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Montezuma Cruz

Amazônia arde, 19 anos depois da morte de Chico Mendes


MONTEZUMA CRUZ – Hoje faz 19 anos que o líder seringueiro Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes, foi assassinado a tiros no quintal de sua casa, em Xapuri, no Acre. Ele morreu em 1988, quando diversos proprietários rurais, inconformados com a possibilidade de uma reforma agrária e a criação de reservas extrativistas, organizaram no estado a União Democrática Ruralista (UDR).

Chico lutava por uma vida digna no campo e nos seringais, no entanto, passadas quase duas décadas de sua morte, o sonho não se concretizou: a miséria campeia na Amazônia, em cujas fazendas ainda existe trabalho escravo e líderes sindicais e religiosos são mortos em tocaias.

A própria família dele continua vítima de uma situação inadmissível, se forem considerados os feitos de Chico e a repercussão mundial obtida na época pelos empates de derrubadas promovidos pelos seringueiros liderados por ele. Até hoje, a viúva llzamar Gadelha Mendes e os filhos do casal, Elenira e Sandino, lutam para conseguir uma pensão do INSS. A causa vem sendo defendida pelo advogado Pedro Paulo Castelo Branco, em Brasília.

No chamado nortão mato-grossense, conforme a Agência Amazônia noticiou recentemente, promotores de justiça estudam uma forma de punir o excesso de queimadas, desta vez, por causarem a lotação de hospitais com vítimas de infecções respiratórias.

"A Amazônia está ocupada. Em todos os cantos, há populações indígenas, há pessoas que trabalham, que colhem o látex e, ao mesmo tempo, lutam pela conservação da natureza. Enquanto houver indígenas e seringueiros na Floresta Amazônica, há esperança de salvá-la", pregava Chico. Nesse aspecto, a previsão do líder se concretizou: o País possui 35 reservas extrativistas com população aproximada de 26 mil pessoas em 7,16 milhão de hectares, segundo dado o Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações Tradicionais (CNPT). Algumas dessas reservas resultaram da luta de outra população da Amazônia: os ribeirinhos. 

Novas frentes, mais fogo

Amazônia arde, 19 anos depois da morte de Chico Mendes - Gente de Opinião
Combater queimadas era uma das preocupações de Chico Mendes / DIVULGAÇÃO
Se estivesse vivo, Chico não se sentiria bem diante da tela do computador mostrando as páginas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, da Embrapa Monitoramento de Queimadas e do Ambiente Acreano, um blog que reúne cientistas e pesquisadores em Rio Branco. 

A Amazônia arde, inclusive em Xapuri, atesta a Embrapa, que registra a ocorrência de queimadas na região, com dados fornecidos pelo satélite NOAA-AVHRR,  captados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais ( Inpe): o Acre teve 905 focos em 2004, e 4.745 em 2005, registrando-se uma evolução de 3.840 focos, numa variação de 424,31%. Sua vizinha Rondônia somou 18.302 focos em 2004; 24.877 em 2005, com evolução de 6.575 no biênio 2004-2005 e variação de 34,92%. No Amazonas, a variação alcançou 168,13%.

São as queimadas que indicam a expansão ou retração das atividades pecuárias, de produção de grãos ou de exploração de madeira na Amazônia. Entre janeiro e dezembro de 2005 foram detectadas 161.374 queimadas na Amazônia Legal. No ano anterior, 166.429.  Houve um decréscimo de 3,04%. Não estabilizou. Áreas nas quais houve aumento, diminuição ou manutenção na intensidade de queimadas em 2005 podem ser analisadas por estados.

A situação do Acre e do Amazonas é explicada pelo surgimento de pelo menos dez novas frentes pioneiras de agricultura e exploração florestal, além de mudanças no uso das terras. Entre os problemas destacam-se a ampliação de áreas de pastagens e as ocupações especulativas de terras a partir da consolidação da ligação rodoviária entre o Acre (no município de Assis Brasil) e o Peru (em Inãpari).

O monitoramento por satélite mostra que, entre 1978 e 2005, o desflorestamento da Amazônia ultrapassou 500 mil quilômetros quatrados, prosseguindo no início do século XXI a um ritmo médio superior a 20 mil quilômetros quadrados por ano. Dados do IBGE também indicam que a produção madeireira florestal gera renda de R$ 5 bilhões, 127 mil empregos diretos e 105 mil empregos indiretos.

Saúde precária

A oferta de leitos nos hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) na Região Amazônica é a pior do Brasil. No Estado do Amazonas, por exemplo, só há 1,6 leito a cada mil habitantes. No interior dos Estados, em vilas e seringais, é praticamente impossível o acesso aos serviços médicos. A população se vê obrigada a longas e perigosas viagens para buscar socorro médico. No início do seu mandato, o senador Tião Viana (PT-AC), que é médico, revelou ter colaborado para que mais de 30 profissionais cubanos se estabelecessem no Acre. Também faltam médicos em Rondônia, no Amazonas e Mato Grosso. 

E Darly volta para casa

Amazônia arde, 19 anos depois da morte de Chico Mendes - Gente de Opinião
Fazendeiro Darli Alves foi condenado como mandante /DIVULGAÇÃ
Os dados do Inpe se fazem acompanhar do dissabor da população de Xapuri, a 153 quilômetros de Rio Branco, capital acreana. Sua gente está revendo o mandante do assassinato de Chico, o fazendeiro Darly Alves da Silva, 72, anos, que retornou à cidade por determinação da juíza da Vara de Execuções Penais, Maha Kouzi Manasfi e Manasfi. Ela atendeu ao pedido de prisão domiciliar de 90 dias, solicitado pelo advogado de defesa, Heitor Andrade Macedo.

Alega-se que Darly está com gastrite crônica e necessita de cuidados médicos especiais. Desde agosto do ano passado, ele cumpria pena no Presídio Estadual de Rio Branco, a pedido da Justiça Federal de Santarém (PA), onde fora condenado a dois anos e oito meses de prisão e ao pagamento de multa por uso de documentos falsos em um empréstimo feito no Banco da Amazônia (Basa), no período em que ficou foragido, entre 1993 e 1996. 

A prisão domiciliar de Darly será cumprida integralmente na Fazenda Paraná, na estrada de acesso a Xapuri, onde foi tramada a morte de Chico.


           FOCOS 2004     FOCOS 2005    EVOLUÇÃO           VARIAÇÃO (%)

AC           905                4.745                   3.840                     424,31
AM        1.842                4.939                   3.097                    168,13
MA      18.302              24.877                   6.575                      35,93
RO      13.205               17.816                   4.611                      34,92

A resistência fortalecida com os empates

BRASÍLIA – Os seringueiros do Acre fizeram resistiram ao avanço do latifúndio da pecuária. Organizaram-se e, em 1975, colocaram em prática a estratégia dos empates, uma reunião na qual impediam o desmatamento por meio do diálogo e do seqüestro de motosserras e de outros instrumentos de trabalho dos peões a serviço dos fazendeiros.

O Acre viveu uma série de conflitos, que se repetiram em outras regiões da Amazônia. Em 1980 mataram o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, Wilson Pinheiro. Oito anos depois, mataram Chico Mendes.

Amazônia arde, 19 anos depois da morte de Chico Mendes - Gente de Opinião
Gergório Filho, Chico Mendes (C) e Marina Silva durante encontro em Xapuri /DIVULGAÇÃO
Das conquistas de Chico, a mais notável foi o projeto que conjugava a preservação da floresta com a melhoria da qualidade de vida dos seringueiros, na educação, na saúde e em outras dimensões de sua existência. Nasceu a proposta da criação das reservas extrativistas, cujas características se fundamentavam na conquista das áreas coletivas cedidas pelo Estado a organizações populares responsáveis pela preservação da floresta; promoção da diversidade extrativista (borracha, castanha, cupuaçu, óleo de copaíba, madeira certificada), e organização do trabalho de cooperativas de extração, na industrialização e na comercialização de produtos da floresta.

O projeto inovador passou às mãos do Conselho Nacional dos Seringueiros, criado com a missão de articular e assessorar grupos interessados na organização e reconhecimento de reservas extrativistas em toda a Amazônia. Um ano após a morte de Chico, em 1989, sob a ameaça da desertificação – da qual já se falava naquela década – surgiu a Aliança dos Povos da Floresta, entre povos indígenas e os povos extrativistas. Ficou conhecida como a aliança entre o cocar – representativo das culturas indígenas – e a poronga – representativa da vida dos seringueiros.

No começo do terceiro milênio, são os ribeirinhos amazônicos que empreendem uma nova luta. Querem a regularização fundiária das terras de ilhas e várzeas. E estão se fortalecendo.


Realidade social da Amazônia em números

▪ A expectativa de vida na Amazônia é de 68 anos; três anos a menos do que a média nacional.

▪ As crianças de até 7% de idade constituem 20% da população (14% no restante do Brasil).

▪ Menos de 40% dos partos são precedidos do necessário pré-natal; 30% das mulheres ficam grávidas com menos de 20 anos.

▪ Mais de 13% da população ainda não é alfabetizada.

▪ A maioria das comunidades do interior não tem acesso a todas as séries do Ensino Fundamental.

▪ Um grande número de famílias vive com até meio-salário mínimo. Essa situação atinge, por exemplo, uma em cada três famílias no Tocantins.

{mosgoogle}▪ A Amazônia está incluída entre as áreas nas quais os casos de AIDS têm crescido assustadoramente. É alarmante, também, o crescimento de casos de hanseníase, de malária, de febre amarela e alta mortalidade infantil.

▪ 14% da população não têm moradia.

▪ Até 2003, mais de 1 milhão de domicílios, na área rural, não tinham acesso à eletricidade.
▪ Apenas 11,70% dos domicílios do Norte são atendidos por redes de esgotos.

▪ 78,5% são atendidos por coleta de lixo; no Brasil, o índice é de 83,3%.

▪ Só 59,80% das casas têm água tratada. A Amazônia concentra 80% dos 20% de água doce superficial que o Brasil detém. 

Fonte: Montezuma Cruz - Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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