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Matias Mendes

CONFLITO DO ARAGUAIA: Guerrilheiros e Soldados


Por MATIAS MENDES

Ao contrário de muitas versões atuais que apresentam o confronto entre guerrilheiros e militares na região do Araguaia como um feito heroico das forças esquerdistas, a Guerrilha do Araguaia nunca passou de uma espécie de Canudos às avessas ou uma cópia grotesca da Revolução Cubana. Vários guerrilheiros já estavam infiltrados na região erma há pelo menos cinco anos antes que se ferissem os primeiros embates, conheciam bem as florestas das redondezas e haviam tido tempo mais que suficiente para aprenderem os segredos das selvas.

No entanto, quando o conflito de fato começou, ao contrário dos matutos de Canudos, os letrados insurgentes do Araguaia não souberam tirar proveito do conhecimento que haviam acumulado sobre a região durante os anos que perambularam pelas florestas. As primeiras incursões dos militares, realizadas com contingentes numerosos, só não obtiveram sucesso em razão de equívocos de estratégia dos próprios militares, e não pela eficiência combativa dos guerrilheiros. Quando as primeiras operações foram encerradas sem resultados práticos, os insurgentes divulgaram na região a falsa versão de que haviam derrotado as forças governistas, como se fosse possível derrotar um exército inteiro sem aniquilar pelo menos uma significativa parcela dos seus componentes.

Do lado dos militares, depois de constatado que o combate na região da guerrilha não poderia ser realizado com contingentes numerosos e nem com tropas pouco adaptadas às condições ambientais da Amazônia, foram selecionados combatentes que serviam em várias unidades da região Norte, inclusive soldados que serviam no Forte do Príncipe da Beira, todos eles meus colegas de infância e juventude, inclusive até parentes meus. Estes eram homens com muita experiência de selvas, caçadores consumados, exímios nadadores, bem adaptados às condições adversas das florestas e destemidos. Todos sobreviveram, embora quase todos tenham apresentado posteriormente sequelas psicológicas que os levaram ao alcoolismo e a outros distúrbios psíquico-emocionais. Ninguém se lembra de suas mazelas. Todavia, de outras tantas sub-regiões amazônicas e de outras unidades, foram enviados ao teatro de operações bélicas homens bem menos adaptados às adversidades das selvas, soldados pouco ou nada calejados, oficiais temporários, sargentos novatos, enfim, amazônidas de origem urbana, pouco afeitos às durezas selváticas. Alguns desses homens foram os responsáveis por acidentes trágicos e figuraram entre as vítimas fatais dos bisonhos guerrilheiros. Ninguém se lembra deles também, muito menos dos dramas de suas famílias. São os verdadeiros les oubliés de l’histoire.

O armamento dos insurgentes do Araguaia, se não era apropriado para combates modernos, não era certamente inofensivo, faltou mesmo a eles atiradores competentes para tirar proveito do meio e das armas disponíveis. Desde que se infiltraram na região do Araguaia, os guerrilheiros dispunham de algumas carabinas de calibre .44 e subtraíram alguns mosquetões Mauser da Polícia do Pará, de calibre 7,62, obsoletos, é verdade, mas muito efetivos para tiros até de longa distância. Eram armas de coice muito forte, conhecidas também por quebra-clavícula, detalhe que pode haver impedido os canhestros guerrilheiros de usá-las de forma efetiva. No entanto, se considerarmos, por exemplo, que eu, sozinho, no ermo florestal da fronteira com a Colômbia, consegui livrar-me de três oponentes usando apenas uma carabina de cano curto, calibre .44, então se pode concluir que a pouca efetividade combativa dos guerrilheiros do Araguaia derivou muito mais da incompetência deles do que propriamente da precariedade do seu armamento. O suposto carregamento de armas que deveria haver chegado à região, informação que quase causou o bombardeio de um cargueiro russo que não conseguia manobrar porque estava com o leme avariado, muito provavelmente não teria influído nos resultados do conflito. As armas dependem da qualidade do atirador, coisa que não havia entre os guerrilheiros do Araguaia. Ao contrário do que muita gente pensa, não é uma boa arma que faz um bom atirador, embora a boa arma ajude, mas é o atirador quem faz a efetividade da arma que usa. Arma excelente nas mãos de atirador inepto é apenas vela acesa na mão de defunto. Foi esta a verdadeira tragédia do Araguaia, jovens que nem sabiam atirar direito querendo lutar contra gente do Exército. Funcionou, da pior forma possível, a inexorável Lei de Murphy...

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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