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Renato Gomez

Crônicas da Nova Terra: O pombo-correio


 

Na língua, portanto, servidão e poder se confundem inelutavelmente. Se chamamos de liberdade não só a potência de subtrair-se ao poder, mas também e sobretudo a de não submeter ninguém, não pode então haver liberdade senão fora da linguagem.

A aulaRoland Barthes

            Os últimos episódios que vivi e relatei não saiam da minha cabeça (o encontro com minha amada e o desencontro com a lenda viva do Mapinguari), até que um pombo pousou a minha frente quando eu estava sentado em uma pedra observando o Rio, bem próximo do acampamento, lembrando das histórias dos meus ancestrais Muras que montavam acampamentos próximos às margens dos rios para facilitar seu acesso às canoas.

            Fitei-lhe de cima embaixo e o animal, abusado que era, parecia fazer o mesmo comigo. Percebi um anel em sua pata direita com um canudo. Já tinha ouvido falar, mas nunca tinha visto e nem imaginado que veria um pombo-correio, afinal, era tamanha a degradação ambiental da Nova Terra que até ver um pombo comum era raro.

            Imediatamente tentei capturá-lo. Dei-lhe diversos botes, sem sucesso. Já estava ofegante. Resolvi sentar e aguardar por um momento em que pudesse dar um bote certo. Nos fitamos por algum tempo até que ele tombou a cabeça para o lado direito, pensei que tivesse entrado em transe ou adormecido de olhos abertos, não entendo de pombos, vá que eles não tenham pálpebras, tal qual os peixes, ou talvez está fosse uma pomba-lesa. Dei um bote certeiro e caí de boca no chão, ele pousara em minha frente, após o voo fugitivo. Pude ver meu nome no canudo, minha curiosidade aumentou incontrolavelmente.

            Retornei ao assento cabisbaixo, não queria mais encará-lo, naquele momento ele era superior. Planejava um modo de enganá-lo. Lembrei de uma passagem de um livro que havia lido (A aula de Roland Barthes) que falava sobre a linguagem, o poder e o discurso. Decidi persuadi-lo. Levantei a cabeça e o fitei novamente, agora com um semblante mais sério, bati com o indicador da mão direita no chão como se o chamasse até mim, ele exitou por uns instantes, mas veio até bem perto do meu dedo. Eu lhe disse suba, instintivamente. Ele, acredito que também por instinto, subiu. Eu retirei o canudo. A ave caminhou pelo meu braço até meu ombro e ali se pôs como se tivesse sido treinada.

            Fui tolo em tentar agarrá-la bruscamente. Quando utilizei meu discurso e minha linguagem (verbal e não-verbal) para impor o meu poder, consegui estabelecer o controle da situação. Agora, escrevendo isso, vi que fui colonizador com o pombo, fiz exatamente como os Novos Humanos fazem conosco. Em determinados momentos, conhecer as técnicas do inimigo pode ser válido, nesse, em especial, mais uma vez constatei como o discurso e o poder caminham lado a lado com a colonização.

            Finalmente consegui ler a mensagem. Era de minha amada. Entre juras de amor, confissões de saudade e indignações com a colonização, ela me falou dos próximos planos dos Novos Humanos. Eles planejavam um ataque surpresa ao nosso acampamento, atravessariam o rio num ponto mais acima, fariam o contorno pela floresta e nos pegariam despreparados.

            Eles tinham um bom plano, mas eu estava um passo à frente, graças a minha musa que arrumara um jeito de nos comunicarmos. Precisava preparar um contra-ataque, e o pombo correio que me dera um baile, me ensinara uma valiosa lição: esperar o momento certo de desviar do ataque...

Continua...

Renato Gomez

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