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Montezuma Cruz

Incra o maior Latifundiário do mundo


MONTEZUMA CRUZ -  E o Incra virou o maior latifundiário do mundo.  Militares reservam faixa de 100 quilômetros em cada lado das estradas federais; situação é corrigida em 1977. 

Um decreto assinado em 1º de abril de 1971, sob a ditadura do general Emílio Garrastazu Médici (o 3º presidente do regime militar), tirou do controle dos estados amazônicos 75% das terras devolutas (3,1 milhões de quilômetros quadrados) no País. Com o domínio sobre 350 milhões de hectares, na década de 1970 o Incra se viu colocado na difícil situação de maior latifundiário do mundo.
Inspirado na doutrina de segurança nacional, o decreto-lei nº 1.164, com apenas seis artigos, provocou a mais drástica transformação na política agrária na Amazônia. “A história desse decreto sempre foi contada como se tratasse de uma fábula ou uma peça de mau gosto. Dizem alguns funcionários do Incra que, por um erro da datilógrafa que bateu o texto, a faixa de terras incorporadas ao controle do instituto, de cada lado das rodovias federais da Amazônia Legal, esticou de 10 para 100 quilômetros”, contou o jornalista Lúcio Flávio Pinto no Informe Amazônico , editado em 1981.
A situação só foi corrigida em 1977, com a argüição de inconstitucionalidade feita pelo deputado federal Jader Barbalho (PMDB-PA). Ele apresentou um projeto de lei reduzindo a faixa federal de 100 para 25 quilômetros, exigindo uma indenização ao estado pela perda do patrimônio fundiário e o reconhecimento do direito do governo estadual continuar executando seus programas de colonização.
Sem protesto dos estados atingidos pela medida, o erro da datilógrafa foi bem recebido pelo Incra, sancionado e posto em execução. “Só a coincidência da edição do decreto com o dia da mentira é capaz de suscitar uma versão dessas; de fato, ela não merece a menor credibilidade”, analisava o jornalista.
Incra o maior Latifundiário do mundo - Gente de Opinião
Golbery orientou o Conselho de Segurança Nacional / GEOCITIES
Ato de Golbery
Declarava “indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento nacional terras devolutas situadas na faixa de 100 quilômetros de largura, em cada lado do eixo” de 17 rodovias federais “já construídas, em construção ou projeto na Amazônia Legal (que abrange 500 milhões de ha).
Assim, estavam imediatamente federalizados 350 milhões de ha, mesmo que algumas faixas se situassem ao longo de estradas que jamais sairiam da prancheta de um desenhista”, observava o jornalista.
Diante das sucessivas cobranças de indenização feitas pelo Pará, o então chefe da Casa Civil da Presidência da República, general Golbery do Couto e Silva, acionou o Conselho de Segurança Nacional (CSN) para interpretar o decreto 1.164. O conselho fundamentou-se na própria Constituição para defendê-lo. No artigo 4º, que inclui entre os bens da União “as áreas consideradas de interesse para a segurança e o desenvolvimento nacionais”.
Os militares rechaçaram o pedido de indenização, alegando que o decreto não expropriara as terras. O que ocorreu, conforme o CSN, foi simplesmente uma “sub-rogação nos direitos do Estado, a qual passou a figurar como proprietária, a título originário, desses bens, por imposição constitucional”.
“Funcionários do Incra garantem que esse documento existe, mas essa é mais uma história semelhante à do erro da funcionária que datilografou 100 no lugar de 10 quilômetros”, comentou o jornalista.
Improdutivos
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Médici tirou da Amazônia, 75% do controle das terras devolutas /PR
O presidente da Comissão de Terras Devolutas do Incra em Rondônia, Amir Lando, defendia a reforma agrária com base no Estatuto da Terra, aprovado pelo marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, o primeiro presidente da ditadura militar.
A CPI constatou que latifúndios improdutivos por definição eram responsáveis por mais de 70 milhões de ha de áreas aproveitáveis no País, no entanto, sem qualquer tipo de exploração econômica. Correspondiam às áreas terrestres dos estados de Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe, juntos, ou então, o equivalente à soma das áreas dos estados do Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo.
A Lei nº 3.081, de 1955, já modificara o processo discriminatório, tornando-o exclusivamente judicial para os estados e judicial e administrativo para a União. Somadas as terras devolutas nos territórios federais com as federalizadas, passaram ao aparente controle nominal do Incra. Foram terras herdadas dos vínculos de Rondônia com Mato Grosso e Amazonas, no século passado.
Com uma série de deficiências, Lando exercera até 1975 o cargo de presidente da comissão, criada em 1971 por meio de convênio celebrado entre os ministérios da Agricultura e do Interior, Incra e Governo do Território Federal de Rondônia. Por falta de pessoal, o Serviço de Patrimônio da União (SPU) nunca interveio na questão agrária.

“Comissão do eu sozinho”
Incra o maior Latifundiário do mundo - Gente de Opinião
Castelo assinou o Estatuto da Terra /PR
O grupo deveria ter três membros, mas nunca se completou: “Ora faltava um membro, ora outro, e durante muito tempo fui eu o único membro e presidente da comissão”, lembra Lando. Essa situação fazia acirrar as relações entre o governo territorial, a Funai e o Incra. Contudo, de posse de grandes glebas, o Incra não protelou e lançou sobre elas os projetos de colonização.
Em 1969, Lando redigia um abaixo-assinado com 400 assinaturas de seringueiros, no qual pediam a proteção do governo. “Seringueiros ou seringalistas foram os pioneiros que abriram as primeiras clareiras nas matas rondonienses. Não os distingo muito, porque eles foram sócios de uma mesma sina”, ele justificava em depoimento à CPI da Terra.
No entanto, em Rondônia não passaram de 15 os processos de seringalistas de áreas superiores a 12 mil ha. Para cada membro do grupo familiar que participava da extração do látex — matéria-prima usada na fabricação da borracha — a comissão destinou três mil ha, dentro do limite constitucional; na faixa de fronteira, 2 mil ha.
No Acre a situação ficou difícil. Ninguém aderiu e se convenceu com os padrões considerados adequados pela comissão. Apenas três ações anulatórias foram
adotadas num plano-piloto que despertou a ira dos investidores do Sul.

NOTA 
A CPI do Sistema Fundiário em 1977 teve 63 audiências públicas e igual número de depoimentos de religiosos, empresários, sociólogos, advogados, técnicos e de dois jornalistas. Na defesa dos posseiros atuavam a Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Igreja Católica, e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).
   


Fonte: MONTEZUMA CRUZ - Agenciaamazonia é parceira do Gentedeopinião

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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