Domingo, 7 de julho de 2019 - 20h05

Trata-se de uma ideologia, um “tipo social”,
uma “visão de mundo”, ou é produto e produtor de frações da realidade social?
Será outra(s) coisa(s)?
Numa
resposta simples diria que é um fenômeno social que se eivou de movimentações
político-partidárias. Este tipo de análise se verifica quando, por exemplo, analistas
e cientistas políticos interpretam estatísticas alentadas pelo “partido-movimento”
em determinadas regiões. Neste caso, interessa observar a repercussão da
eleição de 2018 nas eleições municipais de 2020. Haverá enraizamento
político-ideológico ou outros “fenômenos políticos” – como Doria, Partido Novo
– provocarão a migração inversa de votos? É preciso recordar que, em 2018, ambos
foram fortes aliados do bolsonarismo, especialmente, no segundo turno. Além do
fato de que, em 2019, o PSDB de Doria – e outros PSDBs – é ocupante de cargos e
de trincheiras bolsonaristas. Afinal, em 2020, de que lado estarão, do outro
lado ou do seu próprio lado?
Ao contrário dessa sugestão, deve-se
frisar que há muitos furos nesse "tipo especial" que poderia definir
o bolsonarismo. No texto vou apenas listar alguns itens que deveriam ser
colecionados para uma melhor compreensão. Em primeiro lugar, diria que há um
amontoado de condições/características presentes tanto em homens quanto em
mulheres, que revestem as “elites” e a vida comum do homem médio. Vejamos
algumas:
“Herança escravocrata”: é a condição
cultural autoexplicativa do racismo e da “adoração” pela contradição entre Casa
Grande & Senzala. Do capitão do mato ao encarceramento massivo de negros e
de pobres marginalizados. É o traço do “embranquecimento” que justifica a
miserabilidade e exclusão de milhões de pessoas.
“Reacionarismo”: a herança
escravista, que gerou o coronelismo e os “pequenos poderes”, a troca de
favores, a hipocrisia que abona a corrupção privada, também retroalimenta o machismo,
a desídia pública, o mandarinato nos três poderes, a violência gratuita, o
racismo, o feminicídio e a misoginia, por exemplo.
“Servidão voluntária”: os
chamados “Tempos Modernos” são marcados pela digitalização da vida, em que só
faz sentido o que consta no smartphone e nas mídias sociais. É o reino da
dissonância cognitiva porque predomina a “consciência imagética”. Se era
verdade que “uma imagem valia por mil palavras”, hoje, não mais precisamos
falar, bastando-nos aceitar os termos obscuros de uso e de licenciamento dos
aplicativos. Voluntariamente, aceitamos ser controlados e creditamos uma fé
canina nos títulos que circulam entre Facebbok, WhatsApp, Instagram e outros.
“Fascismo”: sinceramente, não
me importo muito com o preciosismo conceitual, nesta verificação, pois, tanto
faz se denominamos de neofascismo ou de proto-fascismo. Na verdade, o mais
simétrico longitudinalmente seria “proto-fascismo”, porque sempre brota onde
menos se espera ou quando menos se quer. Brecht dizia que “a cadela do fascismo
está sempre no cio”. Para nós, todavia, o Anti-intelectualismo é um caso
típico. E, no exemplo nacional, retroalimenta-se do analfabetismo disfuncional.
“Fascismo clerical-neopentecostal”: originário
da denominada Ética Protestante e que inocentou o “crime da usura”, atualmente,
revigora-se com a adoração da acumulação primitiva. No nosso caso, não importa
de onde venha a fortuna. Para os nacionais, a “fortú” é a riqueza dos espertos
– e importa menos ainda se for amealhada por sonegação fiscal e evasão de
divisas. Aqui, basta ir contra a verdadeira meritocracia.
“Lumpesinato”: no país de
sempre (País do Nunca), o sistema produtivo sucateado, desindustrializado,
precarizado, terceirizado, reduzido às relações informais de trabalho, gerou um
gigantesco contingente social de pedintes institucionais. Quando as políticas
públicas entram em falência múltipla – por decisão governamental – o
lumpesinato vai aos semáforos. Mas, sua (in)consciência social reverbera nos subtons
de cima, por temerem o mesmo fim e, por isso, num grande amálgama identitário
fazem grosso eco político. É óbvio que assim expressam seu analfabetismo disfuncional.
As forças milicianas, crescentes dentro e fora do Estado, são seu braço armado
e explorador.
“Desconexão com a realidade”:
dissonância cognitiva, “non sense”, déficit de atenção social, distopia, “autismo
social”, seja lá o nome que dermos, a realidade perdeu sentido para os
desalentados, do mesmo modo que o realismo político não figura nos “grupos da
família”. Para lá de algum tipo de ideologia, como "distorção",
vivemos em tempo de diversão, infantilização.
Ainda destacaria o "valor
de troca" imposto pela atual obsolescência do capital (financeirização,
fluidez) e o aprofundamento do "valor de uso humano". Daí a
"nova era" da banalização do Mal, da "naturalização da
violência": o embrutecimento e o "emburrecimento social", o
decréscimo abismal nos níveis de interatividade social. O suicídio do
empresário, na TV, lembra o retorno do Suicídio Anômico, anímico.
Por fim, há que se
contabilizar o “Golpe de 2016” que aniquilou a Política, a Polis, e o
"nomos" evidentemente obrigatório à "fruição" do Estado de
Direito. Por isso, sentimos no dia a dia que há crescente disparidade,
divórcio, entre normatividade e normalidade. Esta sensação, por seu turno,
corresponde à separação entre Direito e Ética (processo civilizatório) e à
aceitação de que a exceção possa ser legitimada como regra.
Então, vivemos (in)felizes no Estado de Exceção Permanente, à espera dos mitos e dos salvadores fascistas. Ansiosos pela revolta de César, cantamos o Hino Nacional em continência moral com o cesarismo repressivo e regressivo.
Vinício Carrilho
Martinez (Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito)
Professor Associado II da Universidade Federal de São
Carlos – UFSCar
Departamento de Educação- Ded/CECH
Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e
Sociedade/PPGCTS
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