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Matias Mendes

TRAJETÓRIA: O Vaticínio do Mestre


Ao contrário do que muita gente imagina, aqui em Rondônia temos pessoas qualificadas que há muitos anos já produziam bons trabalhos de crítica literária na verdadeira acepção do termo, e não como alguns entendem o sentido da crítica por aqui, na maioria da vezes vertida no sentido de depreciar obras literárias consagradas pelo tempo. Para citar apenas algumas dessas pessoas com capacidade intelectual de praticar com correção a crítica literária, basta que lembremos de nomes como os mestres Edson Jorge Badra, Hélio Fonseca, Sandra Maria Magalhães Costa Castiel e Eunice Bueno da Silva. Por uma estranha coincidência, com todas essas pessoas eu mantive em momentos distintos alguma ligação de ordem intelectual muito próxima. O mestre Edson Jorge Badra, por exemplo, há exatos vinte e cinco anos, fez a apresentação do meu livro As Musas e o Perfil. O mestre Hélio Fonseca, lá pelos idos de 1986, fez parte do núcleo dos dez fundadores da Academia de Letras de Rondônia, entre os quais estavam também os professores Gesson Álvares Magalhães, Raymundo Nonnato de Castro, Abnael Machado de Lima, Vitor Hugo, José Valdir Pereira e Esron Penha de Menezes, o médico Ary Tupinambá Penna Pinheiro e o poeta José Calixto de Medeiros.

Na época da fundação da Academia de Letras de Rondônia, para que se tenha uma idéia, o médico Ary Pinheiro era o mais idoso e eu era o mais jovem integrante do grupo de fundadores. No caso de Sandra Castiel, ela foi a prefaciadora do meu livro Apologia da Negritude, no final da década de oitenta do século passado, sendo que eu prefaciei o seu livro de estréia Raízes de Rondônia no início da década de noventa. Já no caso de Eunice Bueno da Silva, a nossa ligação na área intelectual vem de mais longa data ainda e foi muito mais próxima e estreita. Ainda no ano de 1984, quando ninguém sequer sonharia que Rondônia poderia chegar ao patamar de ter poetas inseridos no rol dos maiores poetas nacionais, a professora Eunice Bueno e eu produzimos o primeiro ensaio literário local abrangendo todos os poetas e escritores em atividade no Estado naquele momento, livro intitulado Síntese da Literatura de Rondônia. Tempos depois, em criterioso trabalho de crítica, Eunice Bueno analisou minuciosamente o meu livro As Musas e o Perfil e classificou todos os poemas por tema, entre os quais estava aquele que me valeu a inclusão no rol dos grandes poetas brasileiros, classificação esta que será apresentada na segunda edição do livro em 2008. Mais tarde, Eunice Bueno escreveu o prefácio do livro de poemas A Lira do Crepúsculo, lançado em agosto próximo passado junto com Lendas do Guaporé a título de comemoração do meu jubileu de prata de militância literária.

Como se pode notar a partir desta introdução que consumiu praticamente todo o espaço da matéria em si, realmente jabuti não sobe em árvore e não foi por mero acaso que me transformei num autêntico jabuti encastelado no alto da copa de um frondoso assacu. Somente os tolos e apedeutas patológicos não perceberam tal trajetória. Embora tenha permanecido por quatorze anos sem publicar livros (1985-1999), em razão da prioridade conferida à educação das filhas, mantive nesse interregno uma intensa atividade jornalística que foi muito bem detectada dentro e fora do Brasil, menos em Rondônia. Como os franceses, com os quais aprendi a melhor parte do que sei da vida, ensinam que on ne doit pas donner  les perles aux porcs, depois de um episódio desagradável durante a edição do livro Síntese da Literatura de Rondônia, eu tomei a decisão de não mais aceitar patrocínio na edição de meus livros e nunca mais editar livros em Porto Velho, decisão que cumpri ao pé da letra a partir da edição do livro Eflúvios da Descrença, em 1985, obra da qual, em 1999, foram selecionados na França quatro sonetos para inclusão na antologia do final do milênio, intitulada Reflexos da Poesia Contemporânea do Brasil, França, Itália e Portugal. Há muita gente em Rondônia que não conhece nada a respeito desta história de sucesso do matuto que veio do Vale do Guaporé e que se propôs a cantar a sua aldeia para ser universal, seja lá de qual autoria for a origem de tal conceito.

No entanto, ao contrário do que pensam os monoglotas ressentidos, o mestre Edson Jorge Badra, com vinte e cinco anos de antecedência, já aventava a hipótese de que o matuto lá do Guaporé tinha qualidades para ser inserido entre os chamados grandes da literatura nacional, conforme manifestou no encerramento da apresentação que fez para o livro As Musas e o Perfil, como podemos conferir neste enunciado:

"Seria algum mecanismo de compensação em virtude de algum complexo? Não, não acredito. O Brasil – se ainda lhe resta, em pequena escala, algum preconceito de cor— na verdade valoriza o preto. Toda mulher amada é minha nega. Exaltam-se homens como Pelé, João do Pulo, Mílton Nascimento, Grande Otelo (como é adorado esse crioulo!), Gilberto Gil...

E um dia, quem sabe, Matias Mendes.
Leitor, guarde bem esse nome. Vale a pena."

Cela va sans dire que nunca concordei com o mestre Edson Jorge Badra no que tange à valorização do negro no Brasil, no entanto, respeitei o seu direito de emitir tal conceito e publiquei no meu próprio livro o seu texto integralmente, tal como será reeditado na segunda edição do livro no próximo ano, agora já reforçado pela confirmação de que o meu querido mestre acertou em cheio no seu vaticínio proferido há vinte e cinco anos... O vate, também nascido em Guajará-Mirim, educado nos melhores colégios e faculdades de Minas Gerais, foi simplesmente perfeito no seu vaticínio. Talvez por isso os poetas sejam também considerados um pouco profetas...

Fonte: MATIAS MENDES
Membro fundador da Academia de Letras de Rondônia.
Membro correspondente da Academia Taguatinguense de Letras.
Membro correspondente da Academia Paulistana da História.
Membro da Ordem Nacional dos Bandeirantes Mater.

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