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Gente de Opinião

João Paulo Viana

Sobre o voto obrigatório no Brasil


                                

João Paulo S. L. Viana [i]
 

Nos últimos anos, o debate sobre a reforma política tem incluído frequentemente a adoção do voto facultativo. Uma questão polêmica e que divide opiniões apaixonadas entre seus defensores e opositores. Atualmente, o Brasil possui cerca de 135 milhões de eleitores e nosso atual modelo, de voto obrigatório, conta com taxas médias de participação em torno de 80% do eleitorado nacional, padrão esse identificado em grandes democracias ocidentais que adotam o voto facultativo.

Tema complexo, que parte, sobretudo, de uma discussão filosófica, mais ou menos da seguinte forma: Se o voto é um direito, por que é também um dever? Ora, pois a própria cidadania consiste num conjunto de direitos e deveres. Você tem direito, mas ao mesmo tempo precisa cumprir deveres, tem certos deveres que sem eles, sem cumpri-los, você não exerce, não efetiva a cidadania.

Em seu texto clássico, intitulado: “Da liberdade dos antigos comparada a liberdade dos modernos”, o francês Benjamin Constant demonstrou que no período clássico da Grécia antiga, liberdade consistia fundamentalmente em participar da vida política, participar das decisões políticas, coletivas, cidadania acima de tudo era isso. No mundo moderno, Constant já observara o contrário, ou seja, a liberdade identificada no exercício da liberdade individual, do individualismo, na preocupação dos cidadãos essencialmente voltada aos assuntos da vida privada.

Nesse sentido, observo, particularmente, que numa sociedade onde os cidadãos se preocupam cada vez mais com seus interesses privados, e se afastam das questões de interesse público, torna-se necessário retomar a ideia do coletivo, razão pela qual é fundado o próprio ideal de comunidade política, de Res Pública.

No contexto atual da sociedade brasileira, completados 25 anos de democracia formal com a promulgação da Constituição Federal de 1988, analiso com preocupação propostas de inserção do voto facultativo. Pesquisas demonstram que se adotado no Brasil, teríamos uma taxa de comparecimento eleitoral em torno de 50% dos cidadãos aptos a votar. Hoje, numa realidade de voto obrigatório, nossas taxas em torno de 80% aproximam-se da Alemanha, país que adota o voto facultativo. Na França, onde o voto também é facultativo, quase 85% dos franceses votaram na eleição de 2007, que elegeu Sarkozy presidente.

Sendo assim, enfrentamos um enorme perigo, ao adotarmos o voto facultativo poderemos ter boa parte dos cidadãos brasileiros dando as costas para as decisões políticas, o que de certa forma elitiza a participação, pois segundo as pesquisas a maioria dos eleitores votantes seria composta pelos mais esclarecidos, de nível de renda elevado, e de instrução, de maior escolaridade. Ou seja, corremos risco de excluir os pobres do processo eleitoral.

Países como os Estados Unidos ilustram bem esse exemplo. Na democracia americana de voto facultativo, o comparecimento eleitoral varia em torno de 50%, obtendo níveis mais baixos entre negros, mulheres, latinos e jovens. Na eleição de 2008, que elegeu o presidente Obama, a participação desses setores foi fundamental para garantir o sucesso eleitoral dos democratas, caracterizando-se como um recorde de presença dos americanos às urnas, ao todo 66% do eleitorado.

Ademais, iludem-se aqueles que imaginam que a inserção do voto facultativo no sistema político brasileiro diminuiria os efeitos da política de clientela e dos favores pessoais em troca do voto. Pelo contrário, haveria ainda mais disputa para garantir o voto dos menos esclarecidos, por meio de tais práticas.

Ao retomar o debate sobre o fim do voto obrigatório, abre-se um caminho perigoso para os rumos da consolidação da democracia que, pouco a pouco, vem se institucionalizando na sociedade brasileira. Caso seja aprovado, ao excluir os pobres do processo eleitoral, o voto facultativo contribuirá para elitizar cada vez mais a representação política no Brasil. Enfim, representará um verdadeiro retrocesso institucional.

João Paulo Saraiva Leão Viana é cientista político, doutorando em Ciência Política na UNICAMP.



[i] Artigo publicado originalmente na revista Evoluir, edição novembro-dezembro de 2013.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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