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Montezuma Cruz

A VEZ DO MATEIRO


 
Guia de campo dos pesquisadores
também merece o reconhecimento
 
 
MONTEZUMA CRUZ
AGÊNCIA AMAZÔNIA
 
Ele nem sequer tem o nome mencionado em revistas científicas internacionais, mas contribui decisivamente no dia-a-dia do pesquisador. Logo, deve ser reconhecido. Pelo menos por entidades científicas brasileiras, pelo Governo, pelo Congresso. Este último, tão useiro e vezeiro em celebrar feitos menores.
 
Graça Ferraz, chefe de Coordenação de Planejamento e Acompanhamento do Museu Goeldi e pesquisadora de Ciências Sociais pôs em discussão a aceitação do conhecimento das populações tradicionais pelo meio científico. Um pesquisador vai a campo, faz seu trabalho e publica sua pesquisa. A pessoa que guiou o pesquisador pela área, o guia de campo, tem direito de ser creditado na pesquisa científica como um dos autores?

Em sua tese Cientistas, visitantes e guias nativos na construção das representações de ciência e paisagem na Floresta Nacional de Caxiuanã, defendida em fevereiro no Programa de Pós-Gaduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará e Museu Goeldi, Graça Ferraz sustenta que o ribeirinho, por exemplo, conhece o melhor local para coletar um espécime ou instalar um equipamento. No entanto, deparou com a perplexidade dos pesquisadores, ao serem perguntados se dividiriam a co-autoria de um trabalho científico com os guias de campo.

Donos da verdade, auto-suficientes ao extremo? Gananciosos? Alguns sim, outros não. Sábios profissionais em diferentes áreas da ciência admitiram que se não tivessem a ajuda de um guia de campo suas pesquisas poderiam levar meses ou anos a mais para serem concluídas.

Não me limito ao território amazônico. Há meses ouvi do biólogo Ângelo Agostinho, do Núcleo de Pesquisas em Limnologia Ictiologia e Aqüicultura (Nupelia) da Universidade Estadual de Maringá (PR), que o ribeirinho das barrancas do Rio Paraná muito auxilia nas investigações sobre migração de peixes e, de uns tempos para cá, na mortandade de algumas espécies, possivelmente causada por dejetos químicos.  

A VEZ DO MATEIRO - Gente de OpiniãoConte-se que a ciência brasileira tem exportado conhecimentos. Inpa, Inpe e Embrapa são três dos melhores exemplos de que o País vai bem nesse campo, apesar de os recursos destinados à pesquisa serem exíguos.

Para iniciar tão polêmico mas indispensável e histórico trabalho, Graça Ferraz visitou comunidades no entorno da Estação Científica Ferreira Penna, na Floresta Nacional de Caxiunã. E ouviu também os pesquisadores que utilizam a estrutura da Estação, conforme noticia o Goeldi.

A pesquisadora trabalha nesse entorno desde 1996. Despertou-lhe a atenção a maneira como os conhecimentos dos ribeirinhos são repassados de pai para filho. Pergunta-se: pesquisadores fazem isso, em sã consciência? Ponderemos a respeito do direito autoral, tal qual existe na música, na reportagem, na peça teatral, e na própria tese científica. Como propõe o jornalista filósofo pantaneiro Tão Gomes Pinto: vamos pensar grande?

Há cinco anos ouvi do químico Augusto Silveira, da Universidade Federal de Rondônia, que a falta de recursos levou-os (ele, o colega Julio Facundo, e o Departamento) a recorrer à Universidade Federal do Ceará, para comprovar a eficácia de uma planta da Amazônia Ocidental usada no controle do Mal de Alzheimer. Evidentemente, eles e os cearenses dividirão brevemente esse conhecimento com os caboclos e índios da floresta rondoniense.

O guia de campo, gente não pode se resumir a um trampolim para que os sábios alcancem os seus objetivos na vida. Espera-se que esse passo significativo dado por Graça Ferraz seja um marco no reconhecimento à visibilidade para essas pessoas. Por merecimento e por justiça.

A última

Ironicamente já batizada de Bolsa Motosserra, entrará no ar e no seu lar, o novo pacote de medidas para a Amazônia. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cheio das boas intenções, garante que elas ajudarão na conservação da floresta.

Qual a principal e também polêmica medida? A que oferece crédito para produtores rurais dispostos a recuperar áreas desmatadas no passado, zerando o passivo ambiental. Desmatadas, registre-se, por imposição do próprio Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, durante a colonização da Amazônia. Quem viveu a época, sabe do que se trata.

A Embrapa e o Ministério do Desenvolvimento Agrário já estão convocados para dar assistência técnica aos fazendeiros que quiserem modernizar e melhorar a sua produção agrícola. Que se candidatem, pois, os usineiros de álcool interessados em erguer novas plantas no Acre. Ou os criadores de gado bovino despreocupados em que o aumento do rebanho produza metano em demasia.

A criação de crédito diferenciado, a tal Bolsa-Motosserra, atende a reivindicações de ambientalistas. A pergunta é: sufocaríamos a atividade madeireira predatória, tão combatida pela Operação Arco de Fogo nas derradeiras semanas, sem apresentarmos alternativas econômicas que tornem rentável a floresta em pé?

Fechar a porta da ilegalidade por meio de uma fiscalização muito intensa e ajudar quem quer transitar na legalidade é a meta do Ministério do Meio Ambiente. Quem viver, claro, verá.

Fonte: Montezuma Cruz - Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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