David Nogueira
No final do século XVII, dois ingleses inventaram a primeira máquina a vapor realmente operacional. Abria-se, então, o caminho para a chamada Revolução Industrial. Pouco mais de um século transcorrido, em 1804, o povo conheceria a primeira locomotiva. O mundo nunca mais seria o mesmo.
A opção pelo transporte via trilhos, por todas as vantagens intrínsecas, ocupou grande importância em todos os países que iniciavam seus acelerados processos de desenvolvimento. Para se ter uma idéia, em 1860, a Alemanha já possuía quase 12 mil quilômetros de ferrovias em efetivo trabalho.
A primeira ferrovia do Brasil foi inaugurada apenas em 1854 (Estrada de Ferro Mauá), com 14,5 km, e ficava no Rio de Janeiro. Os ingleses construíram várias, em diferentes pontos, entretanto, sempre faltou planejamento. As ferrovias eram construídas para empresas britânicas ganharem muito dinheiro.
Era o nosso país a serviço do interesse alheio.
Até a década de 1920, o crescimento das ferrovias era bastante visível. A partir daí, falou mais forte os interesses da robusta indústria automobilística americana, que, paulatinamente, impôs ao país o modelo rodoviário. Com isso, estagnamos na ampliação de nossa rede férrea e nos tornamos o único país, de dimensões continentais, a possuir uma malha ferroviária pífia.
Todos os demais governos cometeram, de uma forma maior ou menor, verdadeiros crimes de lesa pátria continuados.
País
|
Km de ferrovia para cada mil km2 de território
|
Km de rodovia para cada mil km2 de território
|
Brasil
|
3,3km
|
19,4km
|
Argentina
|
12,9km
|
20,5km
|
Canadá
|
7,5km
|
90,6km
|
Alemanha
|
107,5km
|
647,2km
|
EUA
|
16,8km
|
379,5km
|
França
|
58,5km
|
1.789,6km
|
Reino Unido
|
70,0km
|
1.623,4km
|
Chile
|
8,3 km
|
199,84km
|
Equador
|
3,5km
|
19,0km
|
Fonte: Anuário estatístico de transporte – 2000 / Senado
A ditadura militar foi lamentável nesse episódio. Tão senhores do seu nacionalismo, do seu patriotismo e da defesa dos interesses nacionais, os militares não tiveram a coragem de se contrapor aos interesses americanos e não levaram adiante um programa de integração do país, através da construção de ferrovias, de cunho nacional. Ao contrário, acabaram com muitas delas ( Madeira-Mamoré, em Rondônia; Sapucahy, em Minas; a ferrovia da Serra Gaúcha, entre tantas) todas de inestimável valor histórico nacional, com vistas a enveredar, fortemente, pelo modelo rodoviário que ainda hoje domina o país.
País
|
Rede ferroviária existente
|
Km2 de território por km de ferrovia
|
Brasil
|
29.314 km
|
291,10km2
|
Argentina
|
35.753 km
|
77,87km2
|
Canadá
|
57.671 km
|
173,09km2
|
China
|
62.200 km
|
154,10km2
|
EUA
|
228.999 km
|
42,10km2
|
Índia
|
63.465 km
|
51,86km2
|
México
|
26.662 km
|
73,51km2
|
Rússia
|
85.542 km
|
199,84km2
|
União Europeia
|
195.568 km
|
20,39km2
|
Fonte: UIC – 2007 / Senado
Reparem que os números são reveladores. Os americanos impuseram, em diversos países, a política da expansão rodoviária, pois sabiam da importância da indústria automobilística na cadeia produtiva nacional. Não obstante, estrategicamente, fizeram uma das maiores malhas ferroviárias do mundo, que, ainda hoje, faz a diferença.
País
|
Número de locomotivas disponíveis
|
Número de vagões existentes
|
Brasil
|
2.394
|
90.119
|
China
|
16.453
|
582.152
|
Canadá
|
2.804
|
89.838
|
União Européia
|
25.877
|
585.171
|
EUA
|
23.055
|
476.050
|
Índia
|
7.866
|
266.567
|
Rússia
|
18.066
|
583.053
|
Fonte: UIC – 2007 / Senado
Os países que apostaram nas ferrovias trilharam um caminho diferente em um determinado momento de seus respectivos processos. Não é uma relação científica, porém é um dado político que todos precisam analisar com olhar desapaixonado, racional e pragmático.
O Brasil está retomando o seu programa de expansão ferroviária e precisa ser ainda mais agressivo. As grandes distâncias e os problemas ambientais podem ter nas ferrovias um aliado ou uma alternativa a ser considerada.
Na Amazônia, por exemplo, uma das saídas para a construção de rodovias polêmicas, poderia ser a construção de ferrovias, uma vez que as mesmas possuem as vantagens de ligar ponto a ponto, ajudam a reduzir os impactos e as pressões sobre a floresta, diminuem custos, racionalizam ações e integram, naturalmente, regiões sempre relegadas pelos governos de plantão.
Não termos desenvolvido uma forte malha ferroviária integrada urbana e de longas distâncias, tanto de cargas como de passageiros, foi um grave erro e é, nos dias de hoje, um sério desafio a ser equacionado pelo país que se prepara pra ser potência agrícola, comercial e industrial nas próximas décadas.
Por que não?
David Nogueira
Professor e Dirigente do PT/RO

Domingo, 10 de dezembro de 2023 | Porto Velho (RO)