Quinta-feira, 25 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Montezuma Cruz

Moro tropeça em erros, fraquezas, mentiras e farsas


Foto G1 - Gente de Opinião
Foto G1

Sérgio Moro decidiu renunciar à carreira na magistratura justamente quando era reconhecido como o mais importante juiz em atividade no Brasil. Como responsável pelas ações resultantes das investigações da Operação Lava-Jato, ele conseguira a façanha (em muitos casos inédita na história da justiça no Brasil) de condenar criminosos de colarinho branco, dentre os quais alguns dos mais poderosos políticos e empresários do país, e levá-los para a cadeia.

As penas, algumas das quais ultrapassaram 20 anos de cadeia, em regime fechado, foram obtidas por confissões dos próprios autores de delitos como corrupção (tanto a passiva quanto - para acentuar o feito - a ativa, geralmente escondida atrás das estruturas de poder dos corruptores), lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, enriquecimento ilícito e outros tipos do código penal.

Nas suas confissões, conseguidas em acordos de delação, os criminosos reconstituíram detalhadamente os seus atos vis, geralmente praticados à base do assalto selvagem aos cofres públicos. 

O mais notável dos empresários, dono da empreiteira líder do ranking e a que mais cresceu ao longo dos governos do PT, a Odebrecht, reconstituiu uma novidade na larga tradição de roubo ao erário desde Pedro Álvares Cabral: um setor administrativo devidamente estruturado para corromper políticos e agentes do governo, de forma sistemática e racional. Combinando o esquema Odebrecht ao JBS, mais de 300 políticos foram subornados, recebendo propinas para representar não os cidadãos que os elegeram, mas os assaltantes do tesouro que os colrromperam.

Outro marco da Lava-Jato foi ter ido buscar dinheiro roubado nos domicílios nacionais dos corruptos, flagrados com montes de dinheiro vivo, até em caixas múltiplas, como no exterior, nas contas protegidas nos paraísos fiscais. A recuperação chegou a 16 bilhões de reais, dos quais R$ 6 bilhões com origem na Petrobrás, sangrada "como nunca antes neste país", conforme o bordão do capo di tutti capi, Luiz Inácio Lula da Silva.

Em meio a tantas polêmicas e questionamentos, apresentados tanto por pessoas de boa fé e bem informadas quanto pelos integrantes dos longos braços da política venal e da pirataria empresarial, as sentenças produzidas pelo juiz federal criminal Sérgio Moro resistiam aos testes de consistência e aos ataques vigorosos ou ferozes desfechados pela parte contrariada. Sua confirmação nas instâncias superiores do poder judiciário foi obtida em goleadas, mesmo com o uso de recursos sem fim, de medidas protelatórias ou de ardis gerados por uma poderosa - e cara - banca advocatícia.

A Operação Lava-Jato fizera história e garantira a sua posição única na crônica jurídica brasileira. Foi quando a mosca azul começou a picar seus membros, de origem e ossatura distintas e até conflituosas, como em qualquer ajuntamento humano. Todos queriam ser o cavaleiro Galahad na busca pelo santo graal da imortalidade, mais poderosos do que os muito poderosos que derrotaram. Com seus títulos, imunes ou inatingíveis, mesmo enfrentando alguns dos principais inimigos que poderiam ter no Brasil.

A sucessão de erros, até então veniais, foi incorporando (e encorpando) alguns pecados mortais. O mais letal deles gerado por Moro. Ao renunciar à difícil - mas gloriosa - condição de condutor dos processos da Lava-Jato, ele colocou o seu ofício de servidor público e o seu papel de entre político (à moda aristotélica), sem vinculação partidária, a objetivos pessoais e personalistas. 

Abriu uma brecha fatal na muralha de proteção da Lava-Jato e a deixou órfã, suscetível aos golpes que até então eram recebidos, encaixados e absorvidos. Como as gravações reveladas pelo Intercept Brasil, erigidas à condição de infâmia absoluta, quando constituem rotina nos fóruns espalhados pelo país (e pelo mundo).

Os ratos saíram das suas tocas, travestidos de coelhos, mas deixando à mostra sua condição real, seguindo os sons das flautas mágicas de instrumentistas como Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski ou Dias Toffolli. Ou seja: pela banda majoritária (quando não integral) e podre do STF.

O ERRO MAIOR

Erro ainda maior cometeu Moro ao decidir embarcar na nau aventureira e infame do capitão Jair Bolsonaro. Neste ponto, se deixando levar por uma parte sombria da sua personalidade, ou por uma visão política primária e medíocre, Moro levou em consideração a plataforma de campanha eleitoral do ex-capitão, ignorando sua vida pregressa (e prontuário|) de truculência, violência, intolerância, abusos, desrespeito aos direitos coletivos e ao ser individual - um fascista, em suma, nem disfarçado por alguma pele de cordeiro atirada sobre o corpo do lobo sanguinário. Quem não viu Bolsonaro dessa forma não sabe ver.

Last but not least, como num drama (ou numa tragédia) shakespeariana, Moro decidiu sair - atirando - do governo Bolsonaro. Poderia ter aproveitado para sair da vida pública. Sua biografia estaria manchada de vez, mas ele poderia viver confortavelmente graças à sua competência técnica, livre das represálias e vinganças, por não mais representar ameaça para os chefões (ou godfathers). Mas, afinal, deverá voltar a ela como político de partido nesta semana, se as especulações e expectativas se confirmarem.

Jornalistas e intérpretes de bastidores (que nunca foram tão espaçosos e vazios como agora, graças a uma imprensa inofensiva, incompetente e presunçosa) dizem que ele quer mais é ser senador (ou deputado federal) para conseguir foro privilegiado. Ou que a pretensa candidatura presidencial é carta de baralho na manga para o jogo de chegada ao STF, seu infantil sonho dourado. A realidade, porém, talvez mostre que essa proteção seria inútil, por não ser mais necessária, caso Moro se recolha à vida privada.

Para o Brasil, com o qual ainda sonhamos em nossos derradeiros delírios utópicos, o melhor mesmo será que Moro siga pelo caminho de Damasco, tombando no trajeto em função dos seus erros e fraquezas, ou de suas mentiras e farsas; ou, superadas as barreiras múltiplas e perigosas, chegue a um destino melhor - para ele e o País, se tal ainda for realmente possível.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoQuinta-feira, 25 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Do “cemitério de processos” à fedentina forense, advogados penavam

Do “cemitério de processos” à fedentina forense, advogados penavam

Muito antes das modernas sedes do Fórum Criminal de Porto Velho e do Tribunal de Justiça de Rondônia, a história da rotina de atendimento no antigo

Aplicativo revelará conduta afetiva em casos psicológicos ou de violência

Aplicativo revelará conduta afetiva em casos psicológicos ou de violência

Um aplicativo de fácil acesso popular para o registro de antecedentes de conduta afetiva, em casos de violência de natureza física ou psicológica fo

Processos sumiam com facilidade no Fórum da Capital

Processos sumiam com facilidade no Fórum da Capital

Numa caótica organização judiciária, apenas duas Comarcas funcionavam em meados dos anos 1970. A Comarca de Porto Velho começava no Abunã e terminav

Filhos lembram de Salma Roumiê, primeira advogada e fundadora da OAB

Filhos lembram de Salma Roumiê, primeira advogada e fundadora da OAB

A exemplo de outras corajosas juízas e promotoras de justiça aqui estabelecidas entre 1960 e 1970, a paraense Salma Latif Resek Roumiê foi a primeir

Gente de Opinião Quinta-feira, 25 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)