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ARTIGO: Espionagem à moda latino-americana


 

Bruno Peron*


O Peru tem acusado o Chile de espionagem. O assunto tem dado o que falar.

Poucas vezes um tema de filme do circuito hollywoodiano inspira os acontecimentos periféricos ou terceiro-mundistas. Existe uma linha divisória que separa as atividades dos gigantes das dos anões. Não que estes sempre aspirem a discutir assuntos da mesma nuvem ou precisem de preparação para todos eles.

Em resposta às acusações, vozes oficiais do Chile naturalmente negaram que houvesse um espião em Lima, capital do Peru, um “suboficial” peruano a serviço das forças armadas daquele país.

Uns incitam os países latino-americanos a levantar a cabeça e enfrentar os problemas como atores de relevo, enquanto outros culpam, como de costume, o nosso vizinho do Norte e a estratégia estadunidense de desestabilizar os nossos frágeis países. Os menores fazem-se de indefesos, enquanto os maiores pretendem ser mais do que são na América Latina.

Pela definição, espionagem é uma atitude secreta destinada a obter e transmitir informação sobre um país, especialmente no âmbito de defesa nacional.

Apesar da suspeita de que a ação no Peru não é recente, as acusações fundamentam-se na transmissão de documentos sigilosos via correio eletrônico entre 2008 e 2009. O anonimato pela internet virou objeto de investigação de Estado. Por efeito dos avanços nos meios de comunicação, propõe-se o combate a crimes virtuais.

As relações diplomáticas entre os dois países andinos, que já não estavam em seu melhor momento, cambalearam. Peru e Chile mantêm boas relações comerciais, porém já disputaram porções territoriais e a história frequentemente aponta alguma hostilidade. Litígios entre eles já alcançaram cortes internacionais de arbitragem.

O princípio de não-intervenção nos assuntos internos de outro país emerge da argumentação de peruanos que temem o avanço do Chile onde não é chamado. Acordos e negociações infelizmente nem sempre se cumprem, porém.

Ainda, um fator eleitoral evidencia o desgaste entre Peru e Chile. A aprovação da presidente chilena Michelle Bachelet é muito maior que a do peruano Alan García em seus respectivos países. O Peru tem sido palco de confrontação entre os indígenas em defesa de suas terras e seu modo de subsistência e a investida de ocupação do governo peruano segundo seus planos de aproveitamento agrícola.

O entendimento da balança diplomática entre Peru e Chile passa pelo cenário interno perturbado no primeiro país com relação às políticas de Alan García e pela resistência ao modelo de desenvolvimento chileno mais alinhado aos Estados Unidos.

A acusação de espionagem eleva a questão a um patamar de briga de gigantes onde incide a desconfiança, a traição e apelações de vários tipos. A América do Sul atravessa um período conturbado, uma vez que o conflito tem sido recorrente entre vizinhos. Peru e Chile numa arena; Colômbia e Venezuela noutra.

Nunca a região esteve tão dividida em quanto aos planos de desenvolvimento e projetos de nação. É por isso que os Estados Unidos têm intervindo pouco nesta área de influência que noutros períodos históricos. Não há necessidade. O sonho integracionista da “Nossa América” incorre em pesadelos. É melhor que ninguém se atreva a espioná-los.

*Bruno Peron Loureiro é mestre em Estudos Latino-americanos.

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