Sábado, 17 de novembro de 2012 - 18h49
Noutro dia, estava zapeando os canais da TV a cabo, quando o rosto de Jack Nicholson apareceu na tela; parei para vê-lo. O rosto de Jack Nicholson mobiliza a atenção de qualquer pessoa, não apenas pelo carisma do ator, mas porque nos remete a um quê indecifrável, não saberia dizer com precisão do que se trata, mas sinto que é algo relacionado à nossa essência, à essência humana, algo que nos fascina e que em Jack Nicholson transborda de seu olhar arteiro e de sua espontaneidade.
O filme conta a história de um americano de 66 anos, homem de classe média, casado há mais de quatro décadas, que, após a aposentadoria (era vice-presidente de uma empresa), começa a questionar a própria vida, uma vida que até então lhe parecia normal e plena.
Dá-se conta de que sua presença na empresa à qual dedicara toda a vida é perfeitamente dispensável, seu trabalho não faz falta nenhuma, tornara-se isto sim um fardo para os jovens executivos; dá-se conta de que divide a casa e a cama com uma velha chata, uma “estranha” (sua mulher) que adora contrariá-lo nas pequenas coisas, alguém que em nada lembra a mulher com quem se casara um dia; dá-se conta de que a filha única, a quem idolatrava, há muito se afastara do lar paterno e seu interesse era apenas o cheque que lhe mandava mensalmente.
Mesmo assim, vai tocando sua vidinha de aposentado, redescobrindo pequenos-grandes prazeres, como tomar um sorvete sozinho, deliciando-se com os sabores etc., até ser mobilizado por um anúncio na Tv, anúncio este de uma instituição que conclama pessoas a apadrinharem crianças carentes da África; então, nosso personagem, sensibilizado com o olhar da criança africana (desnutrida e maltrapilha) que ilustra o anúncio, manda imediatamente um cheque para a tal instituição.
Dias depois, recebe uma foto da criança e palavras de agradecimento; isto fará toda a diferença na vida de Warren Schmidt (nome do personagem vivido por Jack Nicholson): o espectador passa a conhecer as angústias desse homem perdido e solitário, através de uma espécie de monólogo que o personagem põe-se a dizer para um interlocutor improvável: a criança africana a quem apadrinhara.
Schmidt torna o menino seu confidente; diariamente, escreve-lhe longas cartas, nas quais faz um verdadeiro balanço de sua vida, de sua atual inércia, de sua mesmice, de sua improdutividade. Às vezes, doura a pílula e encobre seus verdadeiros sentimentos, sobretudo com relação à esposa.
A morte súbita da mulher, que teve um ataque cardíaco enquanto passava aspirador no tapete, parece não abalar Schmidt, aliás, percebe-se nele até certo alívio, o que contrasta com a dor da filha e do melhor amigo, por exemplo.
Schmidt não chora nem lamenta a ausência da companheira, ao contrário, trata de gozar as pequenas liberdades, antes impossíveis para um homem casado, como urinar mirando em todas as direções do vaso sanitário; empanturrar-se de comida industrializada; acumular pilhas de pratos sujos na pia, além de outros descuidos; até que um dia, dá-se conta de que sua casa se transformara em uma grande lixeira.
Sente falta da esposa, dedicada e zelosa, que mantinha tudo em ordem; arrepende-se da indiferença diante de sua morte, busca-lhe os objetos pessoais para aplacar a saudade e acaba encontrando antigas cartas que lhe revelam o impensável: sua esposa o traíra mantendo um caso com seu melhor amigo. Quanta revolta!
Irado, vai ao encontro do velho amigo e enche-lhe a cara de sopapos, indiferente ao argumento do outro que insistia em dizer que isso acontecera há décadas e havia acabado rapidamente.
A raiva de Schmidt, contudo, é uma raiva que precisa de espaço, tamanha a sua intensidade; ora o personagem se agiganta dominado por uma espécie de ímpeto juvenil há tanto esquecido; ora mostra-se frágil como uma criança; é o idoso que anseia pelo carinho e o acolhimento da filha.
Em busca disso, lança-se em seu trailer estrada afora. Do caminho, avisa a filha que está chegando para visitá-la, mas esta o rejeita: Que venha apenas para a cerimônia de seu casamento ─ Argumenta a filha.
Arrasado, o personagem volta à estrada pensando no próprio abandono e na cegueira da filha, que insistia em casar-se com sujeito de conduta duvidosa, alguém que vivia de pequenos bicos, um homem sem instrução cuja família cultivava valores muito diferentes daqueles que primara por ensinar a filha.
Os longos dias e noites que levou percorrendo sozinho as estradas do país levaram nosso personagem a grandes reflexões. Sentado em um gramado, sob o céu estrelado, Schmidt perdoa sinceramente a traição da falecida esposa; de um telefone público, reconcilia-se com o amigo que o traíra.
Assiste ao casamento da filha, deseja-lhe felicidades e retorna ao lar. Porém não entra em casa melhor do que partira; ao contrário, as longas reflexões clarearam-lhe a mente: é um fracassado, um inútil, sua vida não fizera diferença no mundo, vivera inutilmente.
Em meio à correspondência amontoada, uma carta da instituição a que pertence o menino a quem apadrinhara. Nela, a freira responsável pela obra avisa-lhe que o menino tem recebido todas as suas cartas, mas como ainda não sabe ler, ela própria se encarrega de lê-las para ele, que ouve tudo atentamente. A criança tem 7 anos, explica-lhe a freira, é órfã e aprendeu a esperar ansiosamente pelas cartas de Schmidt, pessoa que passou a ser muito importante em sua vida. Junto à carta, um desenho feito pelo menino especialmente para o padrinho.
Com as mãos trêmulas, o homem contempla o desenho feito pelo menino; nele, uma criança segura a mão de uma grande figura (um homem) a seu lado, assim como pai e filho; sobre os dois, um sol brilhante, pássaros e nuvens azuis.
Com o papel entre as mãos, o homem finalmente chora, e chora muito. Não vivera inutilmente; encontrara, enfim, um sentido para a vida.
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