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Sandra Castiel

ACADEMIA DE LETRAS DE RONDÔNIA: UMA INSTITUIÇÃO SEM TETO



No Brasil, comumente quando se faz alguma  referência  à  academia de letras, o que vem à mente da grande maioria das pessoas,de pronto, é a clássica imagem de  velhinhos debruçados sobre volumosos compêndios empoeirados. Pelo menos, esta era a imagem que eu tinha quando criança e jovem. Mais tarde, à medida que fui  expandindo minha visão sobre o mundo e valorizando o conhecimento, comecei a compreender  o significado  de uma academia de letras e a importância de sua existência: ela é guardiã de um imensurável tesouro. Nesta vida, há tesouros inestimáveis.

Por mais pobre de bens materiais que sejamos, existem coisas que nos são caras e que possuem para nós grande significado; são objetos que nos servem como referência na existência. Costumo guardar fotografias antigas que só consigo contemplar quando as coisas não andam bem; dói tanto!...  Nesses momentos, com o olhar perdido nas fotos que me reportam à imagem de meus pais, deixo que um rio de lágrimas me lave a alma. Isso me fortalece.

Já vi homem de cabeça branca e mão calejada retirar da carteira surrada uma foto 3X4 caindo aos pedaços e exibi-la, comovido, numa demonstração de que a pessoa ali retratada  é  a  evidência de que teve um passado do qual se orgulha,  de que teve quem o amasse na vida,  pelo menos em tenra infância.  Trago esses fatos, para reiterar o conceito de que somos guardiões do que consideramos precioso à nossa existência. Uma existência individual, sim, porém inserida no social. É reconfortante para nós, seres humanos, a dimensão dessa percepção.

A Antropologia nos ensina que a maior preciosidade de uma civilização é o povo, a gente que a constitui. O povo é a maior referência de uma nação, de um estado, de um município. E o que caracteriza o povo de determinado lugar, diferenciando-o de outros, é sua identidade.  Essa identidade está presente na língua que esse povo fala, no seu sotaque, na sua cultura  no modo como esse povo vive, seus valores, suas crenças, seus mitos; nas suas múltiplas manifestações artísticas e folclóricas e no seu passado, que é a sua  História.

Uma academia de letras existe para isto: para cuidar e difundir o conjunto desse valioso patrimônio que constitui a identidade de um povo, fazendo-se sua guardiã. Como guardiã, sobretudo da língua, cabe-lhe cultivar e revelar o seu lado mais belo, que é a literatura: seja no que concerne à poesia e à prosa literária, nos diversos gêneros, seja no que concerne à narrativa histórica e a outras áreas do conhecimento humano.  Enfim, a importância de uma academia de letras em lugares que valorizam a Educação e a Cultura é inquestionável. Infelizmente isso não se aplica ao estado de Rondônia.

A academia de Letras de Rondônia completou 25 anos de existência. Fundada por uma plêiade de intelectuais, vem, a duras penas, tentando consolidar sua importância num estado, há algum tempo, caracterizado pela descontinuidade das ações por parte das autoridades constituídas, fato certamente relacionado à diversidade da população  “É de Rondônia? Então não deve ser bom!” Nós, rondonienses, já ouvimos numerosas vezes esse tipo de comentário, que, ironicamente,  é  feito  por  pessoas que aqui se estabeleceram  comumente na década de oitenta  e aqui cresceram profissionalmente.  Muitos até foram contemplados com a segurança de seu salário para cursos fora do estado, cursos estes que alavancaram suas vidas e suas carreiras.  Mas foi aqui, nesta terra de caboclos, que lhes surgiram tais oportunidades. Evidentemente, há exceções. Entre essas pessoas há aquelas que respeitam ou aderem às nossas causas, contribuem para o engrandecimento de nossas instituições sem desmerecê-las.

A despeito da descrença, nossa Academia de Letras continua sua luta. Há anos, espera por um espaço próprio. Quando instalada no antigo prédio da Biblioteca Pontes Pintos, foi levada, por autoridades da época, a dividir a já acanhada edificação, num momento em que começava a se organizar, a equipar sua biblioteca com estantes, mesas e volumes doados pelos próprios acadêmicos. O resultado foi a depredação, a violação, o desrespeito, que culminou com a triste realidade de hoje:  a Academia de Letras de Rondônia está na rua, é uma instituição sem teto. As reuniões são realizadas no auditório da Federação de Futebol de Rondônia.

 Quando da mudança de governo, renovaram-se os ânimos: quem sabe desta vez não nos restituem o prédio da antiga Biblioteca Pontes Pinto? Ilusão! Depois de várias visitas, comitivas de acadêmicos às autoridades e uma sequência interminável de ofícios, para não esquecerem sua condição de  sem- teto, a ACLER  espera pacientemente, quem sabe, por uma sala ( !!!  ) no Palácio Presidente Vargas. E isto, quando ocorrer a mudança da estrutura do Palácio para as novas instalações.

Definitivamente esse tipo de atitude não é coerente com um discurso de valorização da Educação e da Cultura. 

Deixo para reflexão dos leitores esta frase do célebre brasileiro Rui Barbosa:

“Maior que a tristeza de não haver vencido é a tristeza de não ter lutado.”

Que nossas autoridades devolvam à Academia de Letras de Rondônia o espaço da antiga Biblioteca Pontes Pinto e, tão importante quanto, ofereçam-lhe condições para ali se manter. Afinal, ela é guardiã de um precioso tesouro.

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 Fonte: Fonte: Sandra Castiel - [email protected]
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