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A desigualdade começa nos primeiros anos de vida


 
Alejandra Meraz Velasco*

Pesquisas em diversos campos confirmam que a primeira infância é uma etapa fundamental para o desenvolvimento do potencial das pessoas, conforme estabelecido na Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, da qual o Brasil é signatário. Há vasta bibliografia em diferentes áreas do conhecimento que mostram que os indivíduos aprendem com seu entorno desde o primeiro dia de vida – e por isso é fundamental garantir a infraestrutura adequada para uma educação atenta à qualidade das interações entre adultos e crianças, de tal forma que as oportunidades de aprendizagem estejam sempre presentes, e não apenas na escola. As neurociências mostram que o desenvolvimento do cérebro alcança sua maior velocidade nessa fase. A economia mostra que a primeira infância é um investimento com um retorno de até US$17 por dólar investido. É indiscutível que a aprendizagem na primeira infância determina o futuro dos indivíduos, e não apenas em termos de desempenho escolar ao longo da vida, mas também em uma série de indicadores de bem-estar e redução de envolvimento em atividades de risco – como criminalidade e uso de drogas.

No entanto, a brecha entre as crianças mais e menos vulneráveis se abre muito cedo, tanto na escola quanto em casa. Enquanto 51% da população de 0 a 3 anos das famílias no quartil mais alto de renda frequentam a escola, apenas 22% das crianças das famílias no quartil mais baixo têm acesso à educação. E em casa o acesso a oportunidades de aprendizagem também se distribui de forma desigual: aos 4 anos, as crianças mais pobres terão escutado até 30 milhões de palavras a menos do que as que se encontram em situação menos vulnerável. As pesquisas mostram que o papel das famílias na educação e as suas expectativas em relação aos benefícios que ela proporciona são determinantes na trajetória escolar dos filhos – e, novamente, essa expectativa costuma ser maior entre as famílias com maior nível socioeconômico. Torna-se evidente que o desenho das políticas públicas deverá prever ações que envolvam as famílias e elevem a educação na primeira infância ao mais alto nível de prioridade na sociedade.

As políticas para o desenvolvimento infantil são um importante motor para a promoção da equidade, especialmente diante da constatação de que a população infantil está desproporcionalmente representada na pobreza. No Brasil, onde a situação é particularmente alarmante, para cada pessoa maior de 65 anos vivendo na pobreza, há cerca de 7 crianças e jovens nessa situação, segundo estudo promovido pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).

Com o objetivo de elaborar uma agenda da América Latina para o Desenvolvimento na Primeira Infância, por iniciativa do Todos Pela Educação, do Diálogo Interamericano e da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, um grupo de gestores públicos, especialistas e membros de organizações da sociedade civil de onze países se reuniu no Brasil para elaborar um diagnóstico das políticas públicas e apontar caminhos para garantir os direitos e o desenvolvimento na primeira infância.

O diagnóstico mostra que nos últimos quinze anos houve importantes conquistas na região: alguns países apresentaram avanços pontuais nos programas de atendimento à primeira infância, porém ainda sem a necessária integração das políticas públicas; outros normativamente já apontam para essa integração; e por último estão os que conseguiram integrar na prática as políticas públicas de atendimento à primeira infância, como é o caso de Chile, Colômbia, Cuba e Equador. O Brasil, embora aponte para a integração das políticas públicas no programa Brasil Carinhoso, não executa de forma articulada as políticas para a primeira infância que são responsabilidade da assistência e do desenvolvimento social, da saúde e da educação, por exemplo, nas três esferas de governo. Isto é, a articulação da escola com o posto de saúde depende da iniciativa e da capacidade de articulação local dos gestores escolares, pois não há nenhum registro do desenvolvimento da criança compartilhado por pediatras e professores, nem se prevê a formação necessária para que esses profissionais articulem seus saberes.

Com esses desafios em perspectiva, a Agenda Regional para o Desenvolvimento Integral na Primeira Infância sistematiza o que entendemos serem os cinco principais avanços necessários para consolidar o atendimento de qualidade às crianças dessa faixa etária na América Latina: a definição de métricas que permitam monitorar o desenvolvimento infantil e identificar as situações de desigualdade; a criação de uma instância nacional com autoridade orçamentária e política para realizar as articulações necessárias entre as políticas públicas; a definição de mecanismos de articulação das políticas no território; a ampliação e o fortalecimento da gestão do conhecimento sobre o tema; e o estabelecimento de uma coalizão regional visando consolidar as políticas de desenvolvimento infantil como prioridade de todos os países.

Diante da constatação de que a primeira infância é determinante para o desenvolvimento do indivíduo, não podemos mais negligenciar a importância estratégica dessa agenda para garantir uma educação de qualidade para todos e promover o desenvolvimento social e econômico do país. O desafio da universalização da pré-escola e da ampliação do acesso à creche no Brasil abre para o país a oportunidade de fazer avançar de forma vigorosa o desenvolvimento infantil.
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*Alejandra Meraz Velasco é superintendente do movimento Todos Pela Educação.
 

Blog da ANDI com artigo da Revista Época Online

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