Domingo, 22 de julho de 2007 - 08h27
Em enfoques anteriores a respeito deste palpitante tema, buscamos trazer algum esclarecimento sobre certas facetas ainda hoje desconhecidas do Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon. Esclarecemos, por exemplo, que alguns dos seus famosos e bem elaborados relatórios só foram acessíveis a alguns poucos integrantes do mais alto escalão do Ministério da Guerra, sendo que, muito provavelmente, parte significativa desse material tão precioso tenha sido destruída por iconoclastas do tipo do tenente Juarez Távora logo após a queda da Velha República, em 1930, ou em qualquer época posterior. A parte não reservada dos relatórios, anos mais tarde, foi confiada pessoalmente por Rondon a Esther de Viveiros, que escreveu o livro Rondon Conta Sua Vida e o concluiu exatamente quase ao final da vida do biografado, considerando-se que os agradecimentos dirigidos por Cândido Rondon à autora da versão literária do seu diário pessoal são formulados em epístola datada de 14 de janeiro de 1957. Rondon faria a sua passagem ao plano espiritual logo no ano seguinte (1958) e a obra retratando e relatando a sua vida de sertanista somente seria trazida a lume em 1969, onze anos após o seu desaparecimento do plano físico da vida.
No caso específico do Real Forte do Príncipe da Beira, Antonio Cândido da Silva, dois terços xará de Cândido Mariano da Silva Rondon, considerando-se que o patronímico Rondon foi adotado por Cândido Mariano em homenagem ao tio que o abrigou quando ficou inteiramente órfão ainda em tenra idade, no seu livro de revisão histórica recentemente publicado, intitulado Enganos da Nossa História, sustenta a tese de que Rondon só teria conhecido o Forte do Príncipe já no ano de 1919 quando encerrou os trabalhos de levantamento nos rios São Miguel e Cautário... E sustenta a sua tese com copiosa transcrição de trechos da obra de Esther de Viveiros, provando dialeticamente aos seus leitores que Cândido Rondon estivera muito longe do Guaporé em tempos anteriores ao ano de 1919... Que pena, Antonio Cândido! Bastaria apenas uma leitura mais acurada da mesma obra na qual se baseia para descobrir que Rondon de fato já visitara o Forte do Príncipe em alguma data anterior ao ano de 1906, época em que já estava vasculhando as cabeceiras do rio Guaporé, rio que tem suas nascentes no município do Jauru, no Mato Grosso, e deságua no Mamoré, no Distrito de Surpresa, no município de Guajará-Mirim, depois de um curso de
Vamos lembrar aqui como Antonio Cândido embasa a sua contestação de que Rondon só teria conhecido o Forte do Príncipe já em meados do ano de 1919:
Acreditamos não existir mais dúvidas de que Rondon, somente em 1919, tenha chegado ao Forte do Príncipe da Beira, que substituiu o fortim da Conceição, localizado aproximadamente a dois quilômetros deste, mesmo porque, seja no início do século, em 1912 ou em 1914, como querem alguns, Rondon encontrava-se em locais distantes do Guaporé, conforme ficou demonstrado.
Ora, a demonstração irrefutável pretendida por Antonio Cândido limita-se apenas ao plano dialético.
A sua suposta conclusão irrefutável, dialeticamente muito bem elaborada, resulta de um silogismo erístico, já que constituída a partir de uma premissa verdadeira e outra falsa, tendo como conseqüência uma conclusão equivocada, sem qualquer embasamento com os registros históricos disponíveis. De fato, pela ênfase que empresta à sua contestação, pelo vigor dialético dos seus argumentos, sua assertiva é perfeitamente assimilável por quaisquer alunos do primeiro, do segundo ou até mesmo do terceiro graus que porventura leiam a sua obra de revisão histórica. E o perigo mora exatamente aí. Quem assimilar tal informação de um livro de revisão de enganos da História por certo será um sério candidato a reproduzir futuramente os mesmos enganos da História que Cândido (o Antonio) se propôs a desmistificar...
Vejamos, porém, o que nos leva a contestar as assertivas de Antonio Cândido sobre este assunto em particular, seguindo apenas a linha da proposta da sua obra e recorrendo à mesma fonte na qual ele embasou sua contestação, o livro de autoria de Esther de Viveiros sobre a vida de Rondon, à página 212:
Forte do Príncipe é agora uma ruína, cuja grandiosidade surpreende. A portada parece a de uma catedral e foi emocionado que percorri, quando lá estive, quartéis, paióis subterrâneos, calabouços, capela... Árvores medravam entre as pedras e a densa floresta, em torno, procurava recuperar o terreno perdido...(grifo em negrito nosso).
Ora, tal referência é anotada no diário de Rondon na segunda quinzena de agosto de 1906, quando ele havia chegado a Vila Bela, denominada na época como cidade de Mato Grosso, estendendo os ramais da linha telegráfica na direção da fronteira com a Bolívia. A referência resultou de suas reflexões enquanto percorria as ruas abandonadas da antiga Capital da Capitania do Mato Grosso, ao recordar os grandes feitos do coronel lusitano Ricardo Franco de Almeida Serra, sepultado ali, que havia, no ano de 1801, enfrentado uma ameaça de ataque das forças espanholas na fortaleza do Príncipe da Beira, recusando a rendição que lhe foi oferecida pelo Comandante castelhano que contava com centenas de homens e dizendo-se disposto a morrer sob as ruínas do Forte que defendia com a sua escassa tropa de 42 homens. O oficial castelhano refugou o desafio e não ousou atacar a fortaleza. Rondon reproduz no seu diário inclusive a correspondência trocada entre os dois Comandantes beligerantes, que não vem ao caso transcrever aqui, já que pode ser conferida à página 211 da obra citada.
No caso em epígrafe, o que de fato interessa é que Rondon afirma de forma inequívoca: ... quando lá estive. Em momento algum ele faz referência a conhecimento do sítio do Forte do Príncipe pelos estudos da História. Qual dos Cândido estaria com a razão neste caso, o Mariano Rondon, que fez a anotação em
Mas Antonio Cândido não recorre apenas a Esther de Viveiros para negar a passagem de Rondon pelo Forte do Príncipe no começo do século XX. Ele cita também trechos do livro Pelos Sertões do Brasil, de autoria do coronel Amílcar Armando Botelho de Magalhães, um dos expedicionários que fizeram a grande travessia do Mato Grosso ao Amazonas no ano de 1909. Aliás, ao tomar como referencial o ano de 1909, quando Rondon chegou a Santo Antonio e Amílcar Botelho de Magalhães integrava a turma de vanguarda do capitão Manoel Teófilo da Costa Pinheiro destacada para esperar os outros expedicionários nas cabeceiras do rio Jaci-Paraná, Antonio Cândido cometeu um engano grave em termos da cronologia dos fatos. Acontece que o tenente Amílcar Botelho ainda não estava entre os comandados de Rondon nas campanhas do final do século XIX e início do século XX. Talvez por essa razão ele não tenha registrado a passagem de Rondon pelo Forte do Príncipe em alguma data anterior a agosto de 1906. Registrou, porém, a passagem da qual fez parte, nas campanhas de
Antonio Cândido, ao que tudo indica, não fez uma consulta ao Álbum Graphico do Estado do Mato-Grosso, edição de 1914, publicação que poderia informá-lo que a partir do ano de 1900 foi inaugurada a navegação a vapor no rio Guaporé por iniciativa do famoso capitalista mato-grossense Balbino Antunes Maciel. Na obra de Esther de Viveiros há algumas referências a respeito de transações comerciais que Cândido Rondon manteve com esse capitalista que tinha interesses pela região do Médio e do Baixo Guaporé, império comercial ao qual me refiro no livro Lendas do Guaporé, sendo muito provável que Rondon tenha se utilizado dessa linha de navegação para chegar até o Forte do Príncipe em alguma época anterior a
Fonte: MATIAS MENDES - matiasmendespvh@gmail.com
Membro fundador da Academia de Letras de Rondônia.
Membro correspondente da Academia Taguatinguense de Letras.
Membro correspondente da Academia Paulistana da História.
Membro da Ordem Nacional dos Bandeirantes Mater.
Membro do Instituto Histórico Geografico de Rondônia
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