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Vinício Carrilho

Guerra e política criam atletas 'sem nação'


Quando a política faz mal ao esporte? Desculpem o trocadilho, mas quando políticos sem-noção criam atletas sem-nação. Na verdade não dá para pensar em descrever, tantas são as ocorrências. Todavia, os mais conhecidos passaram-se sob o nazismo e a manipulação ideológica de vencidos e vencedores. Depois, em um caso dramático, quando 11 atletas israelenses foram executados por terroristas palestinos em Munique, em 1972.

Laconicamente, algumas dessas situações inusitadas pela política voltaram a ocorrer nas Olimpíadas de Londres. Guerras, golpes institucionais e imbróglios jurídicos transformaram atletas em indivíduos sem aporte institucional, sem direito, sem reconhecimento de sua nacionalidade. Como párias, refugiados no mundo global, excluídos de qualquer significado em seu país, exatamente o país que queriam representar nos jogos olímpicos, atletas vestiram a camisa da globalização.

Desse modo, nas Olimpíadas de 2012, quatro atletas proibidos de competir por seus países poderiam ter estampado o selo do UNICEF, mas vestiram o uniforme da IOA (Atletas Olímpicos Independentes).

Que ironia: não vestir o fardamento da nação que se é ensinado a “amar”, na ânsia de representar seus irmãos-cidadãos e ver-se renegado, excluído da cidadania e do direito, inclusive, de regressar para casa. Alguns, otimistas ou ingênuos, ostentando a bandeira dos jogos olímpicos, na abertura desta Olimpíada de 2012, diziam mais ou menos alegremente, conformados: “É uma pena, gostaríamos de usar nossa bandeira, mas representamos nossos países mesmo assim”.

O Judoca de Curaçao Reginald De Windt é mais realista: “Não acho que o esporte deveria basear suas escolhas pela política. São coisas diferentes e não estão fazendo isso aqui”. Ocorre que Curaçao, no Caribe, até 2010, fazia parte das Antilhas Holandesas, mas depois se instituiu como parte do reino dos Países Baixos. O COI (Comitê Olímpico Internacional) não mais reconheceu as Antilhas e exigia que seus atletas representassem a Holanda. Só depois de muita insistência a entidade permitiu que disputassem como equipe “sem nação”. E, como se vê, ecoa, ainda hoje, a colonização e suas barbáries jurídicas no direito internacional.

Outro caso é do maratonista Guor Marial, vítima da guerra civil do Sudão do Sul e refugiado nos EUA. A tristeza da ironia política não poderia ser maior para este atleta, pois três dias depois da abertura oficial das Olimpíadas de Londres, no dia 30 de julho, comemora-se oDia do Mártir - desde 2006, um ano após a morte de John Garang, líder do movimento de libertação do Sudão do Sul.Esta é a terceira vez que atletas “sem nação” participam de Olimpíadas. Nos dois casos anteriores, no entanto, o drama político era menos incisivo, pois em 1992 e em 2000, atletas da Macedônia e do Timor Leste, respectivamente, empunharam a bandeira sem-nação porque seus países eram muito novos e não contavam com um comitê esportivo unificado. Eram povos que queriam ser Estados, hoje são Estados que ameaçam seus povos.

Vinício Carrilho Martinez - Professor Adjunto II (Dr.)

Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas

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