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Montezuma Cruz

Modesto, a marca do Incra no território federal


 Modesto, a marca do Incra no território federal - Gente de Opinião

Modesto (1º à direita), durante encontro de liberais rondonienses com o então senador Marco Maciel,
que mais tarde seria duas vezes vice-presidente da República nos governos
de Fernando Henrique Cardoso /JOSÉ BARROS AMARANTE

MONTEZUMA CRUZ
 

Não apenas no desempenho do seu mandato (1983-1987) no Senado Federal pelo Partido Democrático Social (PDS), o agrônomo Reynaldo Galvão Modesto fez parte da história da transição entre o ex-território federal e o Estado de Rondônia, entre o final dos anos 1970 e o início dos anos 1980. Depois do lendário capitão Sílvio Gonçalves de Faria, cujas mãos de ferro golpearam o quanto puderam a grilagem de terras públicas nesta parte da Amazônia Ocidental Brasileira, coube a Modesto a fase desafiadora: dar condições de assentamento a famílias de migrantes procedentes principalmente das regiões sul e sudeste do País.

Pouco antes de o Banco Mundial despejar milhões de dólares na execução do Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil (Polonoroeste), o então coordenador especial do Instituto Brasileiro de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nascido em Porto Esperança (MS) e formado pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro lançava-se ao enfrentamento das agruras e intempéries que caracterizavam a disputa fundiária em Rondônia. Fazia-o com o aprendizado adquirido de seu mestre, o capitão Olinto Marques de Freitas, executor do Projeto Integrado de Colonização Iguatemi, no sul de Mato Grosso, antes da divisão do vizinho estado.

Em se tratando de ordenamento da colonização, o Incra tinha mais poderes que o próprio governo territorial. Assim foi nos tempos do capitão Sylvio, cujas decisões nem sempre coincidiam com as do coronel Humberto Guedes. E também nas gestões de Modesto e Bernardo Martins Lindoso. Governo e Incra dividiam o mando sobre Rondônia, desse as barrancas do rio Madeira aos cantões do Alto Guaporé.

Antigos projetos integrados, fundiários, de colonização ou de assentamento deram lugar aos núcleos urbanos de apoio rural, fruto do trabalho da Companhia Desenvolvimento de Rondônia (Codaron), criada por Teixeirão. Nesse aspecto, a história inclui o agrônomo paulista William Cury, que também fortalecia a ascensão política de Modesto.


Modesto, a marca do Incra no território federal - Gente de Opinião

Acampamento de Ouro Preto (depois, do Ouro Preto do Oeste), durante o início
da colonização de Rondônia /ARQUIVO ROBERTO GUTIERREZ


Apoiado pela cúpula do Incra em Brasília, Modesto preparou as bases para a reforma agrária promovida por seus sucessores, da mesma forma que o ex-governador, coronel Humberto da Silva Guedes, plantava as sementes dos novos municípios, recorrendo aos recursos liberados pelo Ministério do Interior, do Incra, e da Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco). Por caprichos burocráticos de Brasília, deixaram de pôr Rondônia como integrante da região norte brasileira, porém, do centro-oeste.

Constituindo um trio de candidatos, com o médico Claudionor Roriz, cearense, e o advogado Odacir Soares Rodrigues, acreano, o coordenador do Incra elegia-se senador em 1982. Nessa época, ele exibia na bagagem a participação direta na solução de conflitos rurais. Apenas Odacir tivera a experiência de prefeito nomeado de Porto Velho e deputado federal.

Modesto deixava o cargo de coordenador com meritória colheita: participava da entrega de milhares de títulos de terras, antes de Machadinho do Oeste virou cidade. Machadinho, cidade nascida sob a égide do Incra, concentrava agricultores paranaenses que plantavam arroz, milho, feijão, banana, batata e café. Esses mesmos agricultores se tornaram eleitores do PDS, e essa sigla buscou no Incra um dos mais fortes aliados do governo para vencer as célebres primeiras eleições do então recém-nascido estado.

Sucessores do trabalho de Modesto, o coordenador Ernane Coutinho e o subcoordenador Ney Carvalho recebiam o Incra sob o impacto da maior migração da história amazônica: entre janeiro e junho de 1984, por exemplo, haviam chegado mais 82 mil pessoas e até dezembro elas seriam 130 mil. Para assentar apenas um terço desse contingente, o governo estadual estimava investimentos de 12 bilhões de cruzeiros apenas para os projetos do Incra. Desse total, oito bilhões seriam consumidos pela abertura de estradas vicinais.


Modesto, a marca do Incra no território federal - Gente de Opinião

Inauguração de unidade da Cibrazem, em Jaru, onde o Incra também
teve forte atuação no período áureo da colonização /MONTEZUMA CRUZ


Modesto antevia no Senado o inchaço que desafiaria o Incra e o Governo Federal. O Incra daria conta de titular de 3,4 milhões de hectares de terras em Rondônia entre 1979 e 1983. Até junho de 1984 alcançavam-se mais 358,9 mil ha. E o Núcleo Estadual Responsável por Migrações recebia do IBGE a confirmação da taxa de crescimento de 15,80% da população rondoniense, superando as médias de outros estados, especialmente os do Centro-Oeste.

Em outubro de 1983, Teixeirão andava às turras com Modesto e Odacir, porque eles se uniam para derrotar Roriz na presidência do PDS. A carreira de Modesto no Senado também sofrera o impacto do acirramento de ânimos durante a corrida sucessória presidencial naquele período. Ele, Odacir Soares, e os deputados federais Assis Canuto, Francisco Sales, Rachid Jaudy, e Rita Furtado – todos do PDS – decidiam apelar ao então ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel, temendo o poderio do governador do estado, coronel Jorge Teixeira de Oliveira, que os acusara de traição e mandava um piloto de avião espalhar panfletos difamatórios no interior rondoniense. Os três senadores desautorizavam o governador a falar em seu nome.Teixeirão apoiava o ministro Mário Andreazza, porém, a bancada preferia Paulo Maluf no colégio eleitoral em 1985. Teixeirão e o presidente Figueiredo detestavam o ex-prefeito e governador paulista.

A trajetória de Modesto no Senado colocava a problemática migratória em discurso na tribuna; analisava a questão ambiental brasileira; apoiava cacauicultores e denunciava a precariedade das rodovias BRs 364 e 425. Reivindicava recursos do Sistema Financeiro de Habitação, investimentos em energia elétrica; denunciava arbitrariedades na Secretaria de Segurança Pública e condenava a discriminação remuneratória aos servidores da Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam), cujo trabalho fora tão heroico quanto o dos soldados da borracha.

Apelava ainda ao presidente da República, João Figueiredo, visando ao enquadramento dos servidores atingidos pelo decreto-lei nº 2.161/94. Em 1986 assumia a vaga de Modesto seu suplente, Flávio Donin.

Impõe-se no rol das biografias dos construtores de Rondônia o nome desse técnico do Incra com atuação Ji-Paraná, logo ao desembarcar no velho território em 1974. Naquela mesma época, estendia suas atividades ao vizinho Estado do Amazonas. A convite de Teixeirão, coordenava o Incra entre 1979 e 1982. Migraria para o PDT e para o PMDB, antes de disputar novo mandato pelo PFL em 1986, mas não se reelegera. Sua última cartada ocorreria em 1990, buscando uma vaga de deputado estadual pelo PRN de Fernando Collor de Mello. Não deu. Aí, ele retornava de malas e bagagem ao Incra, ocupando cargos na superintendência do instituto em Rondônia.

Durante o governo de Teixeirão, Modesto coordenava o Incra quando ainda vigoravam famigeradas AOS (autorizações de ocupação). Assim, não escapava de conhecer resultados de investigações sobre funcionários manchados desde anteriormente por irregularidades e corrupção. No entanto, fora ator do começo de uma reforma agrária ousada, pois destinava a cada homem casado e com família, um lote de cem hectares de terra. Generosidade vista em tempos de ocupação da fronteira oeste brasileira e, de certa forma, incomparável com a realidade atual.

NOTA
O ex-senador morreu no dia 29/09/2013 em Campo Grande (MS), onde seu corpo foi velado e sepultado. O senador Valdir Raupp (PMDB-RO) manifestou na tribuna pesar pelo falecimento de Galvão Modesto.

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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