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Matias Mendes

GUAJARÁ-MIRIM: O Mistério das Caveiras dos Burros


Por MATIAS MENDES

Passada a lua-de-mel dos três primeiros meses de poder que normalmente benefecia os titulares de cargos executivos, o Prefeito Dúlcio Mendes, de Guajará-Mirim, vinculado partidariamente ao PT, mas eleito por uma conjugação de forças locais de caráter extrapartidário, já começa a sentir o peso da responsabilidade que se propôs voluntariamente a assumir ao candidatar-se ao posto antes ocupado por Atalíbio, o abúlico mandatário que deixou a cidade em petição de miséria, esburacada, lamacenta, sem recursos financeiros e infestada de taperas urbanas por todo o centro antigo.

Acontece que a cidade de Guajará-Mirim vem há muitos anos enfrentando um insidioso processo de decadência econômica que reduziu o seu próspero centro comercial a um melancólico amontoado de escombros, de sombrias taperas, de ruas desertas e casas comerciais em franca bancarrota.  Como se não bastasse a decadência da cidade em si, do outro lado do rio Mamoré, a vizinha cidade boliviana de Guayaramerín prospera a olhos vistos como incômodo contraponto que faz ressaltar ainda mais a decadência econômica da cidade brasileira por onde passam todos os finais de semanas milhares de turistas que se dirigem ao outro lado do rio e deixam em Guajará-Mirim apenas a sujeira que produzem em sua passagem, até porque de fato não encontram do lado do Brasil os mais elementares estabelecimentos comerciais onde possam, por exemplo, fazer uma refeição decente ou comprar algum produto mais sofisticado.

No entanto, segundo uma lenda urbana corrente na cidade de Guajará-Mirim, as razões da decadência continuada da cidade não se devem à incompetência pura e simples dos antecessores de Dúlcio Mendes, mas sim a supostas caveiras de burros que estariam enterradas pelo centro antigo da cidade. Os cultores da lenda urbana das caveiras de burros atestam que a cidade não precisa de um bom prefeito, mas sim de uma boa equipe de arqueólogos para efetuar a exumação das numerosas caveiras de burros inumados nas proximidades da antiga estação da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Acontece que nos tempos áureos da economia do ciclo da borracha os muares eram largamente empregados nos seringais da região como meio de transporte de mercadorias e até mesmo da própria borracha, os chamados comboios constituídos basicamente por tropas de muares cargueiros. Pela tradicional falta de visão dos negociantes de Guajará-Mirim, nunca nenhum empresário teve a ideia de estabelecer uma fazenda de criação de muares, sendo estes importados de pontos diversos do Brasil, algumas tropas sendo transportadas até Guajará-Mirim em vagões de trens cargueiros depois de longas viagens por via fluvial até o porto de Porto Velho. A despeito da conhecida resistência e rusticidade de tais híbridos, pelas longas distâncias percorridas, algumas tropas de muares desembarcavam na estação ferroviária de Guajará-Mirim já estrondadas, com muitos animais já mortos até, fazendo-se necessária a inumação de muitos cadáveres de burros nas cercanias da antiga estação ferroviária, sendo esta a razão das numerosas caveiras de burros enterradas na cidade, que a crendice popular acredita ser a verdadeira razão da bancarrota econômica local.

Lá do outro lado do rio Mamoré, na próspera cidade de Guayaramerín, onde se fala o idioma castelhano, há um provérbio que diz o seguinte: “Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay.” De tal modo, como não há uma forma lógica para explicar a prosperidade da cidade boliviana em franco contraponto com a decadência da cidade brasileira, então a única explicação plausível é mesmo a da teorias das caveiras de burros enterradas do lado brasileiro da fronteira onde chegavam os trens carregados de muares destinados aos serviços dos seringais, fato que demanda um criterioso trabalho de arqueologia para desenterrá-las e livrar a cidade de tal maldição. Ao que parece, o Prefeito Dúlcio Mendes, Major R-1 do Corpo de Saúde do Exército, ainda não cogitou de tal obra de saneamento da cidade e já começa a sentir o peso de governar a cidade das caveiras de burros. Os comentários de descontentamento já começam a correr à boca pequena, os murmúrios de desalento já se fazem ouvir pelas ruas mais movimentadas dos subúrbios da cidade, as manifestações de descrença na sua capacidade administrativa já lhe auguram um insucesso pior que o do seu antecessor e os seus eleitores já começam a temer pela possível escolha equivocada, conquanto ninguém tenha dúvida em relação à sua honestidade e probidade. As desconfianças decorrem do temor de que o íntegro Oficial das Forças Armadas pode haver caído na armadilha de forças ocultas contra as quais não tem como lutar sem a conveniente ajuda de bons arqueólogos.

De qualquer maneira, na eventualidade de Dúlcio Mendes não conseguir mudar os rumos da cidade de Guajará-Mirim, se o seu governo revelar-se um fiasco, frustrando as esperanças que nele foram depositadas, então já se pode aventar a hipótese de que Guajará precisa muito mais de arqueólogos do que de um bom prefeito. Talvez seja até o caso de o próprio Dúlcio Mendes providenciar uma equipe de arqueologia para assessorá-lo no salvamento da cidade, pois a verdadeira situação de Guajará-Mirim é de fato um caso de salvamento, não há mais tempo a perder, não há mais o que esperar, a cidade já naufragou no mar de atraso, faz-se de fato necessário salvá-la dos escombros, das taperas, da abulia e da desesperança do seu próprio povo massacrado por toda sorte de desconfortos.

               

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