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Gente de Opinião

Matias Mendes

CONTRAPONTO: Nem Reticências, Nem Vírgulas, Nem Mestres...


Nos dias 16 e 17 de setembro, com alguns dias de atraso, o confrade Antonio Cândido da Silva, o festejado autor do livro Enganos da Nossa História, publicou no site TUDORONDONIA.COM.BR um longo arrazoado de quatro páginas a respeito dos artigos que assinei apontando alguns equívocos da sua portentosa obra literária, contestando pontos dos artigos de minha autoria e afirmando que eu coloquei sobre seus ombros um fardo que não lhe cabe e que ele o havia recusado ao declarar na apresentação do seu livro que não era dono da verdade e que pretendia apenas atrair as pessoas interessadas para uma discussão séria e cuidadosa. Logo em seguida, num rasgo de louvável sinceridade, ele admite, em curto parágrafo de apenas duas linhas, que de fato errou sobre os comentários que teceu a respeito da Revolta da Chibata, mas não admite formalmente qualquer outro equívoco, sustentando que prestou serviço militar e que de fato conhece muito bem a constituição das corporações militares. Eu não duvido. No entanto, vamos notar adiante um pequeno grande deslize que Cândido comete no seu arrazoado de contestação exatamente na referência a um militar e contrariando frontalmente os registros do então Coronel Cândido Rondon.

Ora, para começar, eu não coloquei fardo nenhum sobre os ombros do meu caro amigo de longa data, pois quem assumiu tal fardo foi ele próprio ao dar ao seu livro o título que deu. Aliás, diz-se lá pelo interior que quem não pode com o pote não pega na rodilha. E o Antonio Cândido sobraçou a rodilha do pote da História, sim, não podendo agora sair pela tangente da dialética marota, da dialética de políticos, da dialética de diplomatas, da dialética de causídicos, enfim, da dialética daquelas categorias profissionais que detêm a permissão para fazer uso de mentiras técnicas, pois no âmbito da literatura a história é bem diferente, mesmo a despeito dos muitos equívocos que são propagados por anos a fio. Por outro lado, quando se trata de História, bem diferente da Poesia, não há licença poética cabível, não podemos modificar fatos do passado ao sabor dos nossos interesses atuais. Este é o ponto.

Quanto à controvérsia a respeito de que patentes tinham Rondon e o seu chefe na Comissão Construtora de Linhas Telegráficas quando de fato começaram a trabalhar juntos, Cândido não acrescenta nada de novo, apenas transcreve a lista da composição da Comissão instituída em 23 de dezembro de 1889, referência que contemplei no artigo a respeito do assunto. Na verdade, a Comissão Construtora de Linhas Telegráficas, ao contrário do que afirma a positivista republicana Esther de Viveiros, não foi nenhuma obra da jovem República, mas sim iniciativa do velho Império, idéia de D. Pedro II, e teve como chefe original o Coronel Ewerton Quadros, do qual o então Major Antonio Ernesto Gomes Carneiro foi ajudante. A República apenas pegou o bonde andando, mas não precisa ser monarquista para admitir tal detalhe, já que é um dado histórico incontestável. Cândido, o Antonio, consome vários parágrafos apenas repetindo as mesmas informações que transmiti em meus artigos, nada acrescentando de novidade que possa desmentir os dados que considerei. A isto se chama chover no molhado...

Na segunda parte do seu arrazoado, pomposamente assinada com o título de Prof. Antônio Cândido da Silva, sob o ostensivo título de HISTÓRIA: DETALHES QUE NINGUÉM VÊ, o meu caro confrade Cândido questiona que eu não teria apontado as discrepâncias de datas sobre a saída de Rondon de Santo Antonio, que, a seu ver, teria sido no mês de janeiro e não no mês de fevereiro, insinuando inclusive que eu não teria lido o final do capítulo na página seguinte. Ora, meu amigo Cândido, jabuti não sobe em árvore e quando a gente encontra algum em tal situação é melhor deixá-lo no mesmo lugar, pois certamente alguém colocou o jabuti na árvore... Lamento profundamente desapontá-lo, mas devo informá-lo de que li o livro de cabo a rabo, há muitos anos, inclusive a carta em francês dirigida a Rondon pelo Coronel Theodore Roosevelt, parte da qual transcrevo no meu tema Rondon e Porto Velho destinado à apresentação no Seminário de História que será realizado pela Prefeitura de Porto Velho nos próximos dias. O velho legionário aqui, a respeito do qual o meu amigo de longa data parece saber ainda muito pouco, cultiva hábitos e métodos de leitura inimagináveis para a maioria das pessoas. Claro que percebi as discrepâncias nas datas, inclusive Rondon não chega ao Rio de Janeiro no navio que viajava porque teve de ser internado em Salvador em razão do seu precário estado de saúde. No entanto, restringi as minhas observações ao âmbito da nossa região e aceitei a data do mês de fevereiro por não me sentir autorizado a questionar a parte dos registros iniciais da viagem do grande sertanista a respeito da qual não poderia apresentar um dado concreto. Limitei-me ao equívoco geográfico porque deste eu tenho certeza. No caso das datas, o engano poderia estar num extremo ou no outro da viagem. Eis a razão de não haver tocado no assunto referente às datas. Pode ter certeza que não foi por cochilo, que não houve falha no meu olhar de lince. Houve responsabilidade ao citar aquilo que estava rigorosamente escrito.

No tópico seguinte, meu caro amigo Cândido revela-se algo abichornado com o termo perfunctório, fato que causa espécie em se tratando de um professor  graduado em Letras. Cela va sans dire que não me vou estender em discussão estéril a respeito de um assunto tão pequeno. Mas não vou dispensar a cabível observação a respeito do fato histórico enfocado no mesmo parágrafo e no parágrafo seguinte. Acontece, amigo Cândido, que não se trata de alguém pensar que você errou, o fato público e notório, porque publicado em obra destinada à circulação, é que você errou mesmo em alguns aspectos, enganou-se em outros e equivocou-se em outros tantos. Dezenas de páginas de Enganos da Nossa História estão irremediavelmente fadadas à reformulação, inclusive aquelas dez páginas gastas para sustentar que Rondon não havia conhecido o Forte do Príncipe antes de 1919, melancolicamente pulverizadas por apenas três palavrinhas escritas por Cândido Rondon em agosto de 1906: "quando lá estive". No que tange ao caso do assassinato do Sargento Paixão pelo Soldado Júlio, Antônio Cândido desmente tanto o seu aprendizado de caserna quanto o registro histórico do Cândido Rondon que afirma textualmente:

"Um dos melhores camaradas era um negro, o Paixão, um cabo do exército, graduado em sargento, pelos relevantes serviços prestados."(Rondon Conta Sua Vida, página 405, 2º parágrafo, linha 5).

Ora, conquanto o termo soldado seja a designação genérica de todos que exercem a profissão de natureza militar, não importando o posto, no caso específico da referência feita, o militar deveria ser designado pelo seu real posto e não genericamente como soldado. Seria alguma forma sub-reptícia de discriminação pelo fato de o Sargento ser negro? Não posso acreditar em tal hipótese... Aliás, Cândido, para sua informação, há trinta anos, em 1977, quando trabalhava na Paranapanema, eu fui algumas vezes em caçadas naquela região da Cachoeira do Paixão, conheço bem o local e ainda pude ver dentro da mata a antiga sepultura do infortunado Sargento. Ele era um Sargento, sim, e quem somos nós para desgradá-lo post mortem?  E note bem que para tal equívoco não há nenhuma responsabilidade de Octaviano Cabral...

Passando ao largo de algumas considerações que nada acrescentam, o fato que mais me causou estranheza foi o último parágrafo da matéria assinada pelo professor Antônio Cândido da Silva. Não entendi bulhufas. Ao que me parece, salvo melhor juízo, ele confundiu, literalmente, alhos com bugalhos. Ao que me consta, em nem um dos meus artigos fiz qualquer referência a vírgulas, reticências e muito menos aos Mestres do Antônio Cândido. As referências que fiz, de forma muito discreta, foram a  respeito de deslizes  de Português como acertiva, grafada com C, legar a prosperidade, nenhum apresentaram e outras coisinhas do gênero que nem vem ao caso enumerar.

Reitero com veemência que em momento algum falei de vírgulas, reticências ou Mestres do meu caro amigo, e não consigo entender o porquê da sua alusão. Considero a referência um tanto maldosa pelo fato de que seus Mestres podem achar que os achincalhei de forma gratuita, o que não foi o caso. Tratei exclusivamente do Autor e sua obra sem incluir ninguém mais no âmbito dos meus comentários.

Quanto ao questionamento final referente ao escritor português José Saramago, eu diria que ele pode porque o seu nível de instrução formal é correspondente à oitava série do Brasil, ele tem instrução de primeiro grau, embora do Primeiro Mundo, mas bacharéis do Brasil, ainda que do Terceiro Mundo, não podem cometer determinados deslizes, até porque o nível instrucional do Brasil não está tão degradado assim ao ponto de nivelarmos os nossos bacharéis com pessoas de instrução do primeiro grau da Europa. Tal comparação revela apenas um subconsciente colonialista, uma espécie de complexo de submissão à velha Metrópole portuguesa. A referência, qualquer que tenha sido a intenção, soou muito mal, e esta sim deslustra os respeitáveis Mestres do bacharel e professor.

Amicus Plato, sed magis amica veritas. Creio ser dispensável a tradução porque bacharéis em Letras têm sempre rudimentos do nosso velho latim...

Fonte: MATIAS MENDES
Membro fundador da Academia de Letras de Rondônia.
Membro correspondente da Academia Taguatinguense de Letras.
Membro correspondente da Academia Paulistana da História.
Membro da Ordem Nacional dos Bandeirantes Mater.

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