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Confúcio Moura: O poste que virou árvore




   

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Confúcio Moura

Minha cabeça está pegando fogo. Mas, também, com toda razão. É muita coisa que se vê e que não se consegue explicar. Nem gosto de ler muita coisa de filosofia. Aí recaio mesmo ao fundo do poço. A cabeça sai fumaça. Explicar as razões da vida. A beleza como a expressão da verdade. A velhice, a harmonia, o amor, sorte, acontecimentos. Por tudo isto que muitas vezes creio que a ignorância é oitavo sacramento. Por não existir o oitavo sacramento a ignorância deve ser boa, justamente, para não se esquentar a cabeça com explicações filosóficas e nem com os eventos chocantes. E a vida paira como ela é. Aí sim, vive-se em estado de natureza.

Quem liga computador de vez em quando, deve ter recebido uma mensagem viral chocante – um poste de luz que virou um pé de ipê florido. A imagem é chocante, quem a viu ficou mais ou menos aloprado por alguns segundos, só de imaginar o crime imperfeito – o de cortar o topo de um ipê adulto, ornamentando a rua e transformá-lo num mortificado poste. 

O poste ressuscitado em Porto Velho correu o mundo. Veio a mim, pela primeira vez, de uma amiga que mora em Portugal. Nem imagino como deve ter varrido os céus e a terra pelas nuvens de iluminação da Internet. E Porto Velho com isso teve um glamour de uma cidade milagrosa. Quem sabe este poste florido não vire romaria de fé tal o milagre do seu renascimento? O milagre aconteceu. A cidade encheu-se de glórias inesperadas, nem de longe nas promessas de campanhas, nem o Presidente, Governador ou Prefeito abordaram em 2004 o tema das usinas do Madeira, nem água e esgoto para todos, nem viadutos, habitações populares e tantas outras atividades empresarias tão sólidas. As flores do ipê renascido moveram as montanhas das insensibilidades políticas de Brasília, para enxergarem mais longe, nas águas do Rio Madeira, o maná da energia elétrica de suas águas. O ipê moveu a montanha. Quem sabe que por indução, o fio de cobre, no corpo da árvore, produziu uma nova crença vegetal, forte demais capaz de expressar as vozes de todo o Estado. A flor do ipê foi também um grito. Um brado retumbante na forma da flor amarela. A flor que virou voz. 

A cidade continuaria a mesma. Aquela empurrada pelo seu vertiginoso crescimento natural e torta sumiria de vistas nas improvisações de bairros novos. Aflitos engoliriam seus gritos pela força do silêncio providencial. E nada aconteceria se não fosse o milagre do poste de luz. Até as Caixas d’Águas ficaram na ansiosa expectação da perda das suas coroas de símbolo mágico da cidade de Porto Velho. 

Fiquei remoendo este acontecimento fenomenal com imensa desconfiança. Como se sabe, hoje em dia, o computador também faz milagre a cada minuto. Como se fosse um ilusionista perfeito. Os hackers invadem bancos, ganham senhas, entram no Pentágono, descobrem segredos de Estado, criam cenários, modificam outros. Apagam memórias. Acendem outras. Bem que o ipê poderia ser ilusão gráfica de computador. Uma montagem.

Não é o que aconteceu com o poste florido. Este ficou exposto na estação de suas flores para calar quaisquer suspeitas. O que quis dizer esta árvore ao seu algoz? Aquele que a decepou copa e galhos sem o menor remorso? E a deixou tombada como se morta estivesse? E se foi, aparentemente transmutando a sua utilidade de viver para uma função secundária de um mero suporte de fios de cobre. Só sei dizer que a carga de energia era muito grande, a energia da vida, que as veias abertas fecharam-se de novo. O movimento de sobe e desce da seiva rica persistiu. A ordem forte das raízes para suportar o peso da tragédia. O reordenamento e o aprendizado da casca para realizar fotossíntese. A reconexão dos eixos neurais da planta. O reaprendizado natural que o infortúnio ensina. A fisioterapia da suave reabilitação. A redução do gasto de energia com a respiração. A árvore hibernou por algum tempo com sabedoria imensa. Tal qual o homem escravizado, submete-se ao duro trabalho, a nova ordem e as humilhações, sem jamais submeter-se completamente. Com o ipê foi do mesmo jeito. Acomodou-se espertamente pra depois expressar com força máxima a sua arte.

E milagrosamente, com humilde bondade, deu flores ao homem. Com uma mensagem filosófica vasta e profunda, ou mesmo religiosamente cristã – a de dar a face direita a quem a esquerda esbofeteou. Outra ainda – flores amarelas ao mundo. Ou quem sabe, o mesmo que registra a Bíblia – a vara de Arão que floresceu.

Fonte: Confúcio Moura
 

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