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Artigo

O rádio e a democracia


Heitor Scalambrini Costa - Gente de Opinião
Heitor Scalambrini Costa

Aquele que te convence a acreditar em absurdos,

também te convence a cometer atrocidades.

François Marie Arouet (Voltaire)


Muito se tem falado, estudado e escrito ao longo dos anos do papel da mídia (entendida como o conjunto dos meios de comunicação social de massas, abrangendo o rádio, o cinema, a televisão, a imprensa, os satélites de comunicações, os meios eletrônicos e telemáticos de comunicação), na (in)evolução da humanidade. Hoje temos a oportunidade, através das mídias sociais, de estarmos conectados em tempo real com as ocorrências em todas partes do mundo, desde catástrofes climáticas, guerras, golpes de Estado (e/ou tentativas), etc.

Neste sucinto texto abordamos especificamente o papel do rádio no interior do Brasil, em relação ao seu papel fundamental de informar, entreter e educar, especialmente em comunidades rurais e remotas, devido à sua capilaridade. Além disso, a radiodifusão é um poderoso instrumento de formação da identidade cultural e conexão nacional, unificando o país e respeitando suas diversidades regionais, sem contar sua participação na política do país e na história da democracia.  Continua sendo um meio de mídia relevante, ao promover debates e servir como ferramenta para a educação das pessoas, inclusive a política. Ao longo do tempo adaptou-se às novas tecnologias, mantendo sua capacidade de atingir milhões de brasileiros, e assim democratizar o acesso à informação em diferentes momentos e locais.

 A primeira transmissão radiofônica no país ocorreu com o presidente Epitácio Pessoa no Rio de Janeiro em 1922, em comemoração ao centenário da Independência do Brasil. A chamada era de ouro da radiodifusão aconteceu nos anos 1930 a 1950, com grande participação na vida nacional. Em 1932, durante a Revolução Constitucionalista, a mobilização política foi feita por meio do rádio. Em 1935, com a criação da “Hora do Brasil”, Getúlio Vargas usava o programa para falar ao povo, divulgando suas realizações. Com o novo nome “Voz do Brasil”, a ditadura cívico-militar de 64 manipulou e censurou informações. Ao mesmo tempo o principal veículo de comunicação de massa, nesta época, circulava músicas contra a ditadura, mesmo com a censura na programação.

 Ao longo de seus mais de 100 anos de história no Brasil cumpriu papéis diversos, atendendo interesses variados. Atualmente, de acordo com o estudo Inside Áudio de 2024, o rádio é ouvido por 79% da população brasileira.

Um dos episódios mais marcantes na história do rádio foi o uso político das concessões das emissoras de rádio e televisão no governo Sarney (1985-1990), funcionando como moeda de troca nas “negociações” na Assembleia Constituinte, o que ficou conhecido com o bordão “é dando que se recebe”. Políticos de direita foram beneficiados pelo ministro das Comunicações da época Antônio Carlos Magalhães (BA), que além de seu chefe Sarney (MA), garantiu seus lotes de concessões. Muitos outros parlamentares como Tasso Jereissati (CE), José Agripino Maia (RN), Osvaldo Coelho (PE), se tornaram detentores de redes de comunicação em seus respectivos Estados, praticando o chamado “coronelismo eletrônico”.

Mas se engana quem acha que o fenômeno do controle dos veículos de comunicação por políticos se mantém circunscrito a estados do Nordeste. Em todo o Brasil políticos em seus nomes, ou de parentes como sócios, garantem seus interesses em empresas de radiodifusão, já que as concessões são principalmente para pessoas jurídicas, podendo ser empresas privadas, associações sem fins lucrativos, fundações e até políticos, desde que atendam os pré-requisitos legais definidos pelo Ministério de Comunicações que estabelece as normas e fiscaliza os serviços prestados. As outorgas são concedidas para radio comercial (empresas privadas), rádio educativa (fins educacionais) e rádio comunitária (associações e fundações).

 No sul do país se destaca um dos maiores grupos de comunicação do país, o Grupo Massa, que tem como acionista Ratinho Junior, atual governador do Paraná. Este grupo possui a segunda maior rede de rádio do Brasil com 65 afiliadas, espalhadas por 10 Estados, além de 5 emissoras de televisão e o portal de notícias Massa News. 

Mesmo sendo ilegal, de acordo com o artigo 54 da Constituição Federal (CF), deputados federais e senadores são proprietários de rádio e TV. Estes políticos são de famílias de tradição colonial, conservadores, de direita dentro do espectro político, que usam as comunicações para fortalecer sua influência na política regional e nacional, silenciando opositores, espalhando “fakes” e impedindo a diversidade de vozes em um nítido ataque a democracia.

Desde 2015, portanto há 10 anos, o Partido Socialismo e Liberdade (PSol), fez um pedido de Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) junto ao STF para que o artigo 54 da CF fosse cumprido (ainda não julgado). Constata-se que os princípios legais do sistema de comunicação no país, os artigos referentes à radiodifusão aprovados na Constituição de 1988, não foram regulamentados.  

O momento atual que o Brasil atravessa é de extrema gravidade, principalmente devido às nossas fragilidades democráticas. A desinformação, o ódio, as mentiras propaladas estão envenenando o discurso público, polarizando as comunidades e minando a confiança nas instituições. Salvaguardas contra as forças antidemocráticas que querem prejudicar o país devem ser adotadas em defesa da nossa democracia. Partidos de extrema direita aliados aos setores mais repugnantes da política nacional reunidos no chamado Centrão, defensores de um Estado totalitário, devem ser combatidos e alijados da vida nacional, e impedidos de estarem à frente dos meios de comunicação, no caso a radiodifusão. As eleições presidenciais de 2022, e fatos posteriores, mostraram o que a extrema direita é capaz, ao utilizar da democracia para tentar acabar com ela.

O rádio independente e plural (sem a extrema direita, sem as forças antidemocráticas que conspiraram contra o país) é condição indispensável para um sistema político democrático, pois os conteúdos que circulam pelos meios de comunicação influenciam a formação da opinião pública. O que esperar se não há diversidade de informações e de pontos de vista? O que se verifica no Brasil é a alta concentração de propriedade deste veículo, a falta de transparência, interferências políticas, econômicas e religiosas.

Quem regula a liberdade de imprensa é a Lei no 2083, de 12 de novembro de 1983, e quem fiscaliza é a Secretaria de Comunicação Social Eletrônica do Ministério das Comunicações. No artigo 8º da Lei, a liberdade de imprensa não exclui a punição dos que praticarem abusos no seu exercício, e no artigo 9º são destacados os vários abusos no exercício da liberdade de expressão. Por exemplo, um desses abusos é mencionado no artigo b) “publicar notícias falsas ou divulgar fatos verdadeiros truncados ou deturpados, que provoquem alarma social ou perturbação da ordem pública”.

O acompanhamento e a fiscalização das rádios (e dos conglomerados de comunicação) não devem somente ser exercidos pelo poder público, mas principalmente pela sociedade civil organizada, para que as empresas que atuam no setor respeitem as regras estabelecidas na Constituição Federal e na legislação que trata do assunto. O domínio da radiodifusão por grupos ideológicos defensores de pautas antidemocráticas, que agem contra o interesse nacional, contra o Estado de direito não devem ser controlados por políticos extremistas.

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Se deseja saber mais sobre a relação de sócios e diretores de empresa de comunicação, o Ministério das Comunicações disponibiliza o cadastro, permitindo a consulta por Estado e município.

 

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