Quarta-feira, 23 de agosto de 2006 - 08h57
Com a formação da Nova República, tivemos o sepultamento do modelo e das instituições políticas da ditadura militar. Isso ao mesmo tempo levantou esperanças e expectativas por parte da população que acabara de viver 21 anos de regime autoritário. A assembléia constituinte de 1988 surgiu nessa perspectiva, suscitando a esperança de mudanças e abrindo caminho para uma nova ordem institucional. A carta magna de 1988 preservou os elementos tradicionais de nosso regime republicano: o presidencialismo, o federalismo, o bicameralismo, o multipartidarismo e a representação proporcional. O ponto referente à forma republicana e o sistema presidencialista de governo foram temas polêmicos, ficando acertado, entre os constituintes, um plebiscito nacional em 1993, que decidiria sobre a forma e sistema de governo.
Como avanços democráticos enumera-se a expansão do direito político ao analfabeto, que poderia votar e ser votado, o direito ao voto estendido aos menores de idade de
Nas eleições de
Com o impeachment de Fernando Collor, no final de 1992, o vice-presidente Itamar Franco assumiria o cargo. Após 30 anos, em abril de 1993 é realizado novo plebiscito que decidiria sobre a forma e sistema de governo. O modelo de República presidencialista é novamente vitorioso. Com o sucesso do plano real o então ministro da fazenda Fernando Henrique Cardoso anuncia sua candidatura à presidência da república pela coligação PSDB-PFL-PTB, tendo o senador Marco Maciel como vice. FHC vence Lula, já no 1o turno, por maioria absoluta de votos. Em 1997, o congresso nacional aprova a emenda da reeleição, dando direito a políticos dos cargos do executivo a concorrem novamente. Em
Em
No pleito de 2002, Luis Inácio da Silva é novamente candidato numa aliança mais ampla, tendo como vice, o senador José Alencar do Partido Liberal. José Serra, Ministro da Saúde do governo FHC é o candidato governista. Anthony Garotinho, então governador do Rio de Janeiro, sai candidato pelo PSB. O PPS e o PDT lançam o ex-governador do Ceará e ex-Ministro da Fazenda Ciro Gomes. Lula e Serra vão para o segundo turno, com Lula vitorioso, recebendo o apoio de Ciro e Garotinho.
A vitória de Lula representou, para a esquerda brasileira, a volta ao poder após 38 anos. Suscitando grandes esperanças de mudanças, o PT consolidava-se como nova alternativa de poder. Era o grande vitorioso das eleições aumentando sua bancada de 58 para 91 deputados. O PFL, representando a direita conservadora, é o partido com maior queda, passando de 105 para 84 deputados. Com exceção do PDT, todos os partidos que integraram a candidatura de Lula no 2o turno apresentaram crescimento de suas bancadas na câmara dos Deputados. Já os partidos que formavam a base governista de FHC, PSDB, PFL, PTB e PPB tiveram uma queda considerável no número de parlamentares. Mais uma vez, é apresentado um alto número de legendas no parlamento, nada mais nada menos que 19 partidos iniciaram os trabalhos legislativos em 2003.
Com a volta das eleições e a retomada da democracia, de 1985 aos dias atuais, quase 80 partidos já participaram de eleições. Atualmente, conforme a lei dos partidos nº 9096 de 1995, para que seja criado um novo partido é necessário a obtenção de assinaturas de no mínimo 0,5 % dos eleitores que votaram a deputado federal nas últimas eleições, em pelo 1/3 dos Estados brasileiros.
De certo, a instabilidade é algo marcante na trajetória de partidos e eleições no Brasil. Num estudo sobre a institucionalização do PT no Estado Ceará, o cientista político Josênio Parente[2] apresenta a idéia de que "o Brasil não conheceu alguns dos processos que levaram à sedimentação os sistemas partidários bem sucedidos" e completa a afirmação citando Lamounier e Meneguello que afirmam que "em perspectiva comparada, o Brasil é um caso notório do subdesenvolvimento partidário". [3]
Na constituinte de 1988, os legisladores brasileiros não demonstraram interesse pelas questões e regras que regulam as eleições para a câmara de deputados, assembléias e câmaras municipais. Em seu artigo intitulado "De como pensando que se vai para a Alemanha e chega-se à Bolívia", o professor do IUPERJ, Jairo Nicolau[4], aponta para uma total insatisfação com o desempenho de nossas instituições: "As regras que regulam a escolha de representantes, partidos, funcionamento do legislativo e executivo, são alvos de permanentes manifestações de descontentamento. Prova disso, é que foram freqüentemente editadas emendas constitucionais e comissões, editoriais e plebiscitos. Ele afirma, também, que a própria constituição de 1988, teria contribuído para tal "insatisfação institucional". O professor cita o ex-presidente FHC que, num depoimento ao Jornal do Brasil, expressou sua opinião quanto ao subdesenvolvimento de nosso sistema eleitoral. Segundo FHC, o problema existe porque nossa sociedade teria avançado mais que o sistema político.
A história republicana recente que foi marcada por golpes, suicídio, renúncia e impeachment, confirma essa instabilidade e fragilidade de nosso sistema eleitoral. A partir do plebiscito de 1992, referente à forma e sistema de governo, começaram a aparecer, com mais freqüência, propostas de reforma política. Porém, é difícil se encontrar unanimidade entre parlamentares, estudiosos e partidos políticos. Costuma-se divergir sobre tudo. Há estudiosos, por exemplo, que apontam para uma reforma total, outros preferem falar apenas em ajustes no atual sistema. No entanto, um ponto comum entre todos é que precisamos de partidos fortes, partidos que representem bem os interesses da sociedade, com um sistema partidário sólido e não temporal. Há uma grande descontinuidade em nosso sistema partidário. Desde o Império o Brasil já vivenciou diversos sistemas partidários. Possuímos partidos fracos e pouco enraizados em nossa sociedade. Precisamos fortalecer os partidos para um melhor funcionamento da democracia representativa É exatamente aí que entram pontos como verticalização, cláusula de barreira, fidelidade partidária, fim das coligações nas eleições proporcionais e financiamento público de campanhas, voto distrital misto, lista fechada, entre outros.
Reforma Política temas principais
Fim das coligações em eleição proporcional: o voto vai para a coligação e não para o partido. Isso deturpa o voto na legenda, pois, nem sempre o partido que recebe o maior número de votos elege o número maior de candidatos (ponto unânime entre os estudiosos).
Verticalização: parte do princípio de que necessitamos de partidos nacionais, porém as realidades estaduais são por vezes distintas. Nas grandes metrópoles como São Paulo, Rio de Janeiro, podemos observar a existência de três arenas políticas distintas: a nível federal, estadual e municipal. Outro fato tem apontado desde
Financiamento Público de Campanha: outro tema bastante polêmico entre estudiosos, partidos e políticos. Eu compartilho do pensamento do cientista político e professor da UFMG, Fábio Wanderley, que parte do princípio que
se o direito ao direito ao voto é igualitário no país, o direito de ser votado também é demasiadamente influenciado pela desigualdade de riqueza e acesso aos recursos privados. O Brasil possui campanhas milionárias, quando na democracia moderna torna-se imprescindível que o poder do dinheiro não se sobreponha a vontade popular.
Voto Distrital Misto: dividir a federação em circunscrições eleitorais. Seria extremamente difícil desenhar esses distritos eleitorais. Seus defensores apontam uma maior eficácia, pois, haveria um maior contato entre o representante e o representado. Esse ponto vai de encontro ao sistema de representação proporcional que seus defensores apontam como mais democrático. Além disso há o argumento de que na verdade, os redutos eleitorais do candidato já representariam tais áreas.
Voto
Voto Facultativo: Filosoficamente a discussão parte da premissa de que se o voto é um direito, porque consistiria também em um dever? Particularmente, não vejo no momento, condições para sua aplicação no Brasil. O voto facultativo numa sociedade que padece de uma cultura política, elitiza o processo político, pois, apenas a elite econômica e cultural da população participa do processo eleitoral, excluindo assim os pobres. Na Alemanha, onde o voto é facultativo, as taxas de comparecimento são altíssimas, chegando a mais de 80% da população. Contudo, foram criadas condições para um interesse pela coisa pública por parte do cidadão. Nos Estados Unidos onde o voto também é facultativo é visível a baixa taxa de votantes por parte da população negra. Isso reflete diretamente na representação dos negros no parlamento americano, com um número pequeno de representantes.
Cláusula de Barreira: a grande questão é saber quantos partidos o sistema brasileiro necessita para o seu pleno funcionamento. Em tempos de crises e abalos constantes, a cláusula de 5%, poderia aglutinar o sistema político em 7 ou 8 partidos. Na eleição de 2002, 19 partidos conseguiram representação no parlamento. É um número alto, confunde o eleitor, além de provocar o descrédito por parte do mesmo. Além de favorecer o surgimento de uma cultura político-partidária a cláusula de barreira pode contribuir para resolver o problema da excessiva personalização do voto em nosso sistema político. No entanto a cláusula de exclusão pode fechar o sistema partidário apenas para os grandes, expulsando partidos históricos e ideológicos como, por exemplo o caso do Partido Comunista do Brasil, e partidos de conteúdo programático internacional como o Partido Verde, pois as legendas que não conseguirem os 5% não terão acesso ao funcionamento parlamentar em todas as casas legislativas, perderam também o horário gratuito de rádio e televisão, além de dividir entre si apenas 1% dos recursos destinados ao fundo partidário.
João Paulo Viana é cientista político e professor universitário. Autor do livro: Reforma Política: Cláusula de Barreira na Alemanha e no Brasil.
Referências
ABRANCHES, Sérgio. O Presidencialismo de Coalizão: o dilema institucional brasileiro. In: Tavares. Antônio Giuste (org.). O sistema partidário na consolidação da democracia brasileira. Brasília: Instituto Teotônio Vilela, 2003.
ABU-EL-HAJ, Jawdat. Agonia e morte da política de clientela: a reforma política e as novas elites do poder no Brasil. In: Hermanns, Klaus e Moraes, Filomeno (orgs.). Reforma política no Brasil: Realizações e perspectivas. Fortaleza: Fundação Konrad Adenauer, 2003.
CARVALHO, Kátia de. Cláusula de barreira e funcionamento parlamentar. Brasília: Câmara do Deputados, 2003.
NICOLAU, Jairo. A reforma da representação proporcional no Brasil. In: Benevides, Maria; Vannuchi, Paulo; Kerche, Fábio (orgs.). Reforma Política e Cidadania. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003.
NICOLAU, Jairo. De como pensando que se vai para a Alemanha chega-se a Bolívia. Conjuntura Política: Boletim de análise nº 06, 1999.
PARENTE, Josênio. A institucionalização do PT: considerações sobre o partido no Ceará. Fortaleza: UFC; NEPS, 1995.
REIS, Fábio Wanderley. Engenharia e decantação. In: Benevides, Maria; Vannuchi, Paulo; Kerche, Fábio (orgs.). Reforma Política e Cidadania. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003.
RIBEIRO, Renato Janine. Sobre o voto obrigatório. In: Benevides, Maria; Vannuchi, Paulo; Kerche, Fábio (orgs.). Reforma Política e Cidadania. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003.
[1] Esse trabalho é uma síntese do subtítulo: "Histórico dos Sistemas Eleitoral e Partidário Brasileiro", do livro: Reforma Política: Cláusula de Barreira na Alemanha e no Brasil, de minha autoria. Os tópicos referentes às propostas de reforma política foram acrescentados no intuito de ampliar o debate e fornecer subsidio ao leitor acerca dos temas principais da reforma política.
[2]PARENTE, Josênio. A institucionalização do PT: Considerações sobre o partido no Ceará. Fortaleza: UFC; NEPS, 1995, p.8.
[3] LAMOUNIER, Bolívar; MENEGUELLO; Rachel apud PARENTE, Josênio. Op cit., 1995, p.9.
[4] NICOLAU, Jairo. De como pensado que se vai para a Alemanha e chega-se à Bolívia. Conjuntura Política: Boletim de análise n 06, 1999, p.3.
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