Segunda-feira, 2 de abril de 2007 - 04h44
Ser uma figura pública, que muitos almejam, tem suas vantagens e desvantagens. Principalmente para quem possui problemas no passado, mesmo que os outros não descubram, é uma eterna lâmina pendente sobre a pessoa. Um caso recente, e didático, é o do escritor Günter Grass que, em agosto passado, pegou os alemães de surpresa depois de confessar seu passado, que omitiu durante cinco décadas, de participação na tropa de elite nazista Waffen-SS. E o fez no seu livro de memórias disparando uma imensa polêmica e o alçando aos primeiros lugares, mas a um custo altíssimo para o prêmio Nobel de Literatura de 1999.
Na autobiografia, Grass contou lembranças da infância em Danzig, as vivências como soldado, o sofrimento da fome enquanto prisioneiro de guerra do Exército americano e o período em Paris, quando transferia para o papel O Tambor, seu grande sucesso literário. A narrativa vai até o ano do seu lançamento que se tornou seu primeiro e mais famoso romance. Mas a passagem em que revelou ter feito parte dos pelotões da Waffen-SS foi, sem dúvida, o detalhe que causou todo o alvoroço e as altas cifras envolvidas nas vendagens. A primeira edição desapareceu das estantes em poucos dias, mas, a imagem de Grass saiu bastante destroçada. Agora, no seu novo livro, cujo título é um trocadilho; o nome pelo qual os alemães chamam o mais ingênuo e atrapalhado personagem da tradição circense, o palhaço dummer August (o tolo Augusto). Günter Grass se mostra, assim, como uma pessoa exposta ao ridículo, acusa a mídia de tê-lo feito de palhaço, de transformá-lo num bobo da corte. O auto-retrato dele com cara de derrotado sob um chapéu pontudo, ilustração para o poema que dá nome ao livro, é um dos desenhos mais expressivos do livro. Mas outra possível tradução para o título é agosto tolo, lembrando ter ocorrido no mês maldito o escândalo que acompanhou o lançamento, porém enquanto as quase 500 páginas de Beim Hüten der Zwiebel (Descascando a Cebola, tradução literal, a ser lançado no Brasil pela Record no segundo semestre) causou sensação o livro atual foi recebido friamente. Culpar a imprensa, quando os fatos da vida o machucam não é uma novidade propriamente, é, em geral, a forma que todos usam, inclusive os políticos, porém não seriam figuras públicas sem ela. E,efetivamente, as críticas, o destaque dos cadernos culturais dos periódicos alemães, tudo que isto tem sido classificado pelo autor repetidamente como uma encenação mediática, uma tentativa de destruição, que o magoou profundamente, é inerente a qualquer figura que ocupa o centro das luzes. Embora não possa negar que é um processo cruel, para quem o sofre, é preciso ver que ninguém reclama quando o processo é elogioso. Então a questão é que, no mundo moderno, não se pode deixar as mazelas à vista. Se, por exemplo, for roubar gravatas certifique-se que está no Brasil e que o local não tem câmeras. Até mesmo dar uma tapa na filha, está provado, pode ser fatal para a imagem.
Fonte: Sílvio Persivo
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