Domingo, 23 de abril de 2023 - 11h26
Em 1979, quando tinha um pequeno escritório de planejamento rural numa edícula da sede da Imobiliária Moreira Mendes, me recebeu para uma entrevista. Ali unimos ideais e formalizamos laços políticos.
Na sequência, esse cearense nascido em Caririaçu ajudava a Amazônia a organizar o PT, responsabilizando-se pela criação do Diretório Municipal de Porto Velho. Ao mesmo tempo, auxiliava na organização do Diretório Estadual, numa missão espinhosa, pois o estado já estava totalmente dominado por aliados ao governo e os próprios grotões emedebistas sentiam esse peso.
Foi o filiado nº 1 e, segundo lembra Bernardo Lopes, mestre Ataíde, de quem poucos hoje se lembram, também estava entre os primeiros do livro de estreia.
Zé Neumar tinha o dom da palavra e da negociação com as Igrejas Católica e Evangélica de Confissão Luterana, braços fortes no início do Partido dos Trabalhadores por aqui. Fazia amizade com padres jovens e velhos, nada lhe impedia de chegar à cúpula eclesial, e depois aos militantes dos Partidos Comunistas (o do Brasil, PC do B); o Comunista Brasileiro, pecezão; e o Comunista Revolucionário, PCBR). Siglas que trabalhavam quase silenciosamente – e havia motivos para tanto –, mas não tinham ainda representantes eleitos.
Rondônia é igual aos Estados Unidos: sempre teve comunistas, mas os vitoriosos sempre foram democratas e republicanos. Mesmo assim, há histórias fenomenais de comunistas capazes de organizar lideranças políticas, casos de Antônio Barbosa, Cloter Mota, Dionísio Xavier, João Lobo, entre outros em Porto Velho. Cada qual foi protagonista a seu tempo.
Antes de morrer, o legendário líder do Pecezão, Luiz Carlos Prestes, visitou Porto Velho e foi recepcionado pela direção do PT, Zé Neumar presente.
O petismo surgira de outras sementes, com características próprias urbanas, quadros e feições paulista, nortista, nordestino, sudoestino e sulista, e até incorporou diversos comunistas Brasil adentro.
Na floresta amazônica foi único, muito embora na campanha eleitoral de 2018 uma tropa de propagadores de mentiras confundiu alhos com bugalhos e espalhou que o PT fosse comunista.
Incansável, Zé Neumar organizou sindicatos de trabalhadores rurais e filiou-os à Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), da qual exerceu o cargo de delegado desde o extinto território federal.
As primeiras organizações sindicais de trabalhadores rurais surgiram por suas mãos, antes da chegada do MST, MCC, LCP e outros movimentos.
Com Odair e outros filiados do partido em Cacoal e Pimenta Bueno, ele organizou a vinda do líder metalúrgico José Ibrahim [aquele da greve na Cobrasma em Osasco, no ano de 1969 e que se exilou no Panamá] e do então sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva a Rondônia.
Nério Bianchini oferecia um café da tarde com bolos e frutas em sua casa em Cacoal. Lula exclamava: “Companheiro Nério, ah! se todos os brasileiros tivessem essa fartura todo dia” – elogiando o cardápio.
O Encontro do PT realizou-se numa pequena serraria em Pimenta Bueno, na qual José Ibrahim compartilhou seus conhecimentos e muito fervor na organização de um partido recém-nascido.
Em Pimenta Bueno, num dos raríssimos comícios do PT, Lula puxava a nós todos pelos braços para subir na carroceria do caminhão, na medida em que o locutor anunciava o nome de cada um.
Zé Neumar aqui e João Maia no Acre escreveram capítulos de luta na busca da reforma agrária e na peleja de antigos seringueiros pelo direito a provar que um dia foram sacrificados na extração do látex. Seringueiros não tinham carteira de trabalho e o muito que guardavam eram velhas folhas de embrulhar pão escritas a lápis ou a caneta, nas quais anotavam o quanto deviam na cantina e o quanto tinham a receber.
Treze anos antes da chacina de Corumbiara, Zé Neumar e Odair Cordeiro organizaram um movimento em Porto Velho para libertar os religiosos Oto Ramminger e Olavo Nienow, que foram presos com o sindicalista (depois vereador) Francisco Cesário na ocupação da Fazenda Cabixi.
Presos incomunicáveis em Ji-Paraná, os três ganharam liberdade após a sentença do Tribunal de Justiça de Rondônia, que praticamente derrubou a famigerada Lei de Segurança Nacional, na qual procuraram enquadrá-los.
O advogado Orestes Muniz teve especial papel na defesa de Ramminger, Nienow e Cesário. Em Porto Velho, os militantes Ernande Segismundo, o advogado Heitor Lopes, Bernardo Lopes Bonfim Cabral, Odair, Chico Guedes, Josias Gomes, Carlos Macedo, o Mado, Cristina Ávila, Verônica Guedes, eu, entre outros, panfletamos a cidade pedindo liberdade para “os presos de Cabixi.”
Pouco tempo depois, o trabalho escravo em fazendas de Cerejeiras tirava o sono de Zé Neumar. Ele chamou jornalistas àquela cidade, onde constatamos meninos com cabeças e calcanhares raspados, feridos, sedentos e famintos sentados ou agachados numa pequena praça.
Essas criaturas foram logo recolhidas pela Paróquia até que o Ministério Público providenciasse recursos para que voltassem ao estado vizinho. Muitos eram de Mato Grosso e haviam fugido do trabalho escravo comum na região do Guaporé.
E assim sucederam-se algumas histórias com a participação desse ser que hoje nos deixa: José Neumar ajudou Odair Cordeiro a organizar a Associação dos Trabalhadores na Construção Civil (Astracor); levantou-se de madrugada para organizar a Feira Popular Contra a Carestia, que se realizava na sede do partido, na Rua Afonso Pena; fundou a Sociedade Rondoniense de Direitos Humanos, cujas reuniões aconteciam numa pequena sala da Paróquia Nossa Senhora das Graças, sob a luz e a bondade do padre Mário Fioravanti, da Ordem Comboniana.
Diante do rolo compressor do coronel Jorge Teixeira, com a faca, o Incra, prefeitos e o queijo na mão, a espada sobre nossas cabeças caiu rapidamente.
O governador Teixeirão e seus três candidatos ao Senado Federal, todos vitoriosos, juntamente com a bancada na Câmara dos Deputados, colocaram o PDS no poder no início do novo estado.
Os diretórios municipal e estadual fizeram desfilar nomes conhecidos, notadamente no Interior, caso de Agmar Piau (Jaru) e Vera Travain (Ouro Preto do Oeste), primeiros a se elegerem prefeito e vereadora. Outros vieram na sequência.
Em 1982 Zé Neumar saía candidato a deputado federal. Em 1985 concorria à Prefeitura de Porto Velho, ficando em terceiro lugar, com 2.449 votos (4,63% do total). Esteve em outras disputas e nunca se negou ao diálogo com “novos companheiros”, a fim de fortalecer candidaturas em melhores condições de receber votos.
Candidato a governador em 1998, Neumar percorreu parte do Estado de ônibus durante sua campanha eleitoral. Deixo de mencionar outros períodos da vida política do líder petista, porque não os vivi: havia me mudado para Cuiabá, São Luís, Maringá e Foz do Iguaçu, onde trabalhei depois do meu primeiro período em Rondônia. No entanto, o leitor que acompanhou o trabalho dele saberá identificar quais foram.
Em 2005 o governo federal nomeou-o gerente regional do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam). Em sua íntegra história política, doou-se a nobres causas, na condição de agrônomo e professor. Sua ex-mulher, Nancy Moroz Silveira, deu-lhe dois filhos, atuando também na fundação do PT.
Nancy foi servidora do Ministério da Saúde em Foz do Iguaçu (PR) e Curitiba (PR). Nos anos 1990, ele casou-se com a professora e pianista cubana Llitsia Moreno.
Zé Neumar deixou marcas. Mobilizou, compartilhou, construiu e foi solidário.
Marcas do que se foi, Sonhos que vamos ter /Como todo dia nasce novo em cada amanhecer – assim diz a música.
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