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Matias Mendes

VALE DO GUAPORÉ: A Questão Quilombola



O Vale do Guaporé, que no contexto territorial do Estado de Rondônia está abrangido pelas três subdivisões geo-fisiográficas entendidas como Alto Guaporé, Médio Guaporé e Baixo Guaporé, tem como principal herança histórica uma expressiva concentração de elementos da raça negra, descendentes de diferentes troncos tribais africanos, introduzidos na região guaporeana ainda nas primeiras décadas do século XVIII como mão-de-obra destinada à exploração e sustentação logística das minas de ouro do Mato Grosso, localizadas em arraiais  como de Nossa Senhora de Pilar, São Francisco Xavier, Santana, Lavrinhas e outros. Foi essa expressiva concentração de africanos puros dos primórdios e seus descendentes que ensejou o surgimento na região guaporeana de Quilombos como do Piolho e da Mutuca cuja erradicação foi muitas vezes tentada, algumas delas com aparente sucesso, mas nunca foi de fato conseguida.

 Cessados os interesses da mineração, pela suposição de que os veios auríferos estariam exauridos, a despeito da monumental infra-estrutura implantada na região guaporeana, notadamente a  Capital de Vila Bela da Santíssima Trindade e o imponente Forte do Príncipe da Beira, os mineradores brancos abandonaram a região no início do século XIX e muitos deles abandonaram também na região os seus escravos, elementos negros que se somaram aos numerosos escravos de há muito aquilombados por uma vasta área da região que se estendia de Vila Bela às cercanias do Cabixi e do Paraguá, nas proximidades das famosas Minas do São Simão. Em meados do século XIX, quando o explorador francês Francis Castelnau (aquele que julgava que os macacos-aranha eram indígenas de uma suposta tribo arborícola) percorreu a região, somente meia de brancos ainda viviam em Vila Bela.  Provavelmente apenas os negros habitavam os nascentes núcleos situados abaixo da antiga Capital do Mato Grosso nessa época., com exceção dos elementos indígenas, habitantes autóctones.

Nos anos que se seguiram ao fim da Guerra do Paraguai, na década de 1870, em razão do início do extrativismo da borracha, novos contingentes humanos foram direcionados ao Guaporé, entre os quais pontilhavam elementos pioneiros como o Capitão Antonio Rodrigues (Totó Rodrigues) e o lendário Balbino Antunes Maciel, cuja fabulosa fortuna amealhada durante o primeiro ciclo da borracha ainda hoje é objeto de admiração em muitas localidades do norte de Mato Grosso. Nessa época, em decorrência da dinâmica migratória característica do meio (sempre a favor da corrente do rio), a região do Médio Guaporé, compreendida entre a foz do Cabixi e a foz do São Domingos, já estava pontilhada de pequenos povoados como Pimenteiras, Rolim de Moura, Baía do Morro, Tarumã, Ilha das Flores, Pedras Negras e Santo Antonio, sem falar nos povoados brasileiros de Pescaria e Beira Nova, ambos situados na grande ilha boliviana do São Simão. No entanto, ao longo de mais de um século, o contingente de afro-descendentes do Guaporé foi olimpicamente ignorado pelos sucessivos governos republicanos, que nunca implantaram na região um projeto sério de distribuição e regularização de terras e nem qualquer outra política pública que se possa considerar de inclusão.
  
O processo de colonização desencadeado na década de 70 do século passado, no que tange ao Estado de Rondônia, introduziu na região guaporeana novas levas de migrantes, principalmente latifundiários tradicionais do Mato Grosso e de outros Estados do Sul e Sudeste . Tais contingentes migratórios, mais capitalizados, ocuparam os tradicionais redutos das antigas comunidades guaporeanas, sendo que uma expressiva parte das terras da região foi encampada pela Reserva Biológica do Guaporé criada no início da década de 80 do século passado. Os guaporeanos remanescentes dos antigos núcleos de povoadores foram relegados à condição de intrusos dentro de sua própria terra, muitos sendo compelidos a migrar para outras regiões do Estado para escapar à penúria imposta pelas restrições governamentais. Depois de alguns anos de absoluto abandono, afinal o povo guaporeano foi lembrado pelo governo petista para ser contemplado com políticas de inclusão inseridas na Constituição Federal há vinte anos. Além do atraso de uma geração, a medida governamental vem eivada de equívocos em relação aos redutos quilombolas do Guaporé, mas nada disso lhe tira a virtude de ser o primeiro passo no sentido de reparar as muitas injustiças cometidas contra o povo guaporeano, não obstante as infernais boas intenções...
 
Voltaremos ao assunto com o devido detalhamento.

Fonte: MATIAS MENDES

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