Quarta-feira, 26 de setembro de 2007 - 09h39
Muitas vezes tenho lembrado nos meus textos o popular conceito de que "jabuti não sobe em árvores", sendo prudente que nunca se mexa com qualquer jabuti encontrado em tal situação, pois certamente teria sido colocado na árvore por alguém dotado de braços longos o bastante para repotear o cágado acima do chão. No entanto, aqui na nossa terrinha de Rondon de vez em quando aparece alguém com a disposição de incomodar o jabuti que se encontra placidamente trepado. Cela va sans dire que tais atitudes quase sempre redundam em alguma forma de vexame.
O exemplo mais recente de gente que resolve mexer com jabuti trepado surgiu em alguns sites de notícias e foi publicado na imprensa escrita na prestigiada coluna do Zé Katraca, na edição do dia 25 de setembro, página C-3 do caderno Diário Cultura do jornal Diário da Amazônia. Trata-se de uma matéria intitulada "Canta tua aldeia e serás universal", assinada pela jovem jornalista Luciana Oliveira, que diz ser filha do escritor Antônio Cândido da Silva e emite justificadas queixas a respeito de críticas que teci, apenas no âmbito restrito da literatura, sobre o livro Enganos da Nossa História.
Alega a jovem jornalista que eu estaria com inveja do seu pai pelo sucesso do livro...
Ora, a jornalista está redondamente enganada a esse respeito. Em primeiro lugar, eu não sou homem invejoso, até porque a inveja é a arma dos incompetentes, e eu não sou incompetente, assumo até que sou bon vivant, un homme à femmes, gosto mesmo de dançar no Mandacaru, ao aprazível som dos Anjos da Madrugada, aprecio um bom vinho, de preferência francês, sorvido em taças apropriadas, tomo também um bom uísque escocês, de preferência envelhecido por doze anos ou mais, gosto muito de uma boa Paceña bem gelada, conquanto prefira mesmo a Heineker, enfim, sou um matuto guaporeano burilado em terras estrangeiras sem maiores motivos para sentir inveja de quem quer que seja. Em segundo lugar, se tivesse de sentir inveja do meu caro confrade Antônio Cândido da Silva por causa de um livro, por certo eu sentiria do livro de sua autoria que prefaciei anos atrás, MADEIRA-MAMORÉ: O Vagão dos Esquecidos, primorosa epopéia a respeito da qual emitiria hoje os mesmos conceitos que emiti anos atrás. Em terceiro lugar, caso a jovem jornalista ainda não saiba, eu estou com dois livros recém-publicados, um em prosa, outro em verso, tratando de assuntos bem diversos do enfoque do livro do seu pai, já que se trata de Lendas do Guaporé e A Lira do Crepúsculo, cujos temas, com pequenas variações, estão voltados para a minha região de origem, o Vale do Guaporé, não havendo, portanto, qualquer tipo de conflito de interesses em relação à obra do seu pai. Pour finir, ainda que eu fosse um invejoso patológico, eu certamente nunca invejaria a sorte do autor de Enganos da Nossa História, pois não há nada a ser invejado na obra em epígrafe. Se o parágrafo inicial truncado de Lendas do Guaporé, obra de revisores teimosos da Editora, já me causa justificados pesadelos, imagine-se como eu me sentiria se tivesse dezenas de páginas para reformular logo depois da primeira edição...
No que tange ao conceito poético-filosófico "Canta tua aldeia e serás universal", que a jovem jornalista faz um reparo algo tardio, afirmando tratar-se de autoria de Leon Tolstoi, o escritor russo Lev Nikolaievitch Tolstoi, autor do qual a única obra que me lembro haver lido muitos anos atrás foi Guerra e Paz, garanto que conheci tal conceito realmente na obra do poeta e escritor Jorge Tuffic. Agora, se o Jorge Tuffic tungou o conceito do autor russo e o repassou como se da sua própria autoria fosse, aí não me cabe responsabilidade pelo engano, já que sabidamente eu não sou um especialista em literatura russa, não conheço o alfabeto cirílico, razão pela qual prefiro os autores como Arthur Rimbaud, Paul Verlaine, Vitor Hugo, Félix Arvers, Jean-Paul Mestas, Jean-Jacques Rousseau, Jean-Paul Sartre, Simone de Bouvoir, Antoine de Saint-Exupéry, enfim, autores franceses cujas obras eu posso ler, e li, na língua original, muito embora tenha lido também algumas boas traduções. Aliás, com perdão da veleidade, é muito provável que quando li autores como Leon Tolstoi, Dostoievski e outros russos menos renomados a jovem jornalista que hoje cita um deles como grande novidade literária ainda nem fosse nascida. Em razão da sua jeunesse dorée, eu posso até desculpá-la por algumas infelicidades que cometeu ao meter-se num assunto que não lhe diz exatamente respeito. Ela é jovem, verde, inexperiente, leu muito pouco ainda, nasceu quase em berço de ouro em comparação à modesta cabana onde cresci lá no Guaporé, nunca precisou pegar em armas para sobreviver, nunca precisou cruzar uma fronteira para preservar a vida, enfim, sabe ainda muito pouco da vida e sabe muito menos ainda a meu respeito. No entanto, nada disso lhe assegura o direito de insultar a minha ancestralidade, assunto que não vou nem discutir pela imprensa, mas sim no âmbito apropriado. Sobre a sua suposta admiração pelo meu trabalho, nunca li uma única linha de sua autoria a esse respeito, mas li agora o seu insulto ultrajante, o epíteto infamante e preconceituoso, e somente isto me interessa.
Quanto ao fato de Antônio Cândido haver produzido brasões e hinos para alguns municípios e outros órgãos, inclusive o brasão da Academia de Letras de Rondônia, não me lembro de haver negado esses seus notáveis feitos em momento algum. Outra coisa que não compreendo e nem me lembro é essa história de que eu estaria achincalhando o curso de Letras da UNIR, assunto a respeito do qual eu só emiti uma opinião positiva, discordando da comparação de nossos bacharéis com pessoas de instrução de primeiro grau na Europa, ainda que se tratando de um Prêmio Nobel de Literatura.
Aliás, sobre este aspecto, a jovem jornalista chove no molhado ao lembrar que eu não fiz o curso de Letras da UNIR, como se isto fosse um pecado, como se isto fizesse de mim um pária. Ora, é preciso acabar com esse preconceito besta de que só das universidades saem pessoas preparadas para a vida. Há vida inteligente fora do mundo universitário aqui e alhures. Pode-se aprender aqui e alhures. No meu caso específico, foi alhures mesmo. Não fui formado para as letras, mas sim para a guerra. As letras eu domino por mero acaso. Escrevo tão bem quanto qualquer profissional da palavra escrita graduado em Letras ou em qualquer outro curso superior. A pequena diferença que existe é que não sou monoglota, escrevo tanto na língua pátria quanto no espanhol ou no francês. Acaso constitui arrogância ter conhecimentos? Onde está essa suposta arrogância? Quem pensar que me vai intimidar brandindo diplomas de bacharéis, pode tirar o pangaré do toró que comigo essa patuscada não prospera.
Para encerrar, lembro ao meu caro confrade Zé Katraca que quem é do Guaporé não é francês, é guaporeano ou guaporeense, conquanto a cidadania francesa seja motivo de honra para qualquer cidadão de qualquer parte do mundo. Saiba que o francês aqui é muito mais patriota brasileiro do que muitos monoglotas ressentidos que nunca tiveram de sobreviver longe do solo pátrio... E por fim, meu caro Zé, não sei de onde você tirou essa idéia estapafúrdia "do escritor que se diz historiador". A alusão deselegante soou muito mal, pareceu uma intromissão indevida e uma agressão gratuita e bairrista emitida por alguém que não tem credenciais literárias para participar de tal discussão. O espaço oferecido eu dispenso, com penhorados agradecimentos, mas o insulto pode ter certeza de que eu vou cuidar no âmbito próprio para dirimir esse gênero de discussão.
Fonte: MATIAS MENDES
Membro fundador da Academia de Letras de Rondônia.
Membro correspondente da Academia Taguatinguense de Letras.
Membro correspondente da Academia Paulistana da História.
Membro da Ordem Nacional dos Bandeirantes Mater.
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