Quinta-feira, 2 de maio de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

Terceira Margem – Parte DLXXXVIII - Jornada Pantaneira - Francisco Solano López (Biografia) Parte III


Terceira Margem – Parte DLXXXVIII - Jornada Pantaneira - Francisco Solano López (Biografia) Parte III - Gente de Opinião

Bagé, 19.05.2023

III

Durante a longa campanha, López teve ocasião de desenvolver toda a energia e tenacidade de que era capaz uma têmpera de ferro. Não foi propriamente um guerreiro; sempre se conservou fora das linhas de combate e não dirigia pessoalmente a ação dos seus exércitos. E ele tinha razão para colocar a sua pessoa ao abrigo das contingências da Batalha.

Realmente, concentrando em si todos os poderes da Nação, era o símbolo vivo do Governo, encarnava todo o seu sistema administrativo e uma vez suprimido o ditador ou desaparecido do Teatro da Guerra, estava tudo acabado.

Ele era sobretudo um audaz e um voluntarioso, de tal sorte que exercia entre seus súditos uma influência dominadora e absoluta. Todos tremiam ao seu aspecto e ninguém ousava falar em sua presença sem ser interrogado. Cruel e sanguinário, era muito irregular nas suas afeições.

Tão facilmente cumulava de honras e proventos a um obscuro soltado, como desautorizava e rebaixava o mais prestimoso e reputado General. Desconfiava de todos, não acreditava na honra do cavaleiro, na lealdade militar. Tinha um número mui­to pequeno de íntimos; nunca fazia elogios aos sol­dados e oficiais e ostentava não ligar importância alguma aos Generais.

Nada comunicava do que ocor­ria de notável nem permitia que qualquer pessoa, sem exceção, comunicasse a outrem os sucessos de que tinha notícia ou fizesse a quem quer que fosse perguntas a respeito do que porventura soubesse. No Exército apenas cumpriam-se, às vezes mecânica e inconscientemente, as ordens do ditador assim se explica como acontecimentos de grande importância não se tornavam públicos e sobretudo não chegava notícia deles ao campo dos aliados senão muito tempo depois de ocorridos. Mesmo sobre questões de detalhe, cujo conheci­mento interessava à boa administração das Forças, López guardava a mais absoluta reserva.

O chefe do Estado Maior não soube jamais a cifra exata das forças efetivas do Exército. Desta e de outras circunstâncias que López queria conservar secretas, apenas ele e mais um ou dois íntimos tinham ciência e se porventura qualquer de seus Generais houvesse cometido a indiscrição de pretender devassar qualquer destes segredos, teria sido imediatamente fuzilado.

A essa atmosfera pesada, a esse regime de terror que o Marechal infundia em torno de sua autoridade, correspondia uma obediência incondicional e tácita que não era a subserviência podre dos tímidos e covardes porque era o fruto de uma educação reli­giosa absolutamente passiva e do um exaltamento patriótico levado ao delírio que faziam da pessoa do ditador a simultânea encarnação de Deus e da Pátria.

Alguns fatos se deram que pintam caracteristica­mente a intensidade da força autoritária do ditador. Certo dia, em 20.07.1865, López ordenou a um dos Generais que fosse prender o General Robles, Chefe Superior da Divisão do Sul e o trouxesse com segu­rança à sua presença.

  Que forças levo, senhor?

Perguntou o emissário, que era o General Barrios, cunhado do ditador.

  Um Ajudante de Ordens e esta nota escrita, res­pondeu o Marechal entregando-lhe um pedaço de papel dobrado e lacrado.

O emissário partiu, embarcou no vapor “Igurei” e saltando no porto do Empedrado dirigiu-se à tenda do General em Chefe, que ao avistá-lo veio ao seu encontro de mãos estendidas.

  Alto lá, disse Barrios, entregando-lhe o papel, não aperto a mão de quem venho prender por ordem superior.

O General Robles, quebrou o selo da carta e leu tranquilamente a ordem do ditador. Achava-se ele no meio de trinta mil homens a que disciplinara e que lhe votavam uma dedicação extrema. Era a única autoridade a que obedeciam havia três anos, desde a formação do acampamento de Cerro Leon.

Pois bem, terminada a leitura, o velho General, cheio de serviços e fadigas, tirou calmamente a espada do cinturão e a entregou ao companheiro. Ao outro dia, chegava à presença de López e era fuzilado como réu de alta traição à Pátria.

Esse mesmo Barrios pouco tempo sobreviveu ao infeliz camarada. Era o cunhado do López, então General de Divisão e Ministro da Guerra e da Marinha; na manhã de 12.08.1866, apresentou-se ele, em S. Fernando, ao Presidente que estava escrevendo; cortejou polidamente e esperou a dois passos de distância. Decorridos quinze minutos, López, que não lhe havia correspondido ao cumprimento, levantou a cabeça e, fulminando-o com o olhar formidável dos maus momentos, rugiu:

  Fiz-lhe depositário de minha confiança, supondo-o um leal servidor; estou persuadido do que você é indigno dela. Retire-se de minha presença.

Barrios, o homem então de mais importância no Exército, tremeu dos pés à cabeça, dificilmente encontrou a porta e seguiu pela rua cambaleando como um ébrio. Em casa atirou-se como um louco à esposa, que era irmã de López; segurando-a pelos cabelos, arrastou-a pelo chão, pisou-lhe o rosto com o tacão das botas até ensanguenta-la toda e, deixando-a prostrada e desfalecida, degolou-se com uma navalha. (LANGGAARD MENESES) (Continua...)

Bibliografia

 

LANGGAARD MENESES, Rodrigo Octavio de. Homens e Coisas do Paraguai – Solano López e José Diaz – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista Brasileira – Sociedade Revista Brasileira – Segundo Ano – Tomo VI, 1896.

 


 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

E-mail: [email protected].

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoQuinta-feira, 2 de maio de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Terceira Margem – Parte DCCXXXIV -  Retorno à Lagoa Mangueira – Parte I

Terceira Margem – Parte DCCXXXIV - Retorno à Lagoa Mangueira – Parte I

Bagé, 1°.05.2024 Fontes de Energias Alternativas(Abdias Campos)O vento é um combustívelDe simplicidade incrívelHá muito tempo acessívelA barco a vela

Terceira Margem – Parte DCCXXXIII - Circunavegação da Lagoa Mangueira – Parte III

Terceira Margem – Parte DCCXXXIII - Circunavegação da Lagoa Mangueira – Parte III

Bagé, 26.04.2024  Bomba n° 20 – Rumo Sul (15.01.2016) Mantive minha espartana rotina, acordei cedo, comi duas bananas ofertadas pelo Gilson e parti às

Despedida do CMPA – Parte II

Despedida do CMPA – Parte II

Bagé, 26.04.2024 Elogio do Coronel Hiram Reis e Silva Os laços da família REIS E SILVA com esta inigualável Casa do saber, do respeito e da cidadan

Terceira Margem – Parte DCCXXXII - Circunavegação da Lagoa Mangueira – Parte II

Terceira Margem – Parte DCCXXXII - Circunavegação da Lagoa Mangueira – Parte II

Bagé, 24.04.2024  Bomba n° 20 – Taim – Bomba n° 20 (14.01.2016) Antes de partir, combinamos de nos encontrar para o almoço em um Pontal, próximo à

Gente de Opinião Quinta-feira, 2 de maio de 2024 | Porto Velho (RO)