Sexta-feira, 14 de novembro de 2025 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Opinião

Opinião: Evolução do Direito Penal


 
João Baptista Herkenhoff


O Direito Penal não tem evoluído na direção do agravamento das penas mas, pelo contrário, no sentido de seu abrandamento.

Em torno desta questão são tecidas as considerações que se seguem e que submeto à reflexão dos leitores.

Em 15 de outubro de 1833, o juiz Manoel Fernandes dos Santos, da Vila de Porto da Folha, no Estado de Sergipe, condenou Manoel Duda à perda do pênis, por decepamento, conforme sentença guardada no Instituto Histórico de Alagoas.

Segundo os autos, o réu Manoel Duda tentou manter relações sexuais à força com a mulher de um cidadão de Porto da Folha. Este crime seria hoje o previsto no artigo 213 do Código Penal – “constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”. (Pena de reclusão de seis a dez anos, se o crime vier a ser consumado).

A conduta de Manoel Duda foi descrita pela sentença com o vocabulário da época:

“Quando a mulher do Xico Bento ia para a fonte, já perto dela, o supracitado cabra, que estava em uma moita de mato, sahiu della de supetão e fez proposta a dita mulher, por quem queria para coisa que não se pode trazer a lume, e como ella se recuzasse, o dito cabra abrafolou-se dela, deitou-a no chão, deixando as encomendas della de fora e ao Deus dará. Elle não conseguiu matrimonio porque ella gritou e veio em amparo della Nocreto Correia e Norberto Barbosa, que prenderam o cujo em flagrante.”

O juiz tece várias considerações sobre o réu chegando a dizer:

“Que Manoel Duda é um sujeito perigoso e que se não tiver uma cousa que atenue a perigança dele, amanhan está metendo medo até nos homens.”

Depois das considerações de estilo, o juiz lavra a condenação que transcrevo exatamente como consta do original:

“CONDENO o cabra Manoel Duda, pelo malifício que fez à mulher do Xico Bento, a ser capado, capadura que deverá ser feita a macete. A execução desta peça deverá ser feita na cadeia desta Villa. Nomeio carrasco o carcereiro.”

O Direito Penal moderno prega a individualização da pena e de sua execução. Individualizar a aplicação e a execução da pena é adaptá-la a cada pessoa.

A lei dos crimes hediondos caminha em sentido oposto ao desenvolvimento do Direito Penal contemporâneo. Isto porque essa lei carimba com a etiqueta de hediondos certos crimes quando, na verdade, o que torna um crime hediondo, ao lado da definição legal, são as circunstâncias em que o delito foi praticado.

Um crime definido como hediondo pode continuar sendo grave, mas não hediondo, à face de determinadas circunstâncias. Em sentido contrário, um crime menos grave pode assumir contornos de severa gravidade conforme a situação em que tenha sido praticado.

Somente o juiz, tratando cada caso em particular, com sabedoria, prudência, profundidade psicológica, senso do social, pode realmente aquilatar a gravidade dos crimes e fazer Justiça. Definir um delito antecipadamente como hediondo é um óbice à missão judicial.

João Baptista Herkenhoff, 74 anos, Professor da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES) e escritor. Autor do livro Dilemas de um juiz – a aventura obrigatória (Editora GZ, Rio de Janeiro, 2010). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br


 

Gente de OpiniãoSexta-feira, 14 de novembro de 2025 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Prisão preventiva: o erro judiciário que custou a vida de uma jovem

Prisão preventiva: o erro judiciário que custou a vida de uma jovem

Recentemente, foi noticiada a morte de Damaris Vitória Kremer da Rosa, de 26 anos, por câncer de colo do útero, dois meses após ter sido absolvida d

O Brasil que se acostumou a esperar pela catástrofe

O Brasil que se acostumou a esperar pela catástrofe

A catástrofe da violência no Rio de Janeiro produziu efeito no Congresso Nacional, como costumeiramente acontece, após a megaoperação policial que d

A “COP da verdade” e o teste de Rondônia: o que o Brasil precisa entregar além do discurso

A “COP da verdade” e o teste de Rondônia: o que o Brasil precisa entregar além do discurso

Belém (PA) — Na abertura do encontro de líderes da Cúpula do Clima em Belém, nesta quinta (6.nov.2025), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva elev

Criando uma marca com propósito: do insight à identidade

Criando uma marca com propósito: do insight à identidade

Construir uma marca do zero é muito mais do que definir uma paleta de cores ou desenhar um logotipo. É um exercício de tradução: transformar a essên

Gente de Opinião Sexta-feira, 14 de novembro de 2025 | Porto Velho (RO)