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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Justiça de coragem


             Sempre se faz críticas ao Judiciário, mas hoje vou destacar uma atitude corajosa, de vanguarda de um juiz singular de Brasília/Distrito Federal. Não se trata de nenhum juiz que desafio o tráfico internacional de drogas e de armas; pelo contrário, absolveu réu acusado de tráfico de maconha. Veja-se: absolveu do tráfico e não por uso pessoal.

            Na sentença, o juiz Frederico Ernesto Cardoso Maciel, da 4ª Vara de entorpecentes de Brasília, primeiro declarou a maconha como “substância recreativa”, depois comparou com o cigarro e o álcool – esses legalizados e à base de poderosas indústrias da morte (isso é por minha conta). Concluiu que no Brasil vivemos uma “cultura atrasada”. Diria mais do que isso, diria que é substancialmente hipócrita e manipulada pela indústria multinacional. A expressão do juiz é ótima e merece ser recuperada, quando diz que:

            “Soa incoerente o fato de outras substâncias entorpecentes, como o álcool e o tabaco, serem não só permitidas e vendidas, gerando milhões de lucro para os empresários dos ramos, mas consumidas e adoradas pela população, o que demonstra também que a proibição de outras substâncias entorpecentes recreativas, como o THC, são fruto de uma cultura atrasada e de política equivocada e violam o princípio da igualdade, restringindo o direito de uma grande parte da população de utilizar outras substâncias” (Jornal da Manhã, Marília-SP, 31/01/2014, p. 07).

            Não faz muito tempo, ainda estava em franco debate jurídico, acadêmico e político, os apontamentos revolucionários do chamado Pluralismo Jurídico. Trata-se de uma concepção/ideologia jurídica – no bom sentido – em que os povos tenham não só direito de apresentar suas demandas, bem como receber tratamento judicial efetivamente equilibrado, do ponto de vista da isonomia e da equidade. Se fosse construir um verbete, colocaria assim:

PLURALISMO JURÍDICO:plural indica a multiplicidade de elementos polimórficos, contrapondo-se ao uno, ao centralismo. Tem origem na década de 1940 com a descrição do direito costumeiro dos grupos autóctones da Indonésia. Relaciona-se a mais de uma realidade, envolve-se com um conjunto de fenômenos autônomos e heterogêneos. O pluralismo prevê uma multiplicidade dos possíveis própria à diversidade cultural. Propugna por uma mediação entre a fragmentação atomista e a totalização do poder central (Estado). Está entre o individualismo e o estatismo, e reconhece determinados princípios: autonomia, tolerância, diversidade e descentralização. O principal núcleo é a negação veemente de que o Estado (representado na forma da lei) seja a principal fonte do direito. Por isso, relativiza-se, empiricamente, sociologicamente, a onipotência do centralismo formalista em que o direito válido (único) é o que destila o grau de obrigatoriedade e que se tem sob a forma da lei escrita e publicizada. De tal modo que, diagnostica-se uma pluralidade policêntrica infrajurídica, reconhecendo fenômenos infralegais que se relacionam com o direito formal. Como direito à diferença, expressa as realidades dos variados fenômenos multiétnicos e multiculturalistas. Também se apresenta como pluralismo jurídico mercatório, com a aplicação da produção normativa, a partir de negociações e arbitragens de empresas, corporações, organismos multilaterais. Outa forma de manifestação resulta da pressão social praticada por comunidades participativas, com seu direito informal, insurgente, paralelo, alternativo ou por meio de práticas legais autogestoras. O crescimento do pluralismo jurídico enquanto escola jurídica decorre da ineficácia e injustiça presente no direito formal-estatal. Uma referência importante – mas não a única – é esta: WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. São Paulo : Editora Alfa Omega, 2001.
 

            O juiz Frederico Ernesto Cardoso Maciel é digno representante desse pensamento que se propôs fazer Justiça no Brasil, especialmente lutando contra a negação do direito e em favor de uma mudança radical do status quo.
 

Vinício Carrilho Martinez

Professor Adjunto III da Universidade Federal de Rondônia – UFRO, junto ao Departamento de Ciências Jurídicas/DCJ. Pós-Doutor em Educação e em Ciências Sociais e Doutor pela Universidade de São Paulo. Bacharel em Ciências e em Direito, é jornalista.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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