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Gente de Opinião

João Paulo Viana

REFORMA POLÍTICA – Dilemas do sistema político brasileiro[1]



Com a formação da Nova República, tivemos o sepultamento do modelo e das instituições políticas da ditadura militar. Isso ao mesmo tempo levantou esperanças e expectativas por parte da população que acabara de viver 21 anos de regime autoritário. A assembléia constituinte de 1988 surgiu nessa perspectiva, suscitando a esperança de mudanças e abrindo caminho para uma nova ordem institucional.  A carta magna de 1988 preservou os elementos tradicionais de nosso regime republicano: o presidencialismo, o federalismo, o bicameralismo, o multipartidarismo e a representação proporcional. O ponto referente à forma republicana e o sistema presidencialista de governo foram temas polêmicos, ficando acertado, entre os constituintes, um plebiscito nacional em 1993, que decidiria sobre a forma e sistema de governo.


Como avanços democráticos enumera-se a expansão do direito político ao analfabeto, que poderia votar e ser votado, o direito ao voto estendido aos menores de idade de 16 a 18 anos e a inclusão de mecanismos de democracia participativa como plebiscito e referendo. Estabeleceu-se o mandato presidencial de quatro anos e também um número mínimo de representação de 8 deputados nos menores Estados e o máximo de 70 nos maiores. Porém, nenhuma regulamentação fazia referência à formação e representação dos partidos no parlamento, nem à fidelidade partidária.

 
Nas eleições de 1989, a fragmentação partidária estava evidenciada com as vinte e duas candidaturas à presidência da república. Os candidatos da esquerda, Luís Inácio Lula da Silva do PT e Leonel Brizola do PDT, foram surpreendidos pelo desconhecido Fernando Collor de Melo, ex-governador de Alagoas e candidato à presidência pelo recém-criado e inexpressivo PRN. Com a vitória de Collor, ficaria comprovada a fragilidade dos partidos brasileiros. As duas maiores legendas no congresso, PMDB e PFL, colheram um resultado pífio com as candidaturas de Ulisses Guimarães e Aureliano Chaves, alcançando menos de 5% de preferência do eleitorado. Nas eleições estaduais de 1990 o número de partidos no congresso aumentaria de 13 em 1986 para 19. O PRN, do presidente Collor, que possuía uma bancada inferior a 3% da Câmara dos Deputados aumentaria consideravelmente após o pleito de 1990.

           
Com o impeachment de Fernando Collor, no final de 1992, o vice-presidente Itamar Franco assumiria o cargo. Após 30 anos, em abril de 1993 é realizado novo plebiscito que decidiria sobre a forma e sistema de governo. O modelo de República presidencialista é novamente vitorioso. Com o sucesso do plano real o então ministro da fazenda Fernando Henrique Cardoso anuncia sua candidatura à presidência da república pela coligação PSDB-PFL-PTB, tendo o senador Marco Maciel como vice.  FHC vence Lula, já no 1o turno, por maioria absoluta de votos. Em 1997, o congresso nacional aprova a emenda da reeleição, dando direito a políticos dos cargos do executivo a concorrem novamente. Em 1998, a cena se repetiria com a união PSDB-PFL-PTB e o PMDB, com FHC e Marco Maciel, contra a aliança de esquerda encabeçada por PT-PDT-PSB-PC do B, com Lula e Brizola formando a chapa. Nova vitória da situação. Nas eleições de 1998, 18 partidos conseguiram representação no parlamento.

             
Em 2002, a "verticalização" configurou-se como a mudança mais significativa nas regras eleitorais. O Tribunal Superior Eleitoral determinou que as coligações em nível federal deveriam também se dar no âmbito estadual. As alianças, tanto nos Estados, quanto na eleição para presidente, deveriam ser as mesmas. Essa regra impediu uma prática muito comum na política brasileira, que são as alianças feitas pelos partidos, seguindo conveniências regionais. Tanto foi o desagrado com a medida que, hoje, o fim da verticalização representa opinião quase unânime entre os partidos.

           
No pleito de 2002, Luis Inácio da Silva é novamente candidato numa aliança mais ampla, tendo como vice, o senador José Alencar do Partido Liberal. José Serra, Ministro da Saúde do governo FHC é o candidato governista. Anthony Garotinho, então governador do Rio de Janeiro, sai candidato pelo PSB. O PPS e o PDT lançam o ex-governador do Ceará e ex-Ministro da Fazenda Ciro Gomes. Lula e Serra vão para o segundo turno, com Lula vitorioso, recebendo o apoio de Ciro e Garotinho.

            
A vitória de Lula representou, para a esquerda brasileira, a volta ao poder após 38 anos. Suscitando grandes esperanças de mudanças, o PT consolidava-se como nova alternativa de poder. Era o grande vitorioso das eleições aumentando sua bancada de 58 para 91 deputados. O PFL, representando a direita conservadora, é o partido com maior queda, passando de 105 para 84 deputados. Com exceção do PDT, todos os partidos que integraram a candidatura de Lula no 2o turno apresentaram crescimento de suas bancadas na câmara dos Deputados. Já os partidos que formavam a base governista de FHC, PSDB, PFL, PTB e PPB tiveram uma queda considerável no número de parlamentares. Mais uma vez, é apresentado um alto número de legendas no parlamento, nada mais nada menos que 19 partidos iniciaram os trabalhos legislativos em 2003.

          
Com a volta das eleições e a retomada da democracia, de 1985 aos dias atuais, quase 80 partidos já participaram de eleições. Atualmente, conforme a lei dos partidos nº 9096 de 1995, para que seja criado um novo partido é necessário a obtenção de assinaturas de no mínimo 0,5 % dos eleitores que votaram a deputado federal nas últimas eleições, em pelo 1/3 dos Estados brasileiros.

            
De certo, a instabilidade é algo marcante na trajetória de partidos e eleições no Brasil. Num estudo sobre a institucionalização do PT no Estado Ceará, o cientista político Josênio Parente[2]  apresenta a idéia de que "o Brasil não conheceu alguns dos processos que levaram à sedimentação os sistemas partidários bem sucedidos" e completa a afirmação citando Lamounier e Meneguello que afirmam que "em perspectiva comparada, o Brasil é um caso notório do subdesenvolvimento partidário". [3]

           
Na constituinte de 1988, os legisladores brasileiros não demonstraram interesse pelas questões e regras que regulam as eleições para a câmara de deputados, assembléias e câmaras municipais. Em seu artigo intitulado "De como pensando que se vai para a Alemanha e chega-se à Bolívia", o professor do IUPERJ, Jairo Nicolau[4], aponta para uma total insatisfação com o desempenho de nossas instituições: "As regras que regulam a escolha de representantes, partidos, funcionamento do legislativo e executivo, são alvos de permanentes manifestações de descontentamento. Prova disso, é que foram freqüentemente editadas emendas constitucionais e comissões, editoriais e plebiscitos. Ele afirma, também, que a própria constituição de 1988, teria contribuído para tal "insatisfação institucional". O professor cita o ex-presidente FHC que, num depoimento ao Jornal do Brasil, expressou sua opinião quanto ao subdesenvolvimento de nosso sistema eleitoral. Segundo FHC, o problema existe porque nossa sociedade teria avançado mais que o sistema político.

           
A história republicana recente que foi marcada por golpes, suicídio, renúncia e impeachment, confirma essa instabilidade e fragilidade de nosso sistema eleitoral. A partir do plebiscito de 1992, referente à forma e sistema de governo, começaram a aparecer, com mais freqüência, propostas de reforma política. Porém, é difícil se encontrar unanimidade entre parlamentares, estudiosos e partidos políticos. Costuma-se divergir sobre tudo. Há estudiosos, por exemplo, que apontam para uma reforma total, outros preferem falar apenas em ajustes no atual sistema. No entanto, um ponto comum entre todos é que precisamos de partidos fortes, partidos que representem bem os interesses da sociedade, com um sistema partidário sólido e não temporal. Há uma grande descontinuidade em nosso sistema partidário. Desde o Império o Brasil já vivenciou diversos sistemas partidários. Possuímos partidos fracos e pouco enraizados em nossa sociedade. Precisamos fortalecer os partidos para um melhor funcionamento da democracia representativa É exatamente aí que entram pontos como verticalização, cláusula de barreira, fidelidade partidária, fim das coligações nas eleições proporcionais e financiamento público de campanhas, voto distrital misto, lista fechada, entre outros.

  

  

Reforma Política – temas principais

 

 

Fim das coligações em eleição proporcional: o voto vai para a coligação e não para o partido. Isso deturpa o voto na legenda, pois, nem sempre o partido que recebe o maior número de votos elege o número maior de candidatos (ponto unânime entre os estudiosos).

 

Verticalização: parte do princípio de que necessitamos de partidos nacionais, porém as realidades estaduais são por vezes distintas. Nas grandes metrópoles como São Paulo, Rio de Janeiro, podemos observar a existência de três arenas políticas distintas: a nível federal, estadual e municipal. Outro fato tem apontado desde 2002 a existência de coligações por "debaixo dos panos", justamente pelas mais diversas realidades regionais.

 

Financiamento Público de Campanha: outro tema bastante polêmico entre estudiosos, partidos e políticos. Eu compartilho do pensamento do cientista político e professor da UFMG, Fábio Wanderley, que parte do princípio que
se o direito ao direito ao voto é igualitário no país, o direito de ser votado também é demasiadamente influenciado pela desigualdade de riqueza e acesso aos recursos privados. O Brasil possui campanhas milionárias, quando na democracia moderna  torna-se  imprescindível que o poder do dinheiro não se sobreponha a vontade popular.

 

Voto Distrital Misto: dividir a federação em circunscrições eleitorais. Seria    extremamente difícil desenhar esses distritos eleitorais. Seus defensores apontam uma maior eficácia, pois, haveria um maior contato entre o representante e o representado. Esse ponto vai de encontro ao sistema de representação proporcional que seus defensores apontam como mais democrático. Além disso  há o argumento de  que na verdade, os redutos eleitorais do candidato já representariam tais áreas.

 

Voto em Lista Fechada:o eleitor vota no partido, que elabora uma lista pré-ordenada, onde só terão chances de ser eleitos, aqueles que conseguirem uma posição privilegiada dentro da lista. Isso pode criar uma verdadeira burocracia partidária. Além disso, a forma de escolha que no caso seria por votação entre os filiados, seria um caos. Imaginem por exemplo em regiões de currais eleitoral, provavelmente políticos fretariam caminhões para que seus correligionários pudessem participar da escolha. E ainda sim, levaria a disputaria eleitoral da sociedade para os partidos. Por outro lado, acaba com a personalização do voto, e pode fortalecer as legendas.

 

Voto Facultativo: Filosoficamente a discussão parte da premissa de que se o voto é um direito, porque consistiria também em um dever? Particularmente, não vejo no momento, condições para sua aplicação no Brasil. O voto facultativo numa sociedade que padece de uma cultura política, elitiza o processo político, pois, apenas a elite econômica e cultural da população participa do processo eleitoral, excluindo assim os pobres. Na Alemanha, onde o voto é facultativo, as taxas de comparecimento são altíssimas, chegando a mais de 80% da população. Contudo, foram criadas condições para um interesse pela coisa pública por parte do cidadão. Nos Estados Unidos onde o voto também é facultativo é visível a baixa taxa de votantes por parte da população negra. Isso reflete diretamente na representação dos negros no parlamento americano, com um número pequeno de representantes.

 

Cláusula de Barreira: a grande questão é saber quantos partidos o sistema brasileiro necessita para o seu pleno funcionamento. Em tempos de crises e abalos constantes, a cláusula de 5%, poderia aglutinar o sistema político em 7 ou 8 partidos.   Na eleição de 2002, 19 partidos conseguiram representação no parlamento. É um número alto, confunde o eleitor, além de provocar o descrédito por parte do mesmo. Além de favorecer o surgimento de uma cultura político-partidária a cláusula de barreira pode contribuir para resolver o problema da excessiva personalização do voto em nosso sistema político.  No entanto a cláusula de exclusão pode fechar o sistema partidário apenas para os grandes, expulsando partidos históricos e ideológicos como, por exemplo o caso do Partido Comunista do Brasil, e partidos de conteúdo programático internacional como o Partido Verde, pois as legendas que não conseguirem os 5% não terão acesso ao funcionamento parlamentar em todas as casas legislativas, perderam também o horário gratuito de rádio e televisão, além de dividir entre si apenas 1% dos recursos destinados ao fundo partidário.

 

João Paulo Viana é cientista político e professor universitário. Autor do livro: Reforma Política: Cláusula de Barreira na Alemanha e no Brasil.

 

 

                                            Referências

 

ABRANCHES, Sérgio. O Presidencialismo de Coalizão: o dilema institucional brasileiro. In: Tavares. Antônio Giuste (org.). O sistema partidário na consolidação da democracia brasileira. Brasília: Instituto Teotônio Vilela, 2003.

ABU-EL-HAJ, Jawdat. Agonia e morte da política de clientela: a reforma política e as novas elites do poder no Brasil. In: Hermanns, Klaus e Moraes, Filomeno (orgs.). Reforma política no Brasil: Realizações e perspectivas. Fortaleza: Fundação Konrad Adenauer, 2003.

CARVALHO, Kátia de. Cláusula de barreira e funcionamento parlamentar. Brasília: Câmara do Deputados, 2003.

NICOLAU, Jairo. A reforma da representação proporcional no Brasil. In: Benevides, Maria; Vannuchi, Paulo; Kerche, Fábio (orgs.). Reforma Política e Cidadania. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003.

NICOLAU, Jairo. De como pensando que se vai para a Alemanha chega-se a Bolívia. Conjuntura Política: Boletim de análise nº 06, 1999.

PARENTE, Josênio. A institucionalização do PT: considerações sobre o partido no Ceará. Fortaleza: UFC; NEPS, 1995.

REIS, Fábio Wanderley. Engenharia e decantação. In: Benevides, Maria; Vannuchi, Paulo; Kerche, Fábio (orgs.). Reforma Política e Cidadania. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003.

RIBEIRO, Renato Janine. Sobre o voto obrigatório. In: Benevides, Maria; Vannuchi, Paulo; Kerche, Fábio (orgs.). Reforma Política e Cidadania. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003.

[1] Esse trabalho é uma síntese do subtítulo: "Histórico dos Sistemas Eleitoral e Partidário Brasileiro", do   livro: Reforma Política: Cláusula de Barreira na Alemanha e no Brasil, de minha autoria. Os tópicos referentes às propostas de reforma política foram acrescentados no intuito de ampliar o debate e fornecer subsidio ao leitor acerca dos temas principais da reforma política.

[2]PARENTE, Josênio. A institucionalização do PT: Considerações sobre o partido no Ceará. Fortaleza: UFC; NEPS, 1995, p.8.

[3] LAMOUNIER, Bolívar; MENEGUELLO; Rachel apud PARENTE, Josênio. Op cit., 1995, p.9.

 

[4] NICOLAU, Jairo. De como pensado que se vai para a Alemanha e chega-se à Bolívia. Conjuntura Política: Boletim de análise n 06, 1999, p.3.

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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