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João Paulo Viana

O parlamento rondoniense: Entre a estabilidade e o caos



A Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia (ALE-RO) vivenciou na última década os episódios mais turbulentos de sua história. Alternando períodos de estabilidade e caos, diversas crises abalaram o parlamento nos últimos anos, sendo palco de operações policiais que culminaram em prisão, cassação e afastamento de presidentes e ex-presidentes. Aliado a esses acontecimentos, desde as eleições de 1982, os índices de volatilidade eleitoral nas eleições para a ALE-RO tem sido um dos mais altos do país, ao lado da exacerbada fragmentação partidária, que chegou ao ápice nas eleições de 2014. Neste breve artigo, tecerei alguns comentários acerca da trajetória institucional deste jovem parlamento, bem como as perspectivas da atual legislatura.

O Estado de Rondônia, criado pela Lei Complementar nº 41 de 22 de dezembro de 1981, e instalado no dia 04 de Janeiro de 1982, constitui-se como uma das mais novas unidades federadas do País. Atualmente, possui uma população de cerca de um milhão setecentos e cinqüenta mil habitantes, com aproximadamente um milhão e cem mil eleitores, distribuídos em 52 municípios.

Fundada no final do regime militar, em meio à política ditatorial de colonização da Amazônia brasileira, sob o lema “Integrar para não entregar”, Rondônia situa-se na chamada Amazônia ocidental.  No plano econômico, detém o sétimo maior rebanho bovino do País, constituindo-se num dos maiores exportadores de carne, além de grande produtor de arroz, cacau, café, soja, mandioca, milho, borracha, madeira, minérios, e possui duas das principais hidrelétricas brasileiras, Jirau e Santo Antônio, construídas durante os governos Lula e Dilma.

Em 1982, o recém criado estado não realizou eleição para governo estadual, sendo reempossado no cargo o Cel. Jorge Teixeira de Oliveira (PDS), último mandatário do território federal e responsável por liderar a transição à unidade federada. Teixeirão, como era popularmente chamado, é uma espécie de “founding father” local, notoriamente reconhecido por muitos, até os dias atuais, como a maior liderança político-administrativa da história rondoniense.

E então, num contexto de multipartidarismo controlado, com cinco partidos registrados à época no TSE (PDS, PMDB, PT, PDT e PTB), o pleito de 1982 marcou a primeira composição do parlamento rondoniense, com um total de 24 deputados eleitos, 15 filiados ao PDS, e 9 ao PMDB, ambos partidos herdeiros do antigo bipartidarismo ditatorial de ARENA e MDB. Na eleição para a Câmara dos Deputados foram eleitos cinco parlamentares do PDS e três do MDB. Para o Senado Federal, o PDS garantiu todas as três vagas em disputa, demonstrando a força do então governador Jorge Teixeira, e seu compromisso com o regime ditatorial em assegurar a vitória dos três senadores da nova unidade federada.

Deste modo, a formação inaugural da Assembleia Legislativa de Rondônia tomou posse em 31 de janeiro de 1983, instalando naquele momento a Assembleia Estadual Constituinte. No dia 6 de agosto daquele ano foi promulgada a Constituição Estadual, sob a presidência de José de Abreu Bianco (PDS), que mais tarde se tornaria governador (1999-2002) pelo PFL. Com a retomada da democracia e a fundação da Nova República em 1985, por determinação da Constituição Federal de 1988, todos os estados membros tiveram de promulgar uma nova carta estadual, o que fez de Rondônia a única unidade federada a possuir duas constituições numa mesma década.

De lá para cá, nove legislaturas foram eleitas, com cerca de quinze deputados ocupando a presidência da casa legislativa. Numa perspectiva comparada, as eleições para a ALE-RO têm produzido alguns dos maiores índices nacionais de volatilidade eleitoral para as assembléias estaduais desde 1982, o que, a princípio, denotaria um quadro de baixa institucionalização e forte personalismo da vida partidária.

A partir dos anos 2000, uma série de crises institucionais, a mais grave delas resultado do acirramento das relações entre executivo e legislativo entre os anos de 2005 e 2006, marcaria profundamente o parlamento rondoniense. Neste período, ocorreram diversas operações lideradas pela Polícia Federal, em conjunto com várias instituições de controle, que resultaram em prisões de dois presidentes no exercício do mandato, sendo um deles cassado pela ALE-RO em 2012, por quebra de decoro parlamentar. Além de um ex-presidente preso fora do exercício da presidência, mas exercendo o mandato de deputado, outro ex-presidente condenado pelo STJ em 2010, e até o momento foragido, e o afastamento do cargo em 2013, durante trinta dias, de mais um presidente. Fatos que comprovariam uma realidade de instabilidade crônica, que acompanha a política estadual há mais de uma década.

Outra característica marcante é a relação da composição do eleitorado estadual e seu impacto nas eleições para a Assembleia. Com aproximadamente 75% dos eleitores concentrados no interior do estado, tradicionalmente há um forte predomínio na ALE-RO de deputados com reduto eleitoral nas regiões interioranas de Rondônia, principalmente no eixo da BR-364. Nesta perspectiva, a capital vem sendo historicamente sub-representada no parlamento, ainda que tenha melhorado seu desempenho nas últimas eleições.

No pleito de 2014, 16 partidos alcançaram assentos na ALE-RO, representando a maior fragmentação partidária da história do legislativo rondoniense: PMDB 3, PP 3, PT 2, PSDC 2, PT do B 2, PDT 2, PTB 1, PSD 1, PSDB 1, DEM 1, PSB 1, PV 1, PEN 1, PRP 1, PTN 1, Solidariedade 1. Entretanto, é importante recordar que o número de partidos na Câmara dos Deputados também aumentou na última eleição, com 28 agremiações partidárias representadas no parlamento federal, fato que indica uma tendência nacional de proliferação de legendas nas casas legislativas.

Atualmente, a presidência da ALE-RO está ocupada por Maurão de Carvalho (PP). Em seu quinto mandato é o parlamentar mais antigo da casa. Liderança evangélica, no estado que conta com o maior percentual de protestantes do País, Maurão é aliado político do ex-governador e atual Senador Ivo Cassol (PP) – que condenado a quase cinco anos de prisão pelo STF, aguarda, no exercício do mandato, o trânsito em julgado da decisão. A gestão de Maurão na presidência tem vigência até 2018, tendo em vista o fato de ele ter sido reeleito com a antecipação da eleição da mesa diretora do biênio 2017-2018, realizada há alguns dias, apoiada no regimento interno, dispositivo que discutiremos numa próxima oportunidade.

Diante de um quadro de extrema fragmentação partidária, o PMDB do governador Confúcio Moura, maior e mais tradicional partido do Estado, possui apenas três cadeiras no legislativo estadual. Ainda que este número represente a maior bancada, ao lado do PP, que detém a presidência, é insuficiente para aprovar qualquer projeto de interesse do Executivo. Deste modo, evidências corroboram a hipótese de que maiorias governamentais são negociadas e conquistadas pontualmente a cada votação.

Neste contexto de graves crises institucionais, que provocaram os mais tenebrosos episódios políticos do jovem estado rondoniense, aliado ao extremo personalismo, exacerbada fragmentação partidária, altos índices de volatilidade eleitoral, além de complexas e turbulentas relações com os demais poderes, a ALE-RO tem buscado se reaproximar dos cidadãos, por intermédio de diversas entidades da sociedade civil, realizando audiências públicas, sessões itinerantes, e investindo em campanhas publicitárias que incentivam uma maior ligação entre representantes e representados.

Não obstante, outras medidas de grande relevância, como o aumento da transparência em suas despesas e a redução das verbas indenizatórias, também poderiam ser adotadas. Por fim, vale ressaltar que todo o esforço atual pode ser insuficiente, caso os deputados não consigam aprender nada com a nossa história recente.

Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Rondônia (DCS/UNIR), doutorando em Ciência Política na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Voluntário do Movimento Voto Consciente. “Esse blog é feito em parceria com o Movimento Voto Consciente. Todos os autores envolvidos são voluntários da organização e dois textos são publicados por semana. As opiniões não espelham, necessariamente, o que pensa o Movimento Voto Consciente, mas carregam, como valor essencial à democracia, a diversidade expressiva de opiniões de seus analistas - todos estudantes, mestres ou doutores em Ciência Política por renomadas universidades. As temáticas terão sempre como base algum aspecto associado ao Legislativo, e podem retratar realidades e desafios municipais, estaduais e-ou federais."

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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