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Adolescente e autonomia: a metáfora da pipa


(*) Francisca Paris

 

Gosto da metáfora da pipa para refletir sobre a atuação dos pais diante de situações cotidianas com os  filhos adolescentes. Quem já empinou pipa sabe que o segredo para o sucesso da brincadeira está em aproveitar a força e a direção do vento para fazê-la subir e, depois, quando já empinada, saber tensionar a linha, porque, quando muito esticada, se rompe, fazendo com que a pipa solta se perca pelos ares, ou, ao contrário, quando muito frouxa (com “barriga”, como dizem as crianças), leva a pipa a rodopiar nas alturas  e, sem controle, cair ao chão.
 

Sabendo que o período da adolescência se caracteriza pela transição entre a infância e a vida adulta, temos o conhecimento de que o jovem adolescente, objetivando a autonomia adulta, vez por outra não apresenta ferramentas que lhe permitam um posicionamento autônomo. Portanto, a adolescência é um momento de construção e consolidação de autonomia, e não uma época de comportamento propriamente autônomo.
 

Por esse motivo, recorro à representação da pipa. Ao “dar linha”, lançamos nossos adolescentes às escolhas e às decisões que já são capazes de fazer. Não podemos cerceá-los, pois corremos o risco de possibilitar a formação de adultos heterônomos, dependentes e, até mesmo, irresponsáveis.
 

Todavia não podemos confundir autonomia com irresponsabilidade. Os novos jovens precisam ser responsabilizados por suas ações; se ser autônomo é “ser dono do próprio nariz”, também significa saber cuidar do próprio nariz, ser responsável. O saber cuidar só se consolida quando ocorre um exercício de responsabilidade pelas escolhas realizadas e pelas consequências que delas possam advir. Por meio desse exercício, o adolescente ganha confiança própria e de seus pais, além de adquirir autonomia para esta ou aquela questão.
 

Em contrapartida, os pais não podem se esquecer de que, se tensão demais  arrebenta  a linha da pipa, tensão de menos faz com que ela perca a estabilidade e o sentido. Deixar o adolescente solto, sem limite ou sem orientação, imaginando-o capaz de decidir tudo por si mesmo, é uma omissão do papel educativo que deve ser exercido pelos pais. Há momentos em que, pressionados pela mídia, pelos pares, pelas companhias, pela namorada ou namorado, entre outras razões, os adolescentes se sentem oprimidos e incapazes de reações de enfrentamento a determinadas pressões. É hora de puxar e enrolar a linha ou, em outras palavras, de “tomar as rédeas nas mãos” para reconduzi-los a uma postura de equilíbrio.
 

Pais e mães comprometidos com a educação de seus filhos e que estabeleceram com eles uma relação de afeto não devem ter medo de dizer não, mesmo quando a resposta ao “não” seja: “Todo mundo vai, só eu não”, ou “A mãe do fulano deixou, só você não deixa”, ou, ainda, “Todo mundo tem, só eu que não”.
 

O não pode ser tão bom quanto o sim, quando dialogado e explicado. Ao retirarmos a decisão do adolescente, precisamos deixar claro que não o recolocamos em uma condição infantil; é necessário que ele perceba a complexidade da situação em questão e os desdobramentos que estão envolvidos. Devemos, ainda, explicar que, sendo os adultos da relação, em determinados momentos “tomaremos as rédeas”, já que temos um pouco mais de experiência, o que nos ajuda a enxergar os fatos com outras lentes. E, finalmente, necessitamos esclarecer que pais não são “coleguinhas” e que, algumas vezes, mesmo correndo o risco de sermos tomados como antipáticos, temos a responsabilidade de impor alguns limites.
 

Pai e mãe, então,  têm a árdua tarefa de “puxar” e “soltar” o filho adolescente, como possivelmente fizeram com a pipa, quando crianças, até que se atinja o objetivo fundante da educação, ou seja, até que ele saiba regenciar a angústia das escolhas e vivê-las de forma vibrante e intensa, para alcançar as alturas possíveis.

 

(*) Francisca Paris é pedagoga, mestra em Educação e diretora de serviços educacionais do Ético Sistema de Ensino (www.sejaetico.com.br), da Saraiva

 
 

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