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Matias Mendes

MANOEL RODRIGUES FERREIRA: O Centenário Sem Brilho


Por MATIAS MENDES

As comemorações que se fazem este ano a respeito do centenário de conclusão das obras de construção da lendária Estrada de Ferro Madeira-Mamoré transcorrem sob um clima de certa melancolia pela ausência do historiador paulista que foi o principal responsável pela celebridade da centenária ferrovia, o notável escritor Manoel Rodrigues Ferreira, o consagrado autor dos livros A Ferrovia do Diabo e Nas Selvas Amazônicas, obras literárias que contribuíram decisivamente para tirar o ex-Território Federal de Rondônia do histórico isolamento e esquecimento em que permanecia até o final da década de cinquenta do século passado. Com as duas obras literárias e os diversos artigos que publicou na imprensa paulista sobre a nossa região, Manoel Rodrigues Ferreira contribuiu de forma decisiva para tirar Rondônia do anonimato em que permanecia até a década de 60 do século XX.

Engenheiro de formação, de tradicional família paulista, Manoel Rodrigues Ferreira optou pela carreira das letras, exercendo atividades no magistério, como professor de matemática, no jornalismo, na literatura histórica e ensaística e na pesquisa de campo e bibliográfica. Poucos sabem, mas ele foi um consagrado sertanista que perlustrou os mais remotos recantos do Brasil Central em incansáveis pesquisas de campo pelos sertões de Goiás, Mato Grosso e Pará, tendo acompanhado por muito tempo os famosos irmãos Villas-Boas pelas regiões do Araguaia, Tapajós, Xingu, Tocantins, Teles Pires e Juruena.

Quando da sua primeira visita à nossa região, em 1959, ele percorreu o antigo Território de Porto Velho ao Guaporé, passando vários dias em Conceição, abaixo do Forte do Príncipe da Beira (e não acima como alguns supõem erroneamente), hospedado na casa do legendário Mestre Antonio Anacleto de Lisboa. Foi exatamente nessa época que eu o conheci, eu ainda menino e ele ainda relativamente jovem, bem disposto e ereto, sem a leve corcunda que ostentava na velhice. Sua figura lá na região do Guaporé chamava muito a atenção em razão da sua elevada estatura, mais de 1,80m, já que naquela região predominavam os homens de estatura mediana, embora fossem raros os baixinhos. Passei várias décadas sem revê-lo, voltando a entrar em contato com ele somente depois da publicação dos meus primeiros livros. Passamos a manter uma regular correspondência. Suas obras quase completas eu as recebi em meados da década de oitenta do século passado, em caixote de relativo porte, despachado de São Paulo pelos Correios. Foi ele o responsável pela minha admissão em importantes instituições culturais como a Academia Paulistana da História e a Ordem Nacional dos Bandeirantes Mater. Ele teve um papel preponderante na minha modesta carreira de escritor, inclusive prefaciando o meu livro Lendas do Guaporé.

O mais interessante dessa nossa estreita e pouco divulgada amizade é que nós éramos homens de origens sociais diferentes, de formações diferentes, de raças distintas e até de idiossincrasias diferenciadas. Ele era um homem da elite social paulistana, de família quatrocentona, de sólida formação clássica, quase caucasiano e lusófilo convicto. Eu, como é largamente sabido, sou de família de camponeses quilombolas do Vale do Guaporé, ganjeei formação errática com direito a treinamento em campos guerrilheiros e curso em escola de guerra estrangeira quase velada no meio da floresta, sou indiscutivelmente negro e nem quero tomar conhecimento dos novos conceitos de raça humana única, e sou sabidamente francófilo e francófono. No entanto, a despeito das diferenças, mantivemos uma profunda amizade, se não propriamente fraternal, em razão da distância etária que havia entre nós, mas certamente uma sólida amizade de mestre e discípulo. A documentação epistolar que conservo não deixa qualquer dúvida a esse respeito.

Manoel Rodrigues Ferreira foi, sem sombra de dúvidas, um dos maiores historiadores contemporâneos do Brasil. Ele nada ficou a dever a José Honório Rodrigues e outros do mesmo porte. Em se tratando de Rondônia, as obras produzidas por ele a respeito de nossa região só encontram paralelos de qualidade nas obras do notável historiador Emanuel Pontes Pinto, de Abnael Machado de Lima e poucos outros. Quando se trata da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, aí nem adianta ninguém ter qualquer ilusão, pois Manoel Rodrigues Ferreira vai continuar sendo imbatível no assunto, ele é indiscutivelmente o grande autor da obra-prima sobre a histórica ferrovia. Nem vale a pena tentar sequer copiá-lo, pois os textos dos dois livros que ele publicou sobre Rondônia são tão conhecidos que qualquer plágio seria logo flagrado. Eu até já andei lendo algumas dessas tentativas, mas aconselho os autores a evitá-las, pois em algum momento podem ser desmascarados. O ilustre e incomparável historiador bandeirante, Manoel Rodrigues Ferreira, é a grande lacuna e a mais lamentável ausência nos eventos comemorativos do centenário da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.

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