Quinta-feira, 27 de setembro de 2012 - 05h09
A mãe da brasileira Catarina Migliorini, 20, foi acusada de ser cafetina da própria filha. Com conivência da mãe, a moça está leiloando sua virgindade pela internet, e já receberam propostas de 155 mil dólares. Catarina diz não fazer isso pelo dinheiro, pois quer criar uma ONG para construir casas populares para os pobres de Santa Catarina. Este é um daqueles casos que deixam qualquer um abismado com a condição humana.
Em todo caso, não há crime algum no que a moça está fazendo com seu corpo, mas há uma ética muito estranha. Sua intenção é claramente aquela dos “fins que justificam os meios”. Catarina que vender sua virgindade, vender-se, prostituir-se por um dia, por horas, para ajudar aos pobres de sua cidade natal. Como é que alguém quer fazer o bem aos outros, provocando o mal a si próprio? Racionalmente, consciente do que faz – vou me vender, leiloar minha dignidade –, a moça age destruindo seu patrimônio moral e para ajudar os sem-tetos.
Nesse sentido, será que a moça age por altruísmo? Sua abnegação, doação da própria saúde e integridade moral e física pode ser louvada de algum modo?
Vamos por partes: todos se lembram das histórias dos camicases japoneses, lançando seus aviões sobre os navios americanos, na Segunda Grande Guerra. Quando acabava sua munição ou o avião havia sido atingido de modo definitivo, os pilotos precipitavam seus aviões. Poderiam saltar de paraquedas, ser resgatados e presos como combatentes de guerra, mas preferiam se matar a sofrer a desonra de ser aprisionados. São séculos de história e de cultura samurai latejando na ação suicida.
Mas, desde o século XIX que a sociologia clássica há havia definido essas ações como suicídio altruísta, em que o sujeito se doa em nome do grupo. E é próprio de sociedades fechadas, tradicionais, em que o indivíduo tem pouco valor, se comparado à importância depositada no grupo social. Exemplo claro que se encaixa na análise é o do suicídio de 900 pessoas, pertencentes à seita Peoples Temple (Templo dos Povos), do pastor Jim Jones, na Guiana, em 1978. Estranha e mórbida curiosidade com a moça, é o fato de que Jim Jones fundou a seita para ajudar sem-tetos.
Como nos ensinou o sociólogo francês: “Os sentimentos religiosos prendem as pessoas a coisas diferentes de si próprias e as tornam dependentes de poderes superiores que simbolizam o ideal. Esse altruísmo inconsciente se corporifica em práticas”. Durkheim chama a atenção para os valores traiçoeiros que vivem na base de costumes que não sofrem a revisão da crítica. Este parece ser o caso da moça de Santa Catarina, dar a dignidade sem nada receber em troca.
Como também nos ensinou o grande jurista Ihering, desde o século XIX, o direito é uma luta pela autoconservação moral, psíquica, existencial, material: “Portanto, a defesa do direito é um dever de autoconservação moral: o abandono total do direito, hoje impossível, mas que já foi admitido, representa o suicídio moral”. Bem, isto vale tanto para os grupos suicidas quanto para a ação individual, em que se vende o corpo e a alma em nome de um suposto “bem maior”. Em termos de condição moral, leiloar a virgindade equivale a se entregar propositadamente para ser escravizado.
Para contar uma história de altruísmo em comunidades dos EUA, o escritor John Steinbeck, no livro A Rua das Ilusões Perdidas, colocou na cena da trama social um conjunto de miseráveis, homeless, sem-teto, que se ajudam e se escoram dividindo até a cachaça. Entretanto, o arguto romancista não cederia à pieguice de oferecer a integridade, a moralidade ou a virgindade de seus sem-teto. Veja-se em que nível foram postados os diálogos: “Sempre ouço as vindas e falas dos sábios homens das torres... Onde passaram a juventude a pensar...O murmúrio das cores confusas...Eram palavras sábias, alegres palavras...Lascivas como água, com o mel da ansiedade”.
Em outro romance, As Vinhas da Ira, J. Steimbeck nos contou a história dos retirantes, boias-frias que, solidariamente, com pequenas doações diárias de si mesmo, dia após dia, conseguiram fazer sobreviver suas famílias pobres e rastejantes pelo capitalismo estadunidense. O pano de fundo são os efeitos da Grande Depressão sobre as pequenas famílias de fazendeiros do meio-oeste Americano.
Sinceramente, no caso da moça, a análise cabe a um psiquiatra e não à sociologia, literatura ou direito.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo
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