Sábado, 20 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Montezuma Cruz

Ezequiele, um morto que fala


Ezequiele, um morto que fala - Gente de Opinião

Entregamos um jovem e recebemos um morto, mas é um morto que fala e continua pregando através da repercussão desse fato, e temos certeza que ele está no Céu depois dessa vida de doação.

 

 Hoje, 24 de julho, faz 35 anos o assassinato do missionário comboniano* Ezechiele Ramin, que morava em Cacoal e se dedicava a defender indígenas e posseiros naquela região.


 Essa mensagem fora enviada de Pádua (Itália) pelos pais do padre Ezechiele Ramin, tão logo receberam a notícia da morte dele, aos 32 anos, no chão da porteira de uma fazenda na divisa de Mato Grosso com Rondônia. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cacoal, Adílio de Souza, também foi ferido, mas escapou.

 

Uma semana antes do acontecido, o repórter esteve com Ezechiele no distrito de Riozinho [antiga sede do posto indígena da Funai com jurisdição sobre a região do Aripuanã]. Ele estava animado com o trabalho da Igreja Católica intitulado “O lavrador entra na Constituinte”. A nova Constituição Brasileira seria aprovada em 1988, três anos depois da morte do padre.

 

Em 24 de julho de 1985 o governador Ângelo Angelim colocava a polícia civil no encalço dos assassinos de Ezechiele, investigando a cena da tocaia na Fazenda Catuva, no município de Aripuanã (MT). Dias depois, os participantes da execução a tiros de carabina Winchester seriam presos.

 

A camisa ensanguentada e toda furada de balas ficou horas na delegacia regional de Ji-Paraná, onde “acampei” 48 horas, à espera das investigações.

 

Depois de velado numa procissão pelas ruas de Cacoal, o corpo do padre foi enviado para Pádua (Itália) e sepultado pela família. Os assassinos, jagunços a serviço dos fazendeiros, foram levados para a Penitenciária do Carumbé, em Cuiabá.

 

Segundo o padre comboniano Pedro Bracelli, a Comarca Cuiabá julgou dois processos. Condenado, um dos mandantes fugiu. Poucos meses depois da morte de Ezechielle houve um desafio entre colonos e fazendeiros, e um deles, Omar Pires Bruno**, denunciado como responsável pelo assassinato, morreu numa emboscada, na própria fazenda.


POBRES MATANDO POBRES


Diz o site Missionários Combonianos:  "Naquele tempo, eram muito comum os pistoleiros. Matar gente, para alguns, havia se tornado uma profissão que rendia uma diária maior do que o trabalho do campo. Os pistoleiros eram contratados, de maneira sigilosa, entre os próprios trabalhadores rurais. Portanto, podemos afirmar que os poderosos usavam os pobres para matar aos mesmos pobres, a fim de manter seus interesses egoístas e gananciosos de acumular terras e criar fazendas".


3 - livro

Nas páginas 68 a 72 do meu livro Do jeito que vi, descrevo a violência contra indígenas e posseiros em 1985, nos capítulos: “Morto, padre Ezechiele vira símbolo” e “Matavam por 300 mil cruzeiros”

______

 

* Pertencente à Comunidade Missionária Comboniana, da Igreja Católica. Essa comunidade foi fundada por Daniel Comboni, que deu a vida pela África e foi canonizado pelo Vaticano, tornando-se um dos santos da Igreja. Missionários Combonianos chegaram ao Brasil em 1952.


** 
Omar Pires Bruno foi morto a tiros de espingarda calibre 20, em 6 de novembro de 1985, quando levava comida para seus peões. Com ele também morria o capataz Ademar de Oliveira Souza, a tiros de revólver calibre 38. Os pistoleiros Deuzélio Fraga, 29 anos na época, e Altamiro Flauzino, 22, cumpriram pena em Cuiabá, condenados pela morte do padre. Mandantes do crime não chegaram a ser presos.


Conheça o martírio do Padre Ezechiele. Clique aqui

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoSábado, 20 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Do “cemitério de processos” à fedentina forense, advogados penavam

Do “cemitério de processos” à fedentina forense, advogados penavam

Muito antes das modernas sedes do Fórum Criminal de Porto Velho e do Tribunal de Justiça de Rondônia, a história da rotina de atendimento no antigo

Aplicativo revelará conduta afetiva em casos psicológicos ou de violência

Aplicativo revelará conduta afetiva em casos psicológicos ou de violência

Um aplicativo de fácil acesso popular para o registro de antecedentes de conduta afetiva, em casos de violência de natureza física ou psicológica fo

Processos sumiam com facilidade no Fórum da Capital

Processos sumiam com facilidade no Fórum da Capital

Numa caótica organização judiciária, apenas duas Comarcas funcionavam em meados dos anos 1970. A Comarca de Porto Velho começava no Abunã e terminav

Filhos lembram de Salma Roumiê, primeira advogada e fundadora da OAB

Filhos lembram de Salma Roumiê, primeira advogada e fundadora da OAB

A exemplo de outras corajosas juízas e promotoras de justiça aqui estabelecidas entre 1960 e 1970, a paraense Salma Latif Resek Roumiê foi a primeir

Gente de Opinião Sábado, 20 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)