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Renato Gomez

Crônicas do Velho Porto: O telespectador


                        Era um fanático por televisão, sempre que saia um modelo novo trocava de aparelho, era fiel consumista tanto das lojas de eletrodomésticos quanto dos programas televisivos mais populares e sem conteúdo que apareciam, tinha suas preferências, mas mesmo que não passasse nada dentre elas, estava ele à frente de sua televisão, assistindo qualquer coisa que entretece sua mente vazia.

                        Era tão alienado que, uma vez que também era solitário, alugou um apartamento de apenas um cômodo e comprou um sofá-cama, ou seja, até para dormir era na frente da TV. Abandonava sua companheira de vida para ir ao banheiro e olhe lá, muitas vezes que para não perder algo “importante” chegou a urinar em garrafas vazias de refrigerante. A limpeza do apartamento era feita por uma diarista que visitava o ambiente uma vez por semana e mesmo na hora que tinha essa companhia, preferia manter-se em silêncio enquanto ela limpava, apenas levantando-se no momento que ela pedia para limpar o sofá-cama.

                        Quando do lançamento do modelo 3D, foi o primeiro da fila na primeira loja da cidade que revenderia o produto, não lhe importava o valor, era rico, tinha recebido uma gorda herança e vivera dela desde a infância e pelo que parecia, por toda a existência. Comprou o primeiro aparelho de televisão 3D vendido em sua cidade.

                        Chegou em casa, retirou o aparelho obsoleto (do seu ponto de vista, pois não possuía nem 06 meses de uso) do raque e colocou o novo, ligou na tomada, retirou as pilhas do controle velho e colocou no controle novo, correu ao micro-ondas e fez seu almoço: pipoca com aroma artificial de bacon. Pegou um refrigerante de dois litros na geladeira e um copo no armário. Esperou ansiosamente pelo apito do micro-ondas. Despejou a pipoca em um pote, que diga-se de passagem, de pipoca em pipoca não era lavado há um bom tempo. Retornou e como num mantra, num ritual, abriu o refrigerante, postou no braço do sofá-cama, pegou o controle, colocou os óculos próprios para visualizar imagens em terceira dimensão, ligou a TV.

                        Neste momento foi transportado para dentro da TV literalmente, seu aparelho 3D possuía algum defeito desconhecido que ao invés de atribuir a profundidade às imagens, transportava o telespectador para dentro delas. Foi inicialmente transportado para a tela azul, ficou flutuando naquele espaço azul, como um astronauta a vagar pelo universo. Seu primeiro impulso ao ver que estava com o controle na mão foi desligar a TV, exitou na fração de segundos que antecedeu o ato, ficou com medo de ficar perdido de vez caso desligasse.

                        Apertou o menu acreditando que aquela situação pudesse ser uma função da TV. Nada aconteceu. Retirou os óculos. Mais uma vez, nada. Mudou de canal. Caiu no canal de programas sobre animais dentro da jaula de um leão, ficou com tanto medo que ao invés de mudar de novo de canal, saiu correndo feito um louco, de repente conseguiu atravessar a grade como um fantasma. Mudou de Canal. Caiu num programa de humor, daqueles de auditório, percebeu que não era visto pelos atores. Ou seja, estava na programação, sem fazer parte dela. Era apenas uma projeção em 3D dentro da programação.

                        Mudou mais uma vez de canal e acabou em um telejornal, automaticamente, tentou mudar de canal como sempre fizera, porém a pilha do controle parecia ter acabado a pilha. Ficou preso ao canal do telejornal, vislumbrou várias notícias de sua cidade, de seu estado, do país e do mundo. Viu que pessoas passavam fome, não tinham onde morar. Viu que pessoas matavam pessoas por dinheiro. Viu a realidade, dura e fria. Viu a vida como ela é. E não como a TV fantasia e mascara.

                        Quando o jornal acabou, foi teletransportado de volta ao sofá-cama, seu bairro estava sem energia elétrica, provavelmente por alguma manutenção de rotina na rede, parou para refletir em como passou sua vida de modo improdutivo, inócuo, inerte, inoperante e quantos “is” que resultarem em algo sem proveito vocês quiserem...

                        Vendeu a Televisão e deu um destino ao seu tempo e ao seu dinheiro. Montou uma Organização Não Governamental de proteção aos direitos dos cidadãos vítimas de lavagem cerebral em frente à televisão.                      

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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