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Gente de Opinião

Matias Mendes

ANTROPOLOGIA: Homens da Floresta e Homens Urbanos


Lançado ao público no dia 30 de agosto próximo passado, o meu livro Lendas do Guaporé já começou a me render as primeiras críticas, felizmente bem cabíveis e bem suaves, restritas ainda ao plano dos conceitos e relativas às páginas 64, 65, 77 e 78, todas voltadas para relatos de cunho bem pessoal.

A primeira crítica, emitida pelo advogado Edno Marques de Assumpção, amigo de longa data, foi de natureza ideológica, pois a seu ver eu teria louvado a ditadura militar em uma certa expressão exclamativa: “Ah! Como fui feliz sendo jovem em tempos que eram de ditadura, mas que as liberdades individuais ainda valiam alguma coisa!”

Acontece que a oração isolada do seu contexto não enseja a completa compreensão do seu real sentido. Não existe nela qualquer intenção de louvor a nenhuma ditadura, mesmo porque o momento histórico ao qual ela se refere nem vivíamos exatamente em regime ditatorial, mas sim em regime político discricionário, com alternância de mandatários, fato que descaracteriza o real conceito de ditadura. Regime de exceção, sim, mas não exatamente ditadura. No entanto, o sentido real da expressão tem como alvo o nosso atual regime democrático, ou supostamente democrático, que suprime liberdades individuais que nunca foram suprimidas durante as duas décadas que vivemos de regime discricionário.

Ora, nesse relato específico, eu trato de uma excursão pelo rio Guaporé no ano de 1968, em companhia de dois sobrinhos, com toda liberdade para conduzir armas de defesa ou de caça, partindo exatamente de um porto de uma unidade militar, sem depender de qualquer procedimento de liberação formal, sem sequer portar registros das armas conduzidas, enfim, procedendo da forma como procede qualquer ribeirinho. A reflexão que emito no mesmo capítulo foi exatamente a de que, nos dias atuais, em plena democracia, aqueles três jovens simplesmente poderiam ser presos e enviados a um presídio. Não houve, portanto, nenhuma intenção de fazer apologia à ditadura, mas sim de criticar as supressões de liberdades individuais que vivenciamos hoje em plena era de democracia.

A segunda crítica, também muito suave e simpática, foi emitida pela minha muito querida amiga Ivalda Marrocos a respeito da minha concepção em relação ao homem da floresta e ao homem urbano. Para melhor esclarecer, vale considerar que eu distingo homens da floresta dos homens rurais, fato que eleva para três os tipos humanos da composição da nossa sociedade. Homens rurais seriam aqueles que se dedicam às atividades agropastoris, grupo intermediário entre os homens da floresta e os homens urbanos. No entanto, no caso aqui tratado, são os dois grupos dos extremos que focalizei na minha consideração.

O que vem a ser de fato um homem da floresta? Ora, o legítimo homem da floresta é atualmente um tipo humano quase extinto. Homens da floresta eram os seringueiros, os caucheiros, os poaieiros, os balateiros e outros extrativistas que antigamente penetravam nas florestas para realizar seus serviços. Extratores de madeiras não se enquadram como homens da floresta porque penetram nas matas com aparatos barulhentos e causando grande devastação. Já os verdadeiros homens das florestas viviam por meses e até por anos em pequenas cabanas construídas muitas vezes sob as copas das árvores, muito raramente abriam alguma clareira para pequenos roçados. No caso de caucheiros e poaieiros, por exemplo, a natureza da exploração que faziam era de curta permanência, viviam praticamente acampados em tapiris construídos sob a cobertura florestal, muito raramente permanecendo mais de um mês em tais locais. Em linhas gerais, esses são os verdadeiros homens das florestas, entre os quais podemos incluir os nossos tradicionais ribeirinhos, praticamente os últimos remanescentes de tal grupo humano.

Pois muito bem. A discordância da minha amiga Ivalda Marrocos diz respeito ao fato de que eu pessoalmente considero o homem da floresta mais apto para sobreviver em condições de adversidade que o homem urbano. Por seu lado, Ivalda considera que os dois tipos seriam equivalentes, que o homem urbano também é dotado de muita capacidade para sobreviver em ambientes adversos. Eu continuo achando que um homem urbano teria muito pouca chance em certas florestas que conheci, mas respeito a opinião da minha amiga. Ainda bem que até agora somente críticas procedentes surgiram a respeito de Lendas do Guaporé. Eu concordo até que tenha havido uma certa parcialidade cabível de minha parte em relação ao homem ribeirinho, mas não emiti nenhum conceito depreciativo em relação ao homem urbano, até porque eu sou uma espécie de híbrido antropológico, sou uma simbiose de homem da floresta e homem urbano,  um tipo humano socialmente anfíbio, já que sou perfeitamente capaz de viver nas florestas e viver nas cidades.

Fonte: MATIAS MENDES
Membro fundador da Academia de Letras de Rondônia.
Membro correspondente da Academia Taguatinguense de Letras.
Membro correspondente da Academia Paulistana da História.
Membro da Ordem Nacional dos Bandeirantes Mater.

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