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Gente de Opinião

Sandra Castiel

GAVETAS VAZIAS


Quando a gente é jovem a vida é uma festa. É verdade que de vez em quando há aborrecimentos, porém a vitalidade da juventude acaba por simplificá-los, para valorizar o que realmente é importante na vida: a alegria do momento - Brigou com a pessoa que até ontem você acreditava ser o amor de sua vida? Que pena!... Algumas horas de melancolia, e você já repara em como o coleguinha da escola é atraente. E a página é virada, abrindo espaço para outra história. A juventude tem pressa, vai à vida como um sedento vai ao pote, com muita vontade. Mas isto passa.

A vida segue seu curso e, constituída a família, surgem as preocupações da realidade adulta. Então geralmente levamos mais da metade da existência trabalhando para tentar - pelo menos tentar - garantir a estabilidade econômica da família: casa própria, carros na garagem, um emprego melhor ou coisa que o valha; preocupamo-nos em construir um patrimônio, pequeno que seja, garantir o futuro dos filhos, educá-los para o mercado de trabalho.

Nessa fase tornamo-nos acumulativos, desdobramo-nos para levar pra casa tudo que nosso dinheiro puder comprar, seja um objeto utilitário, ou não; o sentimento que prevalece é o sentimento de TER, como se isso nos assegurasse o controle da vida.

As mulheres são um capítulo à parte neste quesito. Quando veem uma belíssima toalha de mesa que raramente será usada, ou uma porcelana parecida com a de sua avó, ocorre-lhes a ideia de comprar para ter e guardar, pois certamente algum dia será da filha ou do filho, quem sabe... Quanta ilusão!

Sejam quais forem os sonhos que os pais alimentem para os filhos, um dia eles crescem, deixam a casa paterna e constituem sua própria família; nesta, seus pais ficam em segundo plano, é o ciclo da vida.

Os pais, que são protagonistas na vida dos filhos (quando crianças), transformam-se em personagens secundários quando estes se tornam adultos.

Assimilar a condição de personagens secundários é um processo lento e doloroso, aliás, com um agravante: os inconformados e insistentes são rebaixados à categoria de figurantes; ou seja, se os secundários falam pouco na cena, os figurantes entram mudos e saem calados: assim são as regras das delicadas relações familiares. Para mãe e pai, porém, os filhos continuarão a ser, até o fim de suas vidas, objeto maior de seu amor, sua principal razão de viver.

- Sabe a toalha bordada da Ilha da Madeira que a mãe guardou com tanto zelo durante mais de vinte anos para o enxoval da filha? – Pois é: a filha agradece, mas não quer levá-la para sua nova casa porque o marido só gosta de jogo americano à mesa - E a sopeira de porcelana antiga mantida com tanto capricho ao longo de décadas para presentear o filho e seus descendentes? ― O filho não faz questão, sua esposa prefere louças modernas. Sinal dos tempos.

É nessa fase que o sentido da vida parece diminuir... E um dia o casal maduro, ou o que restou dele, se percebe numa casa abarrotada de guardados inúteis; se dá conta de que suas coisas não são mais importantes nos dias de hoje, os interesses são outros.

Então cai o véu da ilusão, da valorização da efemeridade, de tudo o que é perecível e transitório nesta vida. Sua casa é uma espécie de museu, você se sente uma espécie de museu, um depósito de memórias desinteressantes, um museu que está prestes a ser fechado.

Enfim você tem a dimensão plena da passagem do tempo e de sua própria passagem, tem a dimensão plena de que sua casa, seus quadros, seus móveis, seus adornos, seus livros, tudo isso é apenas um cenário temporário onde se movimenta você, um personagem também temporário. Nos bastidores do palco de sua vida, a cantilena de um coro de teatro grego repete-lhe esta trágica realidade, lembrando-lhe que o último Ato está próximo.

Mas você ainda está em cena.
É tempo de reagir, é tempo de fazer a faxina, é tempo de esvaziar as gavetas, é tempo de despojar-se do supérfluo e aproveitar o restante de sua vida com pequenas alegrias do dia-a-dia, como um belo sorvete de chocolate, e apreciar as verdadeiras belezas da vida; estas são simples, atemporais e não ocupam espaço.

Sempre é tempo de olhar para dentro de si, orgulhar-se de SER, e sentir-se feliz, antes que a peça termine e caia definitivamente o pano...
 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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