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Matias Mendes

REVOLTAS REPUBLICANAS: O Brasil na República


Por MATIAS MENDES

O Brasil teve várias revoltas e revoluções durante o período do domínio lusitano e também durante o Império, inclusive revoluções de longa duração, como a Revolução Farroupilha, no Rio Grande do Sul, mais conhecida como Guerra dos Farrapos, que durou de 1835 a 1845, sendo necessário até que o Governo Imperial enviasse para comandar as tropas legalistas na Província do Rio Grande do Sul o mais notável oficial das tropas imperiais, o general Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias. Pacificada a Província do Rio Grande do Sul, não tardou muito para que o Duque de Caxias tivesse que ser deslocado para a Província do Maranhão para combater os revoltosos da Balaiada, liderados por João Balaio. Caxias, cuja notoriedade como Comandante de tropas havia sido conquistada na Guerra do Paraguai, conseguiu dominar os revoltosos do Maranhão e, paradoxalmente, entrou para a História não apenas como o Patrono do Exército Brasileiro, mas também com a famosa antonomásia de O Pacificador, conquanto a sua cruzada de pacificação do Sul ao Norte do Império tenha sido levada a cabo a ferro e fogo, na ponta da espada, única forma possível de debelar os movimentos revoltosos que poderiam redundar em separação de algumas regiões brasileiras.

Derrubado o regime imperial, em 1889, pela proclamação da República, o novo regime logo conheceu o efeito dos descontentamentos corporativos, em 1893, com a Revolta da Armada liderada pelos Almirantes Custódio de Mello e Saldanha da Gama, oficiais da Marinha descontentes com a ascensão do Exército no processo político da proclamação da República. Dominada a Revolta da Armada, que fracassou principalmente pela falta de apoio popular, logo a novel República do Brasil viu-se diante de um dos piores dramas da nossa História, a Revolta de Canudos, liderada por Antonio Conselheiro. O Exército conseguiu debelar a revolta ao custo de muitas perdas e algumas derrotas fragorosas diante dos sertanejos sem preparo militar. Erros crassos de avaliação e de estratégia complicaram seriamente as ações do Exército, conforme Euclides da Cunha (militar de formação) esclarece muito bem no seu livro Os Sertões. A destruição completa do arraial de Canudos deixou como herança amarga para o Exército Brasileiro uma eterna sensação de vitória de Pirro e um profundo arrependimento pelas atrocidades militarmente injustificáveis cometidas contra os matutos encurralados em Canudos.  Canudos entrou para a História Militar como um mau exemplo a não ser seguido e jamais ser repetido, fato que explica perfeitamente o comportamento das tropas brasileiros em outros episódios de enfrentamento ao longo da nossa História.

Mal cicatrizadas ainda as feridas dos sangrentos combates travados em Canudos, a República do Brasil voltou a ser sacudida, em 1910, pela revolta dos marinheiros contra as punições disciplinares da época, denominada como Revolta da Chibata, liderada pelo marinheiro João Cândido. A revolta foi sufocada mediante uma manobra política soez, que prometeu anistia aos revoltosos e não cumpriu a promessa depois que estes se renderam. As principais lideranças da revolta foram deportadas para Porto Velho nas piores condições de transporte, no navio Satélite, e quase todos pereceram nas mais diversas circunstâncias pelas florestas da região, em trabalhos penosos na Comissão Construtora de Linhas Telegráficas, conhecida como Comissão Rondon. Vale esclarecer que Cândido Mariano da Silva Rondon, à época Tenente-Coronel e Chefe da Comissão, nada teve a ver com o fim dos revoltosos deportados, como alguns ainda insistem em afirmar, sem qualquer embasamento de ordem documental.

Nos anos subsequentes à Revolta da Chibata, de 1914 a 1918, o mundo conflagrou-se com a eclosão da Primeira Guerra Mundial e os descontentamentos políticos, na República do Brasil, ficaram temporariamente adormecidos até 1922, quando estourou a Revolta Tenentista, liderada por jovens oficiais. O movimento em si foi de pouca duração, mas suas consequências subsistiriam no cenário político do país por várias décadas.

Logo em 1924, com relação ideológica direta com a Revolta Tenentista, eclodiu novo levante de tropas liderado por jovens oficiais, entre os quais o capitão Luís Carlos Prestes, envolvendo as Forças Públicas (atuais Polícias Militares) de São Paulo e do Paraná, que se alastrou em maior ou menor grau por vários Estados do Brasil. Foi durante esse movimento que o então Tenente Aluízio Pinheiro Ferreira desertou do Exército para juntar-se aos revoltosos no Sul do país, não conseguindo seu intento e permanecendo por três anos foragido na região do Guaporé, homiziado no seringal da família Casara, na região de Laranjeiras. O então general-de- brigada Cândido Mariano da Silva Rondon, na época o oficial general que mais conhecia o território brasileiro, foi designado para comandar as tropas legalistas no Teatro de Operações da Região Sul. Rondon cercou as tropas de Isidoro Dias e Luís Carlos Prestes, deixando-lhes como única saída a porta para os territórios estrangeiros vizinhos, que foi de fato por onde eles escaparam do cerco. Isidoro Dias abandonou a luta, mas Luís Carlos Prestes, à frente dos remanescentes dos seus seguidores, desprezando a magnanimidade do general Cândido Rondon que lhe permitiu a fuga para o Exterior, voltou ao território brasileiro por outros caminhos e empreendeu pelo país inteiro a histórica Marcha da Coluna Prestes, chegando até ao Nordeste, de onde voltou para internar-se em definitivo no território boliviano, de onde seguiu posteriormente para o seu longo exílio na União Soviética.

Poucos anos após a Revolução de 1924, que terminou sem consequências políticas de relevância, eclodiu no Rio Grande do Sul a Revolução de 1930, chefiada por Getúlio Dornelles Vargas e integrada por muitos militares participantes das revoluções de 1922 e 1924.  Denominada como Revolução de Outubro, o movimento expandiu-se do Rio Grande do Sul até a capital da República, o Rio de Janeiro, decretando a queda da chamada República Velha, que, na verdade, havia durado magros quarenta e um anos. Instalado no poder como chefe da Revolução, Getúlio Vargas deu início ao período de ditadura individual mais longo da nossa História.

No entanto, a despeito do governo ditatorial, logo em 1932, em São Paulo, eclodiu a Revolução Constitucionalista, que mobilizou tropas do país inteiro para combater contra as tropas paulistas, constituindo um dos movimentos mais sangrentos da era republicana. Sufocada a Revolução Paulista, logo em 1935 eclodiu o movimento militar denominado Intentona Comunista, com a participação de Luís Carlos Prestes, enviado, em companhia de Olga Benarios, diretamente da União Soviética para organizar o movimento armado. O movimento foi sufocado com o sacrifício de algumas vidas nos quartéis, sendo Luís Carlos Prestes capturado algum tempo depois, permanecendo encarcerado durante nove anos, enquanto que Olga Benarios, de origem judia, foi entregue por Getúlio Vargas ao governo nazista de Adolf Hitler. Olga estava grávida de Luís Carlos Prestes e a sua filha nasceu num campo de concentração alemão. Olga Benarios foi executada no campo de concentração pouco antes do final da Segunda Guerra Mundial. Sua morte, a exemplo do massacre dos sertanejos de Canudos, é uma das maiores vergonhas da nossa História como país republicano.

Em 1945, as tropas do Exército que voltavam da guerra na Europa, em rápido levante, derrubaram a ditadura de Getúlio Vargas, pondo fim ao seu governo de quinze anos. O general mato-grossense Eurico Gaspar Dutra foi eleito para substituí-lo. O Brasil abriu-se politicamente na Assembleia Constituinte de 1946, com a participação até do Partido Comunista, sendo o escritor Jorge Amado um dos deputados constituintes eleitos. Pouco tempo depois, o Partido Comunista foi proscrito novamente.

Getúlio Vargas voltou à Presidência da República em 1951, eleito pelo voto popular, mas em 1954, às voltas com sedições militares da Força Aérea, a chamada República do Galeão, recusando-se a renunciar ao mandato, terminou por se suicidar no Palácio do Catete, gerando uma crise política que se estenderia ao longo do governo de Juscelino Kubitschek, com os levantes de oficiais da Força Aérea em Aragarças e Jacareaganga. O mais interessante é que ainda hoje Jacareaganga é um ponto distanciado na atual Transamazônica, no Pará, longe de tudo, não se podendo compreender os objetivos dos militares da Força Aérea que organizaram um movimento naqueles ermos da Amazônia, quando a capital da República ainda era situada no Rio de Janeiro. Somente os desvarios bem próprios das Repúblicas podem explicar tais incongruências.

Nas marchas e contramarchas da democracia na República do Brasil,  a eleição de Jânio Quadros para a Presidência, como efeito presumível da inexorável Lei de Murphy, abriu o caminho para os acontecimentos que redundaram na Revolução de 1964, chefiada por militares do Exército, mas apoiada por consideráveis forças políticas do mundo civil. Os vinte e um anos que os militares detiveram o poder serviram para tirar o Brasil do seu anacrônico atraso em muitos setores, principalmente em termos de obras de infraestrutura como estradas e comunicações. A Guerrilha do Araguaia e outras escaramuças menores constituíram apenas episódios de percurso sem maiores consequências políticas para o regime e para o povo em geral. De tal modo, sempre que alguém pensar em acusar o regime militar de violência, deve pensar também no nosso passado republicano, que nada tem de exemplar em termos de pacifismo, nem mesmo na época em que os positivistas, pacifistas por ideologia e doutrina, controlaram os destinos da República do Brasil.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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