Quarta-feira, 8 de novembro de 2006 - 20h06
Há, inclusive entremeada com a idéia de progresso, a noção de que existe um curso unitário dos acontecimentos humanos. Talvez uma linha, um sentido que pode sustentar a crença de que eles avançam em direção a um plano racional de melhoria da humanidade, de emancipação, a percepção de que existe um avanço, digamos, civilizatório, que parece estar ligado também ao conceito de modernidade e tem, no fundo, algo do iluminismo europeu, na medida em que os positivistas, e tantos outros pensadores, concebiam como critério de modernidade o ideal do homem europeu. Isto, como muitas outras coisas, foi para o brejo. De certa forma como produto de uma rebeldia dos povos ditos primitivos acabou-se com o ideal de homem europeu o que, sem dúvida, tem muito a haver com a revolução dos costumes e, mais ainda, com a sociedade da comunicação. Não há mais ideal de nada, daí as coisas terem se tornado muito mais complexas. Parece mesmo que não há mais ideal, nem história nem modernidade.
O que parece haver é um voluntarismo de ocasião, um viver de resultados que acompanha e vai ao sabor das mudanças econômicas e culturais do cotidiano como uma marca estilo pop ou, como quer o sociólogo Zymunt Bauman, na sua escrita letrada para um mundo de iletrados, a pós-modernidade, o reino por excelência da imprecisão. Pós-modernidade, se bem traduzida, é, na verdade, uma economia da transitoriedade: vale o que dá dinheiro no momento e o que as pessoas aceitam (na maioria das vezes por causa da publicidade) como melhor, mais aceitável ou menos ruim. Há um declínio sensível do saber, da qualidade, do conhecimento, das referências. Como não há meios da grande massa medir a verdade esta passa a ser a versão predominante, portanto passa a valer o fugaz, o efêmero, a versão mais aceita.
A questão é que num mundo assim a resultante é uma cobertura de conhecimento sobre um mar de ignorância. É um mundo assustador, incontrolável, incerto, brutal, sem segurança, sem que o saber possa ser aproveitado para melhorar os padrões. Não se cria uma sociedade estável e sim um arranjo entre gangües que a última coisa que desejam é a transparência, a circulação das informações, daí a mídia, a grande massa de informações ser manipulada não para o esclarecimento e sim para a confusão. Na confusão não impera a lógica. Impera o espetáculo, impera o poder, econômico ou da força. Impera a voz de quem tange a manada dos famintos e faz o maior curral com a ração paga com o dinheiro que deveria ser usado para a libertação.
É neste sentido que a pós-modernidade precisa por fim a modernidade com o uso do moderno. Cultuando o novo, a inovação, nem que seja uma mera troca de nome, cria o culto ao personalismo contra a idéia de evolução, de processo. Veta o novo como uma continuidade, como uma evolução e um aprimoramento do passado. O novo passa a ser ruptura. Passa a valer a partir de um dado tempo como se, de uma hora para outra, o mágico de plantão decretasse qualquer coisa do passado como irrelevante; talvez todo o passado como maldito. Agora se constrói uma nova história dos pobres. É verdade. Pobres mesmo. De tudo.
Fonte: Sílvio Persivo
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