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Montezuma Cruz

Explorados e no prejuízo, indígenas esperam justiça


 

Explorados e no prejuízo, indígenas esperam justiça - Gente de Opinião



MONTEZUMA CRUZ
Amazônias

ALTO ALEGRE DOS PARECIS, Zona da Mata (RO) – Além de pedras, cerâmicas e ossadas, invasores do território indígena ajuru exploram madeira, praticam pesca predatória e extraem palmito. Cedro, cumaru ferro e mogno são tombados dia e noite. Raridade, o cumaru está praticamente extinto. Alguns mateiros caminham dois a três dias para localizá-lo.

Explorados e no prejuízo, indígenas esperam justiça - Gente de Opinião

Leonice Tupari, Walda Ajuru e Rosinha Sakirabiá, mesmo sem o apoio da Funai e da polícia, acreditam que a presença do Iphan pode tornar visíveis indígenas que perderam territórios para fazendeiros /MONTEZUMA CRUZ

No ano passado, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) apreendeu na região de Vilhena mais de cinco toneladas de palmito, açaí e pupunha retirados em sua maior parte de terras indígenas. Está claro que há trabalho para diversas operações da Força Nacional, a partir de relatos do próprio Ibama, da Polícia Federal, do Serviço Reservado da Polícia Militar e dos próprios indígenas.

O mais doloroso no momento é a cooptação de lideranças. O povo miqueleno, por exemplo, é o mais frágil. Já constatou alguns representantes recebendo agrados de fazendeiros, entre os quais, dinheiro e viagens.

Anos 1980: tiros, espancamentos e humilhação. Comovida, Walda Ajuru descreve a via crúcis de sua gente, expulsa por fazendeiros apoiados pelo Incra, sob a conivência da Funai. Para ter certeza de que os índios tomariam o rumo de Ricardo Franco, fazendeiros fizeram acordo com o então administrador da Funai em Guajará-Mirim (fronteira Brasil-Bolívia), Dídimo Graciliano de Oliveira.
 

 
 

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Pedras com alguma preciosidade: cabe à PF investigar se os roubos se destinam à comercialização ou coleções /MONTEZUMA CRUZ



 

Jantar com tiros

– Os abusos aconteceram às vistas das próprias autoridades – lamenta a cacique. Lembra um fato: em 2002, enquanto representantes do Cimi e do Ministério Público jantavam em Porto Rolim, Vitor Hugo Zabala, o Diogo, disparou um revólver 38 contra um grupo de índios e fugiu numa moto. O indigesto jantar acabava ali. Os índios foram embora numa canoa, assustados.

– Diogo ainda disse que se quisessem ficar na área teriam que falar com o governador Cassol – lembra a cacique. Segundo um relatório do Conselho Indigenista Missonário (Cimi), cerca de 80% do território ajuru está nas mãos do ex-governador Ivo Cassol (PPS), agora eleito senador da República.

Um dia depois daquele atentado, policiais fardados vindos de avião pousaram numa pista próxima a Porto Rolim, enquanto os indígenas participavam de uma assembléia. Consumiram diárias e combustíveis, apenas para constatar a denúncia de que eles teriam quebrado o cadeado da fazenda. Era mentira.

A serraria de Rubens Restri funciona desde 1982, explorando madeira da terra indígena. A região ainda tem mogno, cerejeira, castanheira, cedro e angelim. Walda classifica de “desrespeitoso” o plano de manejo aprovado pela Funai e Sedam sem consultar os indígenas que já se manifestaram em assembléias sua contrariedade à pesca, extração de madeira e de recursos extrativistas de maneira predatória.

– Toda vez que algum de nós reclama e dizemos que voltaremos às nossas terras originais, eles dizem: vocês voltam, mas a justiça é lenta. Isso é um desaforo, não é?

Sem apoio policial, da Funai, notando a indiferença das autoridades regionais, três mulheres corajosas ainda estão esperançosas em que a presença de representantes do Iphan possa tirar-lhes do anonimato ao qual foram submetidos. Falar de índios isolados em Rondônia atualmente é um desafio de consciência.

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Milagrosamente, este raro exemplar de samaúma continua em pé. Mateiros não poupam espécies raras, nem aquelas cujo corte é proibido /MONTEZUMA CRUZ



 

Lugares sagrados violados

ALTO ALEGRE DOS PARECIS, Zona da Mata (RO) – Na mesma situação dos Tupari e dos Ajuru, encontram-se atualmente os povos Arara, Arikapu, Aruá, Gavião, Kanoé, Karitiana, Kaxarari, Kwazá e Makurap. Sofrem quase todos do mesmo mal: desde a chegada do Programa de Desenvolvimento Integrado do Noroeste Brasileiro (Polonoroeste), financiado pelo Banco Mundial, Rondônia promove revisões de demarcação das terras indígenas.

A pior conseqüência disso é que a maior parte dessas terras perdeu lugares sagrados, espaços nos quais há cemitérios, pedras e, supostamente, antigas e milenares oficinas de cobre.

O Cimi apoiou esses povos no pedido de revisão de seus limites territoriais, sob a justificativa de que a falta de espaço impede a sua reprodução física e cultural. Não é a toa que vem ocorrendo casamentos intertribais, como forma de preservação.

A angústia desses povos aumenta, na medida em que se sentem impotentes para expulsar mateiros, jagunços de madeireiros irregulares, pescadores, e garimpeiros. A Terra Cujubim está estrangulada: parte do território tradicional foi transformada em reserva extrativista e outra parte está ameaçada por um projeto de assentamento do Incra.

Em 2009, o grito indígena alcançou a Europa, quando sete representantes dos povos Aruá, Jabuti, Kanoé, Makurap e Tupari, que vivem nas terras indígenas de Rio Branco e Guaporé, viajaram para a Suiça, apoiados pelos museus etnográficos de Basiléia, naquele país; de Viena, na Áustria; de Berlim, na Alemanha; e do museu de Leiden, na Holanda.

Eles mostraram a cultura de cada etnia, trocaram conhecimentos com pesquisadores suíços, mas aproveitaram para denunciar a situação de cada um. (M.C.)

 

Temor de perder tradições e conhecimentos

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Ibama faz apreensões regulares quando recebe denúncias; terra indígena também virou alvo de palmteiros em Rondônia/DIVULGAÇÃO

 

ALTO ALEGRE DOS PARECIS, Zona da Mata (RO) – Segundo Leonice Tuí Tupari, 33 anos, o último pajé Tupari era Cassimiro, que morreu aos 105, em abril deste ano. Índios com idade até 30 anos vêm aprendendo muito a respeito da seca, da cheia, das plantas medicinais e dos antigos rituais de seus antepassados. Entre as plantas, por exemplo, algum futuro pajé sempre terá oportunidade de trabalhar com a surucuína, cujo extrato é usado naturalmente no combate e picadas da cobra jararaca.

– Nós não sabemos de onde viemos – diz Leonice, que mora na Linha Nove. Há pouco tempo ela se casou com um Suruí. Os Ajuru por sua vez unem-se pelo matrimônio com pessoas Canoé, Jaboti, Makurap e Oro Nao.

Outro conhecido por “grande pajé” responsável por curas espirituais foi Lourenço Ajuru, o “Pororoca”. Durante muito tempo, atendeu e ensinou doentes de outras terras. Brancos também aprenderam com ele.

– Será que vamos sobreviver? – pergunta Leonice, com leve sorriso.

Mas os pajés que significaram guarnição, segurança e conhecimento aos povos estão morrendo sem deixar substitutos à altura. Para a formação de pajé o jovem deve permanecer 30 dias na floresta sem comer carne e peixe. Alimenta-se apenas de gongos de palheira, amendoim e milho.

O uso de conhecimentos tradicionais ainda cura picadas de cobras, de arraia, outras doenças entre os Sakirabiá (ou Mequéns), povo pescador e caçador, cuja terra (107,5 mil ha) fica entre os rios Xupingal, São João, Mequéns, e Igarapé Espanhol, em Alto Alegre dos Parecis. Mulheres herboristas, parteiras e pajé seguem a medicina natural e dos rituais de cura. Agentes indígenas de saúde trabalham com a medicina alopática para combater as doenças mais comuns: diarréia, verminose, gripes e leishmaniose. (M.C.)

POVOS INDÍGENAS FORA DOS TERRITÓRIOS TRADICIONAIS

Aruá                               Aikanã                 Cabixi                     Tupari

Apurinã                              Arikapu                  Gavião       

 

POVOS INDÍGENAS SEM TERRA NO ESTADO DE RONDÔNIA

Atikum                 Cassupá             Massaká             Salamãi     

Cujubim              Jaboti                 Miqueleno          Wayoró

Canoé                Kampé                 Puruborá            Urubu

A Terra Indígena Rio Branco, habitada pelos Arikapu, Aruá, Canoé, Jaboti, Kampé, Tupari e Makurap, foi homologada pelo decreto 93.074, de 6/8/1986 e possui a extensão de 293.137 hectares. Abrange parte dos municípios de Alta Floresta do Oeste, São Francisco do Guaporé e São Miguel do Guaporé.

FONTE: CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO  (CIMI)

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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