Sexta-feira, 3 de maio de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Montezuma Cruz

Na Pantamazônia, coroa Divino viaja de batelão


 

ANA MARIA MEJIA
AGÊNCIA AMAZÔNIA


GUAJARÁ-MIRIM, RO – O vento carrega o som das vozes dos foliões – meninos entre nove e 14 anos – que entoam cânticos anunciando a chegada do barco trazendo a coroa do Divino Espírito Santo. Na margem, atento à movimentação e ao horário, o salgueiro (fogueteiro) dispara um foguete para confirmar a chegada da procissão. Romeiros se atiram na água para acompanhar a volta em forma de meia lua que o barco percorre antes de atracar, crianças vestidas de anjos se aproximam, acendem velas, entram na água, se ajoelham pagando promessas.

É a procissão do Divino Espírito Santo, celebrada anualmente em maio ou junho na Pantamazônia, a já conhecida transição entre as regiões do Vale do Guaporé e a Amazônia Ocidental. Em Rondônia, ela ganha contornos especiais pelas distâncias percorridas: 1.350 quilômetros nos rios Guaporé e Mamoré durante os 40 dias de peregrinação. 

Na Pantamazônia, coroa Divino viaja de batelão  - Gente de Opinião
Peregrinação por água dura 40 dias e alcança 1,3 mil quilômetros /IGREJA DA AMAZÔNIA


A cerimônia exige um ano de preparação. Logo no final de uma celebração, um sorteio entre os membros da irmandade define aqueles que assumirão o papel de imperador e imperatriz. O imperador escolhe o encarregado do batelão – barco parcialmente coberto de palha que transporta a comitiva do Divino: os foliões, 12 remeiros (remadores), um caixeiro que toca caixa acompanhando os cânticos, a coroa.

Os homens que se dedicam a remar nessa ocasião, geralmente estão pagando promessa e se esmeram no remo. Além do movimento regular do remo, fazem uma bela coreografia girando os remos e jogando água para frente. O encarregado do batelão que visitará as casas pedindo doações para o dia da festa. E os remeiros têm o privilégio de cantar a saudação de boas-vindas à coroa. 

Bois, porcos, galinhas e ovos. Todos contribuem. 

Na Pantamazônia, coroa Divino viaja de batelão  - Gente de Opinião
Preparando a cantoria /FRANCISCA MEJIA
No interior, as contribuições são em geral em produtos da propriedade – bois, galinhas, porco, ovos, arroz etc – com os quais se prepara a comida dos peregrinos. Paralelamente ocorre a festa profana com organização de bingos, jogos, danças, marretagem, venda de bebidas. Em terra, o Imperador e a Imperatriz atendem aos romeiros que se aproximam, beijam a bandeira, se ajoelham e recebem a bênção do Divino.

Vestidos em "roupas domingueiras" os peregrinos se aglomeram no porto. Os homens que participam diretamente da celebração se vestem de branco e mantêm um lenço branco amarrado na cabeça. Tiago Ramos, 59 anos, é mestre de melodia. Ele conduz o som do tarol (caixa) e do violão acompanhando os pequenos cantores, que alteram orações e cânticos.

O Divino em Guajará

Em 1945, segundo o casal Melquíades e Carmem de Oliveira, hoje residentes em Guajará-Mirim, a festa chegou pela primeira vez em São Miguel do Guaporé. Já percorreu Ilha das Flores, Laranjeiras, Santa Rosa, se estendeu para Costa Marques, Rolim de Moura do Guaporé, Versalles (Bolívia) e Pedras Negras. "Cem anos depois, a coroa chegou até Guajará", conta emocionada Carmem. Ela considera uma das mais belas festas religiosas que se fortalece na partilha e oração. Em Guajará, a celebração é coordenada pela Igreja que promove um arraial com venda de comidas e bebidas arrecadadas durante os dias de peregrinação. 
Na Pantamazônia, coroa Divino viaja de batelão  - Gente de Opinião
Milagres emocionam Carmem e Melquíades /M.CRUZ


"São 45 dias de peregrinação pelos bairros da cidade, relata orgulhosa de ser mãe do ex-imperador, Leonardo de Oliveira. É o imperador quem carrega a coroa, a imperatriz o cetro e o alferez, a bandeira – das 8 às 18 horas quando a coroa é entregue na igreja. "Embora discreta, a cidade já tinha tentado ter a sua própria festa", conta Isabel de Oliveira Assunção, professora, e uma das mais antigas participantes da festa. A origem está ligada ao milagre feito pelo Divino.

Em Guajará-Mirim não foi diferente. Segundo Dona Isabel, uma mulher de nome Zuleide que vivia de marretagem subiu o barranco para vender seus produtos e deixou a filha dormindo no toldo do barco. De repente, sentiu vontade de descer e viu que o barco se incendiara. Gritou pedindo auxílio e prometeu ao Divino que se a filha escapasse ilesa criaria a festa no município. "A menina se salvou, mas a festa não permaneceu". Só em 1977 quando Maria Angelina Gomes Serratti, ex-moradora do Guaporé, decidiu morar no bairro São José começou a mobilização, primeiro para construir uma igreja no bairro que até então não tinha nem uma capela.

Dona Angelina pediu autorização ao padre Alcides Finardi, o pároco, e propôs ao proprietário de um terreno vazio – Francisco Torres – que o alugasse para promover arraiais e arrecadar fundos. Ele doou o terreno para a construção da capela. Na mesma ocasião, D. Didi organizava rezas para o Divino Espírito Santo em sua residência. Então, durante o mutirão de limpeza do terreno e construção da obra, grande parte dos moradores do bairro era de devotos do Divino. Em 1997, se confeccionou a primeira bem ornamentada, e começaram os festejos. "A cada ano a participação triplica. 

A missa campal que marca o final da festa é maravilhosa", afirma. Hoje, com o dinheiro arrecadado, o bispo D. Geraldo Verdier destina 30% para a compra de alimentos e confecção de cestas básicas que são distribuídas para famílias carentes e o restante vai para a conta da igreja matriz e D. Geraldo auxilia os pobres com distribuição de telhas, material de construção etc. 

Na Pantamazônia, coroa Divino viaja de batelão  - Gente de Opinião
Momento de oração em Guajará-Mirim /F.MEJIA
Uma história que vem da realeza


GUAJARÁ-MIRIM, RO — Conta a tradição oral que quando D. Diniz subiu ao trono, D. Afonso, incitado por alguns fidalgos descontentes protestou contra a legitimidade do irmão que o considerava bastardo. Irritado, o pai D. Afonso convidou o próprio filho para duelar. 

Dona Isabel vendo que os dois duelariam por ciúmes prometeu ao Divino Espírito Santo que se eles se apaziguassem e a paz voltasse à família, ela faria uma coroa para peregrinação. No dia marcado, em vez de duelar, o pai lançou-se nos braços do filho e chorou. A partir daí anualmente houve missa de ação de graças e ações em prol da pobreza. (A.M.M.) 

Fonte: Montezuma Cruz - Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoSexta-feira, 3 de maio de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Amadeu Machado fez com o lendário Capitão Sílvio a 1ª licitação de terras públicas do País

Amadeu Machado fez com o lendário Capitão Sílvio a 1ª licitação de terras públicas do País

Gaúcho de Santa Rosa, o advogado Amadeu Matzenbacher Machado estudou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e veio para Rondônia em 1973. Foi

Disputa de poder no Fórum Rui Barbosa põe juízes nas manchetes

Disputa de poder no Fórum Rui Barbosa põe juízes nas manchetes

A disputa de poder no Fórum Rui Barbosa vazou para os jornalistas em julho de 1981. O juiz da 1ª Vara Augusto Alves, de nacionalidade portuguesa, es

Do “cemitério de processos” à fedentina forense, advogados penavam

Do “cemitério de processos” à fedentina forense, advogados penavam

Muito antes das modernas sedes do Fórum Criminal de Porto Velho e do Tribunal de Justiça de Rondônia, a história da rotina de atendimento no antigo

Aplicativo revelará conduta afetiva em casos psicológicos ou de violência

Aplicativo revelará conduta afetiva em casos psicológicos ou de violência

Um aplicativo de fácil acesso popular para o registro de antecedentes de conduta afetiva, em casos de violência de natureza física ou psicológica fo

Gente de Opinião Sexta-feira, 3 de maio de 2024 | Porto Velho (RO)