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Cultura

Nova ortografia, velhos dizeres


 
Ivan Lessa
Colunista da BBC Brasil
 

É oficial: entrou em vigor a nova ortografia. Quer dizer: mais ou menos em vigor.

É a única do mundo legislada. Os brasileiros temos pouca intimidade com as vigorações. Há sempre um amanhã, um depois de amanhã e, graças a Deus, um Dia de São Nunca, as calendas (ver dizeres populares em extinção).

Depois de anos caitituando Angola, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Guiné-Bissau (olha o hífen!), Moçambique e Timor-Leste (eu disse que é pra olhar o hífen!), para não falar em Portugal, que andou pisando na bola (ver dizeres em extinção), o Brasil finalmente, mediante quatro decretos promulgados, assinados por presidente da república, conseguiu fazer com que uns bons 250 milhões de pessoas escrevam de forma idêntica.

Quer dizer: mais ou menos idêntica. Primeiro, porque dessas 250 milhões de pessoas apenas uns 15% são vagamente alfabetizadas. Desses 15%, pelo menos 10% é de nacionalidade portuguesa.

Mas que 15%! É para elas que se legislou. Quer dizer: mais ou menos se legislou. Há dúvidas e indecisões em massa. Principalmente nos meios alfabetizados, por assim dizer.

Porque o hífen isso e o trema aquilo e o acento agudo esse e o circunflexo aquele e pororó, pão duro coisa e tal (ver dizeres populares em extinção).

De certo, sabe-se uma coisa: o decreto-lei para os hífens e seu uso,
que entrou em vigor no primeiro dia de janeiro de 2009, tem até 2012, ou 2021, talvez até 3033, para ser adotado à vera (ver dizeres em extinção) entre a chamada CPLP, a digníssima Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, ou os Oito Magníficos Países de Ouro, como são conhecidos nos meios lexicográficos mundiais.

De garantido, pode-se afirmar que essa nova ortografia (quer dizer: mais ou menos um acordo, ou um decreto, ou uma lei) vai dar um dinheirão e muita gente boa vai pegar uma nota preta e sair pela aí (ver dizeres públicos em extinção), pelos países da doce língua de Camões e Paulo Coelho, montada na burra do dinheiro.

Em memória do trema brasileiro, já que o de Portugal já fôra (fora?) para a cucuia (ver dizeres públicos em extinção) em 1946, e dos hífens indefinidos (ou será agora in-definidos?), segue-se uma mini-compilação (minicompilação?), em forma de diálogo brecht-ionesquiano, com as devidas – e agora mais longas que nunca – pausas pinterianas (conheceram, papudos? Ver etc e tal) de dizeres, gírias e locuções extintos ou luis carlos prestes a se extinguir.

E nem foi preciso decreto-lei (decreto lei?) para por um fim a essa mamata ou boca rica do falar popular.

.....

- Então, como é que vai essa bizarria? Sempre montado na burra do dinheiro?

- Nada, em matéria de nota preta, eu tô matando cachorro a grito.

- Sempre pensando na morte da bezerra, hem?

- Eu só tô afim de entrar numa boa.

- Com essa camisa pra fora da calça vendendo farinha?

- Farinha do mesmo saco, que, diga-se, não me parece lá muito católica.

- Então vai chutar os tinflas, pô!

- Você quer dizer chutar os xongas. Tá no ré ou não?

- Nunquinhas, meu boneco, neris de pitibiriba. E do jeito que as coisas vão, esse treco vai ser um Deus nos acuda na hora do péga pra capar. Vai todo mundo acabar ganhando aquilo que Luzia ganhou na horta.

- Deu zebra. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.

- Então é só você se fechar em copas e ficar aí paradão como um dois de paus.

- Só que comendo o pão que o diabo amassou.

- Só uma coisinha, pra encerrar. Você viu o Lino?

- Eu, não. Você viu o Lão?

.....

No que ficam os dois repugnantes interlocutores enquadrados na alínea 23 do parágrafo 7 do artigo de lei que regulamenta o novo acordo ortográfico e, simultaneamente, delinea o futuro ato institucional que deverá reger o emprego, mesmo em conversa de botequim, de dizeres, locuções e gírias em desuso, que, por falar nisso, só poderá ser referido como datado.

Fonte: BBC Brasil

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