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Controladores falam de acidente e revelam detalhes da queda


 Agência O Globo

SÃO PAULO - Pela primeira vez, controladores de vôo revelam detalhes do acidente envolvendo o Boeing da Gol e o jato da Legacy. A edição deste sábado da revista "Época" traz uma entrevista com dois militares da Aeronáutica, cuja identidade não foi revelada, em que contam o que aconteceu na torre de controle com a equipe responsável por monitorar os aviões. O Globo reproduz a entrevista.

Eles descrevem também as circunstâncias do aquartelamento decidido em meio à crise e as deficiências dos equipamentos disponíveis.

- Estou tomando remédio para dormir porque a imagem na minha cabeça é o piloto brigando com a aeronave para não cair -, diz um deles.

Os dois controladores confirmam a existência de áreas cegas e relatam as diversas tentativas de comunicação entre os pilotos do Legacy e a torre.

Veja trechos da entrevista:

Quando os controladores perceberam que o Boeing estava desaparecido, o clima ficou tenso

Controlador A - Um dos supervisores falou: 'Preciso ligar logo, é uma emergência'. Ele estava bem apreensivo. O pessoal no console estava bem diferente, desanimado. Já imaginando que algo havia acontecido, fui ver e entendi a situação. O vôo da Gol havia saído da área de Manaus às 15h35m e deveria entrar na área de Brasília às 15h50m, ou seja, 15 minutos depois. Era só o tempo de passar da zona cega. Deu 17h20m e nada. Vi um dos integrantes da equipe balançando a cabeça, quase chorando. Outros supervisores chegaram a pedir para sair dos consoles em que estavam para tentar auxiliar os dois supervisores. O clima ficou pesado. Gente chorando e pedindo para sair"

Controlador B - "Uma das controladoras da região Rio começou a chorar. Tinha de ter chegado um psicólogo naquela hora, mas não chegou ninguém. Os oficiais presentes não tinham noção da situação. Eles não sabiam como lidar com aquela situação. Teve até discussão entre controladores e oficiais."

Para os controladores, o jato cumpria seu plano de vôo normal. O que não funcionava era o transponder, aparelho que poderia evitar a colisão.

Controlador A - "O vôo do Legacy estava normal. Só tivemos noção do acidente quando o avião da Gol desapareceu. Quando o Legacy pousou em Cachimbo (Base Aérea de Cachimbo, ao sul do Pará), entrou em contato falando que fez uma descida de emergência porque havia batido em algo. Aí o controlador falou: 'Como bateu, se ele estava no 360 (a 36.000 pés)? Não tem como bater'. No nosso plano, o Legacy estava a 360. Na apresentação do radar, ele estava a 360. Aí falam que nós e os supervisores não fizemos nada e que o Legacy estava com problemas no transponder (sistema anticolisão). Sabe por que não fizemos nada? Porque nós visualizamos o Legacy a 360 e não a 370 (37.000 pés). Como ele apresentou problema no transponder, não dava para ter os dados do jato, e sim do nosso sistema."

Software "corrigiu" automaticamente a altitude do Legacy. Se soubessem que algo estava errado, seria fácil tirar o Boeing da Gol da rota, dizem os controladores.

Controlador A - "Se soubéssemos que o Legacy estava a 370, seria fácil. Já passamos por situações muito mais difíceis. Dava para avisar o supervisor sobre o problema, que duas aeronaves estavam em rotas contrárias e com pane de comunicação com o Legacy. As pessoas falam: 'Por que não fez isso ou aquilo?' Porque, para nós, tudo estava normal."

A Aeronáutica chegou a declarar que não havia problemas de comunicação no dia 29. Os controladores dizem que havia

Controlador B - "Essa época agora de chuva é um caos. Se for no centro de controle de Brasília, agora, vai ver que está uma loucura. O setor de Cuiabá tem três freqüências. Todas funcionam com deficiência. E a comunicação não se torna clara. Isso é muito perigoso. Se a freqüência estiver com deficiência, ela está inoperante. Eu não posso dar uma instrução com eco, não posso falar e receber a resposta pela metade. A instrução tem de ser clara. Um problema que temos é que, quando a freqüência está inoperante, temos de esperar até abrir um chamado de pane. As panes podem durar pouco tempo. No dia do acidente, eles (a Aeronáutica) podem alegar que as freqüências estavam funcionando. Mas, no dia, a freqüência daquela área estava sem transmissão e sem recepção."

Controlador A - "Só que não tem o registro, porque a pane só aconteceu naquele momento. O discurso da Aeronáutica é que o importante para o controlador não é o radar, mas sim a freqüência. E elas funcionam com deficiência. Um dia desses, um setor inteiro foi interditado por causa da falta de freqüência. Ou seja, tinha controlador, só não tinha onde trabalhar."

Outro avião tinha relatado falha na comunicação naquele dia, diz um controlador. E acusa a Aeronáutica de esconder o fato.

Controlador A - "E temos até mais uma prova da falta de freqüência naquela região. No dia do acidente, duas aeronaves da TAM passaram por lá e depois conseguiram contato. A primeira coisa que eles falaram: 'Brasília, estou há meia hora tentando falar com vocês em todas as freqüências e não consegui contato'. Está lá, gravado. Mas ninguém vai liberar isso. Podem até ter apagado. Quem pode provar isso? Os pilotos da TAM. Mas eles não querem falar porque, mesmo sendo civis, sofrem sanções da Aeronáutica."

Eles acusam as autoridades de diminuir a potência dos radares de propósito

Controlador B - "O Cindacta 1 (em Brasília) possui oito radares para cuidar de várias regiões, incluindo Rio de Janeiro, São Paulo e a área do acidente. Alguns dos radares apresentam defeitos e outros funcionam com a potência reduzida, ou seja, detectam uma área menor que deveria. Isso acontece porque, quando a potência de um radar é reduzida em 60%, o tempo de vida útil do equipamento dobra."

Os equipamentos são modernos, mas malconservados

Controlador B - "O pessoal da técnica conta que os aparelhos muitas vezes funcionam com gambiarras, mesmo. Se tem um problema, o técnico remenda um fio, uma coisa paliativa que a qualquer hora pode voltar a dar problema."

O número de quase-colisões no Brasil aumentou, dizem os dois controladores

Controlador B - "Não é normal um avião passar a 30 ou 50 metros de outro, mas isso acontece, e nós chamamos de incidente. A Aeronáutica quer que se acredite que isso é normal, mas é preciso avaliar o risco, se é potencial ou crítico."

Eles afirmam que não há necessidade de comando militar no tráfego aéreo

Controlador B - "Não falamos em desmilitarização. Preferimos desvinculação sistêmica. Esse negócio de que militares têm de controlar por questão de segurança nacional é uma balela."
O aquartelamento de controladores agravou a crise.

Controlador B - "Dias depois do acidente, a Aeronáutica chamou todos para a base. Não precisava. Foi só para mostrar a força que eles têm. Dentro do Cindacta foi um caos. Teve gente que ficou lá 25 horas direto. Tinha gente em estado catatônico. Só olhando para a tela, sem nenhuma reação. Teve crise de choro e até desmaios. Estou tomando remédio para dormir, porque a imagem que vem à minha cabeça é o piloto brigando com a aeronave para não cair. E ele foi achado com a mão no manche."

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