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Matias Mendes

REVISÃO DE CRÔNICA: René Descartes


Dias atrás, por causa de um cochilo, tive de escrever a Crônica de Revisão para corrigir a grafia equivocada do nome de Simone de Beauvoir. Naquela oportunidade, teci alguns comentários a respeito de certos contatos que somos compelidos a manter com determinados segmentos sociais que parecem nos contaminar com o apedeutismo do qual são impregnados. Pois muito bem; como se fosse uma espécie de maldição, bem de conformidade com o princípio latino de que abyssus abyssum invocat, cujo sentido significa que uma desgraça vem sempre seguida de outra, eu voltei a estropiar o nome de um pensador francês, desta feita atingindo o nome do filósofo René Descartes, que grafei na forma feminina como sendo Renée Descartes. Nem mesmo o fato de ser bem mais acostumado com a forma latina do nome do pensador serve de desculpa para o meu cochilo.

Acontece que a forma latina do nome de Descartes vem a ser exatamente Renato Cartesius, derivando exatamente da forma latina do seu nome a expressão adjetiva cartesiano. Acontece que Renato em latim significa exatamente renascido, da mesma forma que René em francês significa renascido. Ao acrescentar a vogal E ao nome do pensador foi como se grafasse o nome Renata a respeito de algum Renato brasileiro. Ao contrário do que muita gente pensa, uma letra apenas é o bastante para estropiar o gênero na língua francesa, no latim e em outras línguas, inclusive no nosso tão maltratado português.

Conquanto aqui em Rondônia tenhamos exemplos nada exemplares de pessoas que se referem a damas como se cavalheiros fossem, eu já li a expressão prefaciador em referência a uma prefaciadora, já li muito a expressão poeta em referência a poetisas e outros tantos desmazelos do gênero, aqui  no sentido ambivalente do termo, mesmo assim eu só consigo sentir-me enquadrado no preceito latino que estabelece que alienos rigas agros, tuis sitientibus, que tem o sentido de que regamos os campos alheios enquanto os nossos permanecem secos. E como os latinos também ensinassem que corruptio optimi pessima, nada há que possa justificar a corruptela para a forma feminina do nome de René Descartes, não contando como atenuante válido o fato de eu ter muito mais intimidade com a forma latina Renato Cartesius. Se errando discitur é um conceito válido para muitos casos, eu não contemplo a sua validade para os meus cochilos, prefiro mesmo corrigi-los da forma mais honesta e cabal possível, procedimento que deveria ser um padrão da nossa intelectualidade, mas que infelizmente nem todos agem de tal forma. Ao contrário, quando algum engano de alguém é apontado por aqui, ainda que seja da forma mais polida possível, quase sempre recebemos de volta contestações raivosas, aleivosias, insultos de toda ordem, xingamentos chulos emitidos em linguajar próprio para lupanar da mais ínfima categoria, enfim, o mundo vem literalmente abaixo. A coisa termina sendo levada à consideração da Justiça, até porque há certos gêneros de insultos que somente podem ser resolvidos com tabefes ou nos tribunais. Quando se trata de algum impedimento ditado pelo cavalheirismo, aí o remédio mesmo é o tribunal.

De qualquer forma, com as minhas cabíveis escusas, o equívoco na grafia do nome de René Descartes fica devidamente esclarecido e os mais jovens não correm o risco de ficar achando que se tratava de alguma mulher, pois Renato Cartesius ou René Descartes são apenas nomes em línguas diferentes de um mesmo homem, exatamente aquele homem que cunhou o célebre conceito que estabelece que cogito, ergo sum, que em bom português significa "penso, logo existo". Do alto da copa de um frondoso assacu, é assim que deve se comportar um jabuti trepado, sem tergiversações que a nada levam e que apenas servem como atestado de apedeutismo...

Fonte: MATIAS MENDES
Membro fundador da Academia de Letras de Rondônia.
Membro correspondente da Academia Taguatinguense de Letras.
Membro correspondente da Academia Paulistana da História.
Membro da Ordem Nacional dos Bandeirantes Mater.

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