Domingo, 10 de janeiro de 2010 - 09h38
O interior do Suriname foi palco de um episódio de violência que os grandes meios de comunicação insistem em velar que são comuns no Brasil. Enquanto se criticou o país vizinho como uma “terra sem leis” porque a polícia não mostrou a cara quando precisou, o que seria o Brasil e a institucionalização do banditismo que transforma a nossa legislação em patrono dos poderosos?
Era véspera de Natal. Durante a reunião de famílias na noite de 24 de dezembro de 2009 em Albina, região fronteiriça com a Guiana Francesa e a 150 quilômetros da capital Paramaribo, houve um ataque com cacetetes, facas e facões a mais de 200 estrangeiros no Suriname. Golpes atingiram quem estava na frente. Não foi, portanto, um ato discriminado contra brasileiros porque, entre as vítimas, havia também chineses, javaneses, colombianos, peruanos e de outras nacionalidades.
Por alguns dias, só se falou disso. E não é à toa. A nuvem do sensacionalismo encontrou seu espaço para situar brasileiros, como sempre, na arena das vítimas.
Responsabilizaram-se pelo ataque os quilombolas surinameses conhecidos como “marrons”, que até então conviviam pacificamente com estrangeiros segundo depoimentos. O que provocou a ira dormente dos nativos? Duvido que um ato isolado mobilizaria centenas de surinameses, como num conluio, a agredir, depredar, estuprar, queimar carros e casas. Falta peça no quebra-cabeça.
O Suriname já sofreu de colonialismo, ditadura, conflitos étnicos, penúria, contrabando, tráfico de drogas e o setor comercial contratou segurança privada para conter a violência. A uma população total de 440.000 surinameses, somam-se mais de 15.000 brasileiros que trabalham no garimpo de ouro. Entre as vítimas de nacionalidade brasileira, a maioria exerce atividade ilegal no país.
Logo após o episódio, aviões oficiais brasileiros pousaram no Suriname em missão de resgate, porém uma minoria quis regressar. Voltariam ao Brasil para fazer o que? Não é simples reconstituir o ambiente de trabalho. Tudo indica que é melhor roubar por lá que ser roubado por aqui. Naquela ex-colônia holandesa que se independentizou em 1975, o contrabando é uma forma de não pagar o imposto de 38% criado pelo governo surinamês sobre o lucro das vendas de ouro.
O tráfico de drogas e o contrabando de ouro são algumas das modalidades de banditismo que o Brasil exporta. Vão para fazer coisa errada. Antes de sensibilizar-se com a visão dos brasileiros no Suriname, ainda que a violência não se justifique em lugar algum, nunca é demais recordar do massacre que o Brasil promoveu covardemente no Paraguai no século XIX pela guerra da Tríplice Aliança. Triste lembrança. Exterminou-se quase a totalidade da população masculina paraguaia.
A mensagem é de que o Suriname é dos surinameses. Faz-se o mesmo naquele país por forasteiros que se fez no Brasil em prol de países mais poderosos e em prejuízo dos recursos naturais locais. Nações vizinhas buscam maneiras de resistir ao fluxo internacional de empreendedores e mão-de-obra desde o Brasil, que não tem sido capaz de assegurar a justiça interna no trabalho. Se os atos ilícitos esquivaram o governo surinamês, não tiveram a mesma felicidade com os nativos.
Provoca indignação que, na chamada da oportunidade, brasileiros reproduzam modelos de exploração e práticas ilegais noutros países. Algo não está bem na nossa relação com os vizinhos.
Bruno Peron Loureiro é mestre em Estudos Latino-americanos.
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