Terça-feira, 4 de novembro de 2025 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Silvio Persivo

A morte do homem cordial no país sem plano


É engraçado como se consolidam socialmente alguns estereótipos na psique popular. Talvez nenhum deles seja mais emblemático do que, por exemplo, a crença de que nossa sociedade se caracteriza por traços que a apontam como uma sociedade cordial, pacífica, sem imensos conflitos sociais. É claro que isto não poderia escapar do olhar científico e são muito conhecidas as palavras de Sérgio Buarque de Holanda que, em Raízes do Brasil, escreveu “A lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um traço definido do caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece ativa e fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio humano, informados no meio rural e patriarcal”.

Será que ainda é válida a análise feita no século passado, e publicada pela primeira vez em 1936, em que, supostamente, o transplante das relações sociais para o tecido macro da sociedade encobriria, ou amenizaria, as questões mais agudas e graves? Será assim atualmente? Vivemos ainda num país onde grassa a cordialidade? Ultimamente, creio que não, pois, sumiram os traços patriarcais, o predomínio das crenças do meio rural e na nossa realidade contemporânea, urbana e globalizada, o homem cordial se liquefez, com certeza. Nem irei apelar para os episódios de queimas de índios e mendigos ou as recentes agressões absurdas a casais gays ou até a quem num gesto de carinho acabou confundido e sendo espancado. Não há nada de cordial, por exemplo, no MST, nem nas invasões urbanas ou ocupação de edifícios por sem-teto nas cidades brasileiras. Nem mesmo os protestos de estudantes, funcionários públicos, de camelôs ou até movimentos negros e do hip-hop escondem uma violência que se manifesta ainda mais agressiva no trânsito e nos assaltos e roubos. Não faço crítica aos movimentos coletivos, mas, constato que até mesmo os crimes, no passado, eram mais delicados. Não existiam balas dum-duns, nem AR 15, nem se assaltava em grupo como hoje em dia acontece. A grande realidade é que não existe mais o homem cordial e o brasileiro cordial foi enterrado sem pompas num túmulo desconhecido.

Só constato que o Brasil ingênuo morreu. Que há uma violência gratuita mesmo nos grupos mais descompromissados com qualquer agenda política que reflete, talvez, a falta de compreensão dos fenômenos atuais, a impotência da construção de uma solução política para nossos problemas, pois, a grande realidade é a falta representatividade das políticas, dos políticos e das instituições. É imprescindível que se reflita sobre a nossa realidade, sobre um ativismo social que nos faça ter um pensamento estratégico, um planejamento da ação, uma proposta de futuro. Não podemos ficar ao sabor da mistura vazia entre o entretenimento, o marketing e a impostura sem abrir caminho para uma ação conseqüente, sob pena do Brasil cordial, sem a instrumentalização adequada, virar o Brasil da desordem, o Brasil caótico, o Brasil que voltou ao passado sem passar pelo futuro.

(*) É doutor em Desenvolvimento Sustentável pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da UFPª e professor da UNIR.

Gente de Opinião Gente de Opinião

Fonte: Sílvio Persivo - silvio.persivo@gmail.com
Gentedeopinião / AMAZÔNIAS / RondôniaINCA / OpiniaoTV / Eventos
Energia & Meio Ambiente
/ YouTube / Turismo / Imagens da História

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoTerça-feira, 4 de novembro de 2025 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Baixa taxa de desemprego: pleno emprego ou ilusão

Baixa taxa de desemprego: pleno emprego ou ilusão

A taxa de desemprego no Brasil manteve-se em 5,6% no trimestre encerrado em agosto de 2025, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicí

Eu, um desconhecido em Porto Velho

Eu, um desconhecido em Porto Velho

Existe uma sensação peculiar que se instala com o passar dos anos e a vertiginosa mudança do mundo ao nosso redor: a de se tornar um estranho na ter

O Rei que nunca perdeu a coroa

O Rei que nunca perdeu a coroa

É impossível, e centenas de tentativas já provaram isso, desmerecer o notável e duradouro sucesso de Roberto Carlos. Ele reina absoluto na música br

Livro aprofunda os papéis-chave para o crescimento na carreira gerencial

Livro aprofunda os papéis-chave para o crescimento na carreira gerencial

A transição para a carreira gerencial é um desafio complexo que exige uma mudança significativa de mentalidade. Para auxiliar aqueles que percorrem

Gente de Opinião Terça-feira, 4 de novembro de 2025 | Porto Velho (RO)