1 – QUESTÃO HOMOSSEXUAL
Diversamente do que se andou informando, ao relatar o projeto que prevê a proteção da pessoa homossexual, bissexual ou transgênero na Câmara Alta do Congresso a senadora Fátima Cleide (PT) não está propondo “penas para pessoas que utilizarem a Bíblia para fazer manifestações discriminatórias”. Na verdade, o PLC 122/06 – já aprovado na Câmara -, nem passa por perto da Bíblia - ou seja, em todo seu arrazoado o livro sagrado sequer é mencionado. O que ocorre é que, em seu artigo 8º, o PLC define como crime a prática e a incitação “de qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica” contra os homossexuais. É aí, precisamente neste ponto, que a porca anda a torcer o rabo.
Um dos principais argumentos contrários ao texto que torna crime o preconceito e a discriminação de pessoas com base em sua orientação sexual é o de que ele atentaria contra a liberdade de expressão e contra a liberdade religiosa, garantidas pela Constituição. Assim, aqueles que se opõem ao projeto na forma como ele foi aprovado pela Câmara sustentam que essa formulação do artigo 8º poderia incluir a proibição de expressão de juízos negativos acerca do homossexualismo, como os que aparecem na Bíblia, no Catecismo da Igreja Católica e nos sermões de padres e pastores. De acordo com essa visão, qualquer pessoa que falasse contra o homossexualismo correria o risco de ser condenada a uma pena de um a três anos de prisão.
Como não chega a surpreender, para as igrejas Católica e Evangélica a lei impediria que cristãos se manifestassem contra a homossexualidade. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) defende mudanças no projeto, argumentando, com base no Catecismo da Igreja Católica, que “os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados” por fecharem o ato sexual “ao dom da vida” e por não permitirem uma "complementaridade afetiva e sexual verdadeira", concluindo que “em caso algum podem ser aprovados”.
2 – ENTRE OS ANTIGOS
Mas nem sempre foi assim. O deus Seth tentou violentar Horus, outro deus egípcio. Na Grécia Antiga, Dionísio seduziu Adônis. Mais adiante, Júlio César, amante da rainha Cleópatra, teve um caso notório - sério e jamais negado - com Nicomedes IV, rei da Bitínia, e era chamado publicamente de “a rainha” por Otávio. Essas e outras revelações mais apimentadas estão no livro "Homossexualidade: Uma História" (ed. Record), do escritor e crítico inglês Colin Spencer, garimpado num sebo eletrônico pelo repórter. Com 14 capítulos, o livro é documentado por um índice de referências tirado de fragmentos antigos, relatos antropológicos e textos filosóficos, bíblicos e científicos, além de um enorme material iconográfico, entre outras fontes.
Colin Spencer pretende convencer o leitor de que o conceito de homossexualismo, tal como o entendemos hoje, foi criado ao longo da história e que as práticas homossexuais não só eram exercidas abertamente, mas estavam inseridas em várias sociedades como rituais de passagem para a idade adulta. O autor afirma que todas as sociedades, desde os tempos mais remotos, têm exibido formas do amor homossexual. Para Spencer, “a homossexualidade repousa - como acontece na zoologia -, sobre uma simples questão biológica. Os machos excedentes vão coabitar com outros na mesma situação”.
Cronologicamente, e por toda a história, Spencer relata as formas, práticas e manifestações homossexuais em todas as civilizações.
Segundo o autor, o conceito de homossexualismo começou a surgir em torno do século 226 a.C, com a "Lex Scatinia", destinada a regular o comportamento sexual. Embora a lei proibisse a sedução e o amor por meninos livres, sua promulgação não conseguiu impedir tal prática. No entanto, foi o imperador romano Justiniano, em 533, quem puniu com a fogueira e a castração todos os atos homossexuais, colocando-os sob a injunção da lei divina. Assim, o cristianismo em ascensão se fundiu ao paganismo e a homossexualidade foi colocada fora da lei.
3 – SEXO NA BÍBLIA
As rivalidades entre algumas famílias que governavam Roma e o crescimento da sociedade provocaram o surgimento de uma moral que enfatizava o conservadorismo. Quanto mais respeitáveis fossem as classes inferiores, maiores as chances de subirem dentro do sistema. Para isso, os homens deviam reprimir os desejos e as emoções, moderar o comportamento, canalizar a sexualidade no casamento, dominar os impulsos e controlar as paixões. Assim, segundo Spencer, a ascensão do cristianismo aliada a essas novas regras de comportamento foram fundamentais para a construção da aversão que a sociedade ainda nutre contra os homossexuais, conhecida hoje pela palavra homofobia.
Quanto a católicos e evangélicos, convém não esquecer que o primeiro livro da Bíblia contém um dos relatos mais ostensivos da homossexualidade jamais feitos, trazendo a lume um termo que não raro tem sido identificado com a homossexualidade masculina. Trata-se da palavra “sodomia” e o que está em questão é a história de Ló em Sodoma. “Onde estão os homens que vieram para a tua casa esta noite? Traze-os para que deles abusemos” Foi assim que um magote de marmanjos interpelou Ló, que acreditava ter abrigado em casa dois anjos disfarçados. Para proteger os hóspedes, Ló chegou a oferecer ao grupo suas duas filhas virgens. “Eu vo-las trarei; fazei-lhes o que bem vos parecer.” Nem coisa, nem loisa. Os anjos cegaram os tarados e Ló fugiu com a família.
Evangélico, doutor em Literatura Religiosa pela Universidade de Colúmbia (EUA), Tom Horner diz – em seu livro “O Sexo na Bíblia” – que “um exemplo do Antigo Testamento de um amor homossexual declarado entre dois personagens famosos é a história da imorredoura amizade de Davi e Jônatas”. Há controvérsias. Disposta pelo Levítico, a proibição da homossexualidade foi traduzida para o cristianismo por Paulo de Tarso, ao lembrar na Carta aos Coríntios: “Nem os impudicos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os depravados, nem os efeminados herdarão o Reino de Deus”. Pois!
Fonte:
pqqueiroz@uol.com.br
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