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Montezuma Cruz

Nova Mamoré derruba a melhor madeira de lei



Nova Mamoré derruba a melhor madeira de lei da Amazônia Ocidental

MONTEZUMA CRUZ
AGÊNCIA AMAZÔNIA


GUAJARÁ-MIRIM, RO – Ao meio-dia de um sábado o repórter presencia o Bispo Diocesano dom Geraldo Verdier e o padre José Élio Deukievicz se preparando para mais uma viagem à Paróquia de São Francisco de Assis, em Nova Mamoré, a 48 quilômetros desta cidade na fronteira brasileira com a Bolívia. Para chegar lá terão que desviar o carro dez quilômetros da BR-425, por causa do desmoronamento de um bueiro no leito da estrada.  Às 13h30 o bispo constata que um trecho está intransitável, telefona, desiste da viagem e retorna para casa.

A cada 15 dias eles visitam a Paróquia de São Francisco de Assis, que abrange também as reservas indígenas do Ribeirão e Lage, reservas florestais, agricultores, sem-terras e garimpeiros ao longo do Rio Madeira. O transporte é um problema antigo na BR-425. Em 1986 o padre Pedro Jordá coordenou o fechamento da rodovia, que depois foi asfaltada. Atualmente, o tráfego de caminhões provoca o esburacamento do leito. 

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Castanheira está ameaçada de extinção no oeste rondoniense /M.CRUZ


Nova Mamoré, que já foi Vila Nova no passado, está na lista dos 36 municípios brasileiros que mais derrubam a floresta. Virou município em 1988 e seus 10.072 Km2 correspondem à extensão individual do Líbano, da Jamaica e do Gâmbia. Tem também o tamanho da área de florestas derrubadas no Brasil. Segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA), em 2005 a corrida à madeira pôs no chão 312 quilômetros quadrados de árvores e 81 Km² em 2006, numa variação de -231 Km². De acordo com dados do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, em 2006 Rondônia desmatou mais no mês de junho e, em 2007 nos meses de julho, agosto e setembro. Houve uma diminuição de 393 Km². Em 2006 área desmatada alcançou 1.038 Km², enquanto em 2007 declinou para 645 Km².

O mogno é uma das madeiras mais procuradas. É extraído principalmente das unidades de conservação e das terras indígenas. Para chamar menos a atenção, os autores das derrubadas ilegais fazem o corte seletivo de cedro, maracatiara (ou aroeira), faveira, cerejeira, ipê, angelim, capiúba, roxinho e castanheira. Esta última está sendo impiedosamente queimada e derrubada no município de Guajará-Mirim. Antigamente dizia-se: onças e índios que se cuidem. Agora são índios, onças e árvores. 
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Devastação cresceu a partir de 2003. A foto é da época /ARQUIVO PREFEITURA

Licenciamento é pequeno

Desde 2003 as derrubadas são feitas sem controle. A Secretaria de Desenvolvimento Ambiental de Rondônia vem se esforçando para avaliar a situação de modo a traduzir para o governo os números exatos da devastação. Conseguiu incluir em seu sistema de controle de gestão florestal 117 mil das 137 mil propriedades. Ou seja, cerca de 60% das áreas tituladas no estado. 

Tudo seria maravilhoso, não fosse um dado assustador: menos de três mil propriedades estão licenciadas, conforme estudo revelado pelo assessor técnico Eraldo Matricardi. Com algum desalento, ele não crê no êxito desse cadastramento nas áreas mais críticas de desmatamento, entre as quais a região de Abunã, Nova Mamoré e Porto Velho. Por uma simples razão, aponta Matricardi: "As derrubadas têm ocorrido em terras públicas, onde o Incra não tem condição de controlar porque não promoveu a regularização fundiária".

Tensão social

Migrantes sulistas vão chegando por estradas primárias, fixando-se principalmente nas linhas 20 e 28 da BR-421, nos distritos de Palmeiras e Nova Dimensão. A população já alcançou 14 mil pessoas, com tendência a crescer ainda mais. Dos cinco distritos, Jacinópolis, a 134 quilômetros, vive sob constantes conflitos pela posse da terra. O choque entre militantes da Liga dos Camponeses Pobres (LCP), grileiros, fazendeiros e madeireiros faz parte da rotina da região. Em três anos contam-se mais de 20 mortos e alguns desaparecidos.

Durante o inverno chuvoso, entre dezembro e abril, a região fica inacessível, obrigando as pessoas a atravessar 17 quilômetros do Parque Estadual de Guajará-Mirim, trecho ainda sem estrada. Rondônia e a Amazônia têm jeito, perguntamos ao bispo dom Geraldo? Ele, sorrindo: "Quando eu cheguei ao Brasil me disseram: você vai ver o que lhe espera. E eu senti que a Igreja se parece com o governo: tem seus atropelos, mas sempre caminha para frente. Deus é brasileiro, né?".

Cipó mata agricultor

O agricultor José Paulino Filho, de 49 anos, morreu durante uma derrubada em seu lote, no Km 3 da Linha 35 do Projeto Sidney Girão, em Nova Mamoré. O filho dele, João Batista de Oliveira Paulino, contou que José Paulino foi cortar uma árvore, quando um cipó que estava engatado em outra árvore quebrou, caindo sobre sua cabeça, causando morte instantânea. Ele morreu perto da aldeia dos índios Karipuna.

A situação inquieta policiais militares de Nova Mamoré. O cabo João Rodrigues, que ajudou a resgatar o corpo da vítima do local, lamenta que o fenômeno destrua espécies da flora e da fauna, contribuindo ainda para a poluição da água e do ar. "Já fiquei sabendo que até chuvas ácidas e efeito estufa são conseqüência do que começa aqui embaixo, com a comercialização ilegal de madeiras nobres".

Rodrigues não enxerga conciliação entre o interesse econômico das madeireiras, sob o argumento da criação de empregos, e a sobrevivência de pequenos agricultores. E pelo jeito o cabo continuará lendo, examinando e constatando que foi trabalhar no meio do furacão. Nova Mamoré derruba a melhor madeira de lei  - Gente de Opinião

Grileiros, laranjas
e poucos fiscais


NOVA MAMORÉ, RO – O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) depara com uma série de autorizações falsificadas de desmatamento em regiões onde se instalaram grandes fazendas de gado. No ano passado, a diretora de fiscalização Nanci Maria Rodrigues da Silva catalogou seis áreas críticas: Nova Mamoré, União Bandeirantes, a área da reserva extrativista de Jacy-paraná, os projetos de assentamento em Pau D'Arco e Taquara, e a região de Nova Dimensão, distrito de Nova Mamoré próximo a Jacilândia.

Ali existe uma das maiores grilagens de terras da Amazônia Ocidental, abrangendo 1,74 milhão de hectares que estão sub-judice em conseqüência de uma ação civil pública de reintegração de posse por invasão em unidade de conservação. A Polícia Federal ajuda o Ibama nas operações de apreensão de madeira e a população não gosta do que vê. A exemplo do Pará, centenas de pessoas sobrevivem do corte ilegal em Nova Mamoré.

Só a força da farda

Agentes da PF que trabalham na região estão certos de que os conhecidos "laranjas" são usados por grileiros, fazendeiros e madeireiros. Sem pessoal suficiente, a Secretaria de Meio Ambiente não consegue transferir as concessões de floresta da União para o Estado de Rondônia. Da mesma forma, o Ibama vive semelhante situação. Indignados, os agentes e fiscais lembram que não existe um só posto da Polícia Rodoviária Federal entre a capital, Porto Velho, e Guajará-Mirim, a 362 quilômetros de lá. O que fazer, então?

O quadro de 12 fiscais é impotente para coibir derrubadas ilegais em cerca de 238 mil Km2 de área, o que daria 19,7 mil Km2 por fiscal. Restam as parcerias, algo que a duras penas vêm funcionando com o envolvimento do Exército, da PF e do Batalhão Ambiental da PM. E é preciso mesmo a força da farda, porque os agentes colecionam casos em que foram expulsos de áreas por contrabandistas de madeira e traficantes de drogas e armas. Militantes da LCP denunciaram à Agência Amazônia que descobriram pistas de pouso clandestinas na região de Buritis, onde atuariam traficantes sob as vistas grossas de madeireiros. 

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Ibama e PF apreendem madeira ilegal, mas a devastação prospera /M.CRUZ
Crimes não apurados


Cerca de 150 famílias de camponeses brigam com latifundiários nos arredores e no interior da Fazenda Schumann, por exemplo, pertencente a um empresário rural de Vilhena, na divisa de Rondônia com Mato Grosso. Há resistência de ambas as partes. As polícias civil e militar não dão conta de apurar a criminalidade.

Sucedem-se perseguições e enganos na identificação de pessoas. Há cinco anos, em nota enviada aos jornais, à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e a diversos políticos e autoridades de Brasília, a LCP exigiu punição aos envolvidos nos assassinatos dos camponeses da região de Nova Mamoré, Campo Novo e Buritis. Pediu ainda a liberação de todas as áreas ocupadas. 

Prefeito sonha com manejo florestal 
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Uchôa tem administração aprovada /ASSESSORIA


NOVA MAMORÉ, RO – Não sai da cabeça do prefeito José Brasileiro Uchôa (PDT) uma viagem feita recentemente a Rio Branco, acompanhado da senadora Fátima Cleide (PT-RO) e de colegas prefeitos de Rondônia. Na capital acreana ele conheceu experiências de parceria entre o estado e a iniciativa privada na produção de biodiesel e álcool combustível. Ele viu tudo, em todos os setores, mas impressionou-se mesmo com a preservação da floresta e o desenvolvimento industrial sustentável. "No Acre, há 30 anos, os migrantes faziam derrubadas do mesmo jeito que hoje elas acontecem por aqui", ele comentou.

"Temos muito que aprender com o Acre", reconheceu na ocasião a senadora. A intenção foi boa, mas o estrago só vem aumentando desde 2003. Uchôa não se deixa vencer pelas estatísticas nem com a divulgação do listão do MMA, que correu o mundo. "Precisamos nos unir para melhorar, promovendo a paz e o progresso que todos desejam em Nova Mamoré", diz.

Contas em dia

Não se pode queixar de que ele administra mal. Suas contas vêm sendo aprovadas pelo pleno do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia. Traduzindo: Uchôa aplicou mais de 25% em educação e se aproximou dos 20% na saúde. Gastou com pessoal menos de 45%, abaixo do limite de 54%.

O engenheiro florestal da Embrapa-AC, Henrique José Borges de Araújo, informa que no Projeto de Assentamento Dirigido Pedro Peixoto (317 mil ha e quase 4 mil lotes), naquele estado, o manejo florestal é feito parte da reserva legal das áreas, correspondendo a cerca 36 hectares em cada propriedade, totalizando, para 20 propriedades, 720 ha de floresta. Daria certo em Nova Mamoré? 

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Maracatiara, ou aroeira, é uma das árvores em extinção /M.CRUZ

Nesse projeto acreano, a ordem é: 1) reduzir as taxas de desmatamento; 2) criar postos de trabalho; 3) reduzir as taxas de emigração rural; 4) diversificar e elevar a renda no meio rural; 5) alcançar mercados exigentes, aquele que aceita produtos florestais certificados com "selo verde"; 6) manter os serviços ambientais da floresta (equilíbrio climático e hídrico, conservação da biodiversidade e proteção ao solo); e 7) legitimar a indústria de base florestal. Em meados de 1995, em parceria com um grupo de pequenos produtores, hoje Associação dos Produtores em Manejo Florestal e Agricultura, a Embrapa-AC iniciou um sistema de manejo para pequenas áreas de floresta com tecnologia apropriada para produtores rurais de baixa renda. 

Pelo menos 20 famílias estão satisfeitas. Para quem não sabe, há 30 anos, época em que pecuaristas paulistas começavam a derrubar antigos seringais para a formação de pastagens para gado bovino, o Incra fazia funcionar projetos de assentamento dirigido em Rondônia, um deles, o conhecido Burareiro, em Ariquemes, a cerca de 200 quilômetros de Porto Velho. (M.C.) 


No rastro da violência


Grileiros e jagunços atacam assentamentos feitos pelo Incra. Munidos de documentos falsos, expulsam os agricultores.

►Madeireiros mantêm de 50 a 100 metros de floresta nas margens de rodovias para dar a idéia de que a mata está intocada. No entanto, abrem clareiras dentro. Isso ocorreu ao longo da BR-421 (antiga Rodovia da Cassiterita), que liga Campo Novo a Nova Mamoré, saindo do oeste do Estado e cortando todo o Parque de Guajará-Mirim.

►Corte seletivo: em vez de fazer a derrubada desenfreadamente, os madeireiros escolhem as árvores. O Ibama constatou isso na Ponta do Karipuna, na reserva indígena de mesmo nome, e também na Floresta Nacional Jamari (a primeira experiência do País), na divisa com o município de Cujubim.

►Principais latifundiários da região, segundo denúncias de movimentos de sem-terra à polícia e a parlamentares: Carlos Schumann, que possui propriedades em Vilhena e Chupinguaia (sul do estado) e serrarias na região de Nova Mamoré. A Fazenda Schumann tem cerca de 42 mil ha.

►Geraldo da "Condor", proprietário de uma das maiores distribuidoras de produtos alimentícios do estado. Suas áreas totalizam cerca de 364 mil ha.

► Pistoleiros que atuam na região: Diamantino e Donizete Moage. O sargento Alves, da PM em Ji-Paraná, teria grilado mais de 300 alqueires, dos quais saíram camponeses da LCP. Com ele atuam o soldado Sílvio da PM ,o agente da polícia civil Rubão e os pistoleiros Bigode e Dionísio, todos moradores em Buritis.

►Segundo denúncias da LCP à Câmara dos Deputados, esses policiais e jagunços usam a tortura, o espancamento e o afogamento contra os camponeses. São acusados de matar e fazer desaparecer o corpo do jovem conhecido por Edmilson.

►O Incra é acusado de favorecer os latifundiários, vendendo áreas da União que se destinariam à reforma agrária. Somam oito as áreas vendidas pelo ex-representante da Superintendência Estadual em Porto Velho, Paulo Brandão.

►Um camponês idoso conhecido por Maninho foi abordado por um grupo de homens armados quando estava na beira do rio Jaci. Ali mesmo foi espancado a golpe de coronhas, teve o pé e braço decepado, foi castrado e em seguida afogado no rio. Outros três companheiros dele desapareceram recentemente. Suspeita-se que foram assassinados e tiveram seus corpos queimados.
►Os camponeses Gaúcho da Pedra, Benedito e outros 12 que moram na região, por se recusarem a abandonar suas terras foram torturados e humilhados por pistoleiros.

►No dia 27 de novembro de 2006, quatro camponeses foram cercados por jagunços numa emboscada supostamente montada por Antônio Corrêa, a mando de Schumann. Três escaparam, mas Ozéias Martins de Souza foi feito refém e conduzido até uma estrada próxima. Ali o eliminaram com dezenas de tiros à queima-roupa. Tentaram queimar o corpo e também a sua moto. Segundo a LCP, a Polícia Militar foi acionada, as teria se recusado a registrar a ocorrência. "Foi preciso reunir mais de 50 companheiros para resgatar o corpo".

►O Comando de Operações Especiais da PM foi à região apurar a ligação dos camponeses com o assassinato de um gerente da Fazenda Schumann. Utilizaram helicópteros e atemorizaram famílias nas cidades e povoados vizinhos.

Fonte: Montezuma Cruz - Agênciamazônia é parceira do Gentedeopiniao

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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