina que chegaremos lá? OLIVEIRA: É difícil imaginar. Fácil seria dizer "o PT vai perder feio". Mas não tem para quem. Essa dissolução atinge a todos. Os tucanos perderam todas as penas na última eleição. Serra e Aécio não são nomes que podem ter chances? OLIVEIRA: Podem, a partir de suas bases estaduais. Minas e Sâo Paulo representam certamente uns 40% do eleitorado. Mas têm de esquecer o partido. Se botar o partido de novo na dança, eles dançam. É voltar à política dos governadores. Então a próxima eleição será personalista? OLIVEIRA: Não. Pode ser pior. Pode ser uma espécie de Brasil desenvolvido contra o Brasil subdesenvolvido, coisa que temi muito que acontecesse na última eleição. Porque Lula é um nordestino, operário, ignorante. E o discurso de Sâo Paulo é o discurso da competência. Isso pode voltar a aparecer, porque só vai ter Minas e São Paulo (no páreo). Os outros estados não têm eleitorado para garantir nenhum candidato. Os tucanos só reaparecerão pela via dos dois estados principais. Fora disso, é difícil imaginar cenário de embate eleitoral. É a volta do café com leite? OLIVEIRA: É, voltando ao café com leite. Estamos andando para trás. O grande momento da política partidária no Brasil foi a ascensão do PT, quando você realmente mudou as regras do jogo político. Mas com a erosão do PT, a política volta a caminhos que já foram batidos. A política partidária deixa de ter importância. Vai ter política, sim, mas seus senderos serão outros. Não mais os partidos. O senhor acredita em aliança PT-PSDB? OLIVEIRA: Está no desejo de lulistas, petistas, peessedebistas. Mas não vai acontecer porque já se constituíram como donos de certos pedaços da política. E ninguém cede nada em politica. Você só cede em política quando tem troco para receber. E nesse caso, não há. A questão da ética foi um debate importante nesses dois anos e foi parte das discussões na eleição dos dirigentes do Congresso. Acredita que haverá mudanças nesse aspecto? OLIVEIRA: Não. Isso vai passar logo. Acho que haverá mais cuidado, que não vamos ver novos escãndalos, mas a centralidade desse assunto vai desaparecer. Tem muita cois a a ser distribuída, muito cargo, e isso nunca é compatível com uam discussão sobre ética. Em nenhum lugar. O fogo vai baixar, porque há muitos arranjos a serem feitos. O presidente da França - e arrogância e rigor é com os franceses - nomeia, ao assumir, 300 cargos. Há uma velha burocracia estabelecida e não tem partido que vá mudar isso. É uma coisa republicana. Dizem que o presidente brasileiro nomeia 20 mil. Já ouvi um número menor, mas é muita gente. Mexe com muitos interesses concretos, não são ideológicos. São reais, é a vida das pessoas. Um presidente de uma estatal como a Petrobras, quanto ganha? Nem sei! Isso logo abaixa o fogo do discurso ético, porque não tem discurso que resista a isso. Não é exclusivo do PT nem de seus aliados nem da oposição. Como a taxa de renovação foi muito baixa, os realistas chegam logo. O senhor perdeu amigos com suas críticas ao PT, que vêm de longe e algumas foram premonitórias? OLIVEIRA: Perdi. Perdi muitos amigos. Os mais caros amigos não perdi, Aqueles que eu amo, que tenho prazer de estar com eles, que é a turma da pizza, a "pizza marxista". Ela se realiza aos domingos, numa pizzaria da rua Oscar Freire. É um conjunto de gente muito boa, simpática. E a gente fofoca sobre tudo. Tenho um conjunto de amigos do petito e com esses não houve o menor abalo. Mas muitos outros já nem falam comigo. E com outros a relação é só cordial, não há mais empatia. Todos eles sabem que estou de olho neles. Ainda tem algum contato com Fernando Henrique? OLIVEIRA: Nenhum. Cortei relações na primeira eleição. Detesto palácio. E com Lula? OLIVEIRA: Nenhum. Na primeira eleição tive. Num comitê chamado de intelectuais que se reunia e conversava com deputados, candidatos a ministro. Lula sabia que daí vinha uma oposição às alianças que fez. Eu o vi quando já havia ganho a primeira eleição, antes de assumir. E nunca mais o vi nem pretendo ver pelo resto da minha vida.

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