Quarta-feira, 14 de novembro de 2012 - 05h08
Por MATIAS MENDES
Bem de acordo com o velho provérbio latino, depois de muitos anos com parte dos meus livros encaixotados, agora que reservei um lugar mais amplo e adequado para acomodar as numerosas publicações que conservo comigo, ao desfazer alguns velhos caixotes, com justificada surpresa, encontrei a minha antiga agenda dos anos 70 com anotações que cobrem os tempos da CITREQ, da Paranapanema (Mineração Taboca) e até mesmo os dados relevantes da época que arribei do Brasil para a Colômbia, escapando do pessoal do CISA, o Serviço Secreto da Aeronáutica, assunto do qual já tratei em vários artigos sem dispor de um documento comprobatório aceitável. Agora o documento já existe, a agenda dos anos de chumbo ainda existia, bem escondida entre livros encaixotados. E ela contém anotações bem precisas e organizadas, inclusive a operação comercial que realizei na época, trocando o meu relógio Rolex por um lote de joias de ouro e prata, que vendi para completar o capital necessário à minha retirada para o território dos grupos guerrilheiros colombianos.
A grande vantagem da velha agenda de quase quarenta anos é que ela pode ser periciada, o papel e as tintas vão comprovar o tempo em que as anotações foram feitas. O detalhe interessante é que essa agenda foi usada depois que voltei ao Brasil com o advento da Lei da Anistia, quando já estava trabalhando na Odebrecht, no Projeto da Usina Hidrelétrica de Samuel, onde escrevi o livro As Malvinas do Jamari, cujo esboço inicial está contido na velha agenda dos anos de chumbo.
O leitor até poderá duvidar de que encontrei essa preciosidade histórica, mas uma anotação muito especial contida na velha agenda não deixa qualquer margem de dúvida em relação aos acontecimentos daquela época, conforme podemos observar na anotação de meu próprio punho contida em uma página com a data do meu aniversário, certamente feita em maio de 1977. Vejamos o que diz a conclusiva anotação:
“Qualquer coisa misteriosa que por ventura aconteça-me, verificar minha correspondência. Existe um caso de censura de correspondência comigo. Autor da censura: um major da FAB das iniciais E. F. S.”
A informação é indicada por tríplice seta e está assinada com a minha rubrica. Não há qualquer dúvida de sua autenticidade. As iniciais EFS correspondem ao nome do oficial envolvido na perseguição ilegal, o major da Aeronáutica Émerson Félix de Souza, certamente o responsável pelo envio dos três infelizes que abati a tiros de rifle .44 quando já estava seguindo para atravessar a fronteira com a Colômbia, fato que já narrei em um artigo há pouco tempo. A anotação contida na agenda permite-nos algumas conclusões bem precisas. Não há qualquer resquício de medo no autor, não há nenhum pedido de socorro, não há nenhuma indicação a respeito da fuga organizada, mas apenas uma pista a ser seguida. A anotação revela o perfil de um homem que sabia inteiramente qual era a sua real situação de vulnerabilidade, os riscos que corria de forma bem consciente. O texto sucinto revela que a pessoa que o escreveu sabia muito bem como se mover nos subterrâneos da repressão, tinha um nível de inteligência bem diferenciado e a frieza de um caçador experiente. Subestimado pela soberba e arrogância do inimigo mais bem aparelhado, perfeitamente consciente de que estava com a cabeça a prêmio, poucos dias após haver feito a anotação e deixado a agenda em lugar seguro do lado do Brasil, trucidou sem nenhuma hesitação ou piedade tola os três indivíduos que tentaram barrar a sua rota de retirada.
A velha agenda em si não narra o drama do confronto sangrento, mas deixa uma excelente pista dos motivos que levaram a ele. Se não chega a ser um diário da guerra suja dos anos de chumbo, mas prevalece como documento incontestável de que o aparato de segurança do Estado perdia tempo e gente perseguindo cidadãos pacíficos que nada tinham a ver com os entreveros ideológicos daquele momento histórico. Agora já posso até recorrer a um tribunal e cobrar pelos anos de minha juventude que passei abrigado em terras estrangeiras. Qualquer perícia vai comprovar que as anotações foram feitas há trinta e cinco anos.
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